Revelações de Jonas: Primeira Etapa da Viagem


Primeira Etapa da Viagem
 O Embarque

As pessoas sempre imaginam que exista algo belo e bonito no além-vida, sempre esperam que em algum instante de suas ridículas passagens pelo planeta Terra passem a ter algum significado.

Doce mentira.

Anos atrás o pequeno Jonas teve uma experiência fora de seu corpo completamente contrária a qualquer coisa que muitos entendidos do "além-vida" pregam. Ele estava internado entre a vida e a morte há pelo menos dois anos no hospital Souza Aguiar, Rio de Janeiro, após um trágico acidente envolvendo bicicleta, um caminhão e muita imprudência. Seus pobres pais não tinham nenhuma condição de arcar com custos de hospitalização particular, o que significava que literalmente ele estava nas mãos de Deus.

Claro, quando se está predestinado a morrer não importa onde esteja internado, isso há de ocorrer. Entretanto, no caso dele o motivo real de sua condição era apenas um coma induzido por médicos corruptos que queriam faturar alguns trocados a mais desviando dinheiro do SUS que seria necessário para o suposto tratamento do menino. Na noite de vinte e um de abril de dois mil e um, um dos médicos errou na dose de sedativo, e, por não se importar efetivamente com o jovem, tudo começou.

Primeiro o de sempre. Um pequeno formigamento em seus pés, algo tênue, imperceptível não fosse o seu estado semiconsciente. Como parte do tempo ou sonhava ou ouvia as vozes das pessoas a sua volta, sem jamais conseguir acordar ou dar sinais, julgou estar novamente entrando no seu sono diário. Considerando a frequência com que acontecia desde sua internação, ele já não se desesperava como antes e deixava simplesmente acontecer. Nada podia fazer a não ser se deixar levar, era menos traumático que qualquer tipo de resistência.

Porém dessa vez algo de diferente aconteceu. Apesar de muitos amigos, colegas e parentes já terem comentado disso e nunca tinha dado razão a essas palavras, soube identificar de imediato o que estava acontecendo consigo. O sono desapareceu, dando lugar a uma profunda leveza. A seguir passou a ver seu corpo com uma nitidez completa, de suas mãos até a ponta de seus pés. Daí a leveza foi substituída pela impressão de que flutuava em uma piscina. Sentia–se livre de qualquer um de seus sentidos e, principalmente, de todo o sofrimento dos últimos anos. Então viu uma luz acender sobre sua cabeça em um flash intenso que lhe ofuscou a visão e levou embora sua consciência.

Jonas acordou algum tempo depois. Se foram dias ou horas não tinha como saber, mas não gostou do que viu. Estava nu, na borda de um imenso cânion. Seus olhos doíam muito, devido ao tom avermelhado do ambiente. "Será que estou no inferno? Ou é algum sonho?", pensou enquanto vagava cambaleante pelo cenário desolado. Tentando sentir um pouco do local onde estava, Jonas pegou um pouco da terra local. O material era ralo e fino, semelhante a açúcar de confeiteiro, com odor acre parecido com o de sangue, com textura úmida. E as rochas pareciam ser feitas de material semelhante. 

 
Longe... Muito longe...


Olhando para o interior do cânion, conseguia ver um pequeno rio de águas cinzentas correndo em direção a algum lugar por entre as curvas do desfiladeiro. Jonas misteriosamente sentia–se atraído por esse rio ao mesmo tempo em que uma sensação lhe compelia a se afastar o máximo possível dele. Mas o jovem tinha um defeito, ele era profundamente curioso, e imprudente – óbvio, pois se não fosse não teria parado no hospital. – e começou a se esgueirar pela borda do desfiladeiro procurando uma trilha onde pudesse alcançar esse rio.

Passados alguns minutos e alguns metros beirando a borda do cânion, Jonas conseguiu finalmente encontrar uma trilha ao menos aparentemente segura, apesar de fina. Lenta e cautelosamente ele desceu um pé após o outro, tomando todo o cuidado para não machucar nenhuma parte de seu corpo nas poucas pedras vermelhas que conseguia distinguir, pois se não houvesse caminho logo abaixo, teria que usar essa mesma trilha para subir novamente.

Finalmente, após muita paciência mesclada a um esforço compenetrado, Jonas atingiu seu objetivo e estava a poucos metros do rio cinzento. Sem a menor preocupação correu até sua margem e viu o reflexo de seu rosto na água. O jovem berrou escandalizado ao ver o estado de sua face na água. Imensas feridas e cicatrizes pareciam cobrir o rosto todo. Seu cabelo estava raspado e com buracos que mostravam mais cicatrizes do que tinha em sua face. Sentia–se uma verdadeira colcha de retalhos. Pela primeira vez em muito tempo de desespero, Jonas chorou. E para sua surpresa e terror, Jonas chorou sangue.

Jonas apalpava seus olhos e sentia o líquido viscoso e vermelho escorrendo por sua face e banhando–o. Tentava parar de chorar, mas tal qual uma ferida aberta o sangue parecia até mesmo sair mais forte que quando chorava com vontade. Isso apenas aumentava mais e mais seu desejo de pular no rio, agora sob a justificativa de se sentir limpo, porém proporcionalmente a esse desejo aumentava o terror de estar próximo dessa água. Hesitando Jonas procurou a parede do desfiladeiro e ali se apoiou, deixando a cabeça relativamente arqueada permitindo ao sangue que caísse diretamente no chão, ao invés de banhá–lo. Porém, quando tocou na parede imediatamente parou de chorar e o sangue desapareceu num piscar de olhos, como se nunca tivesse caído. Procurou por vestígios dessa estranha lágrima e apenas encontrou lágrimas comuns. Teve uma impressão estranha e arriscou jogar uma pedra no rio, escolheu qualquer dentre as milhares de pedras vermelhas que ali tinham e a arremessou.

A pedra vermelha fez um arco perfeito no céu em direção ao rio, mas antes de atingir a superfície do rio algo pavoroso aconteceu. Como se atraídos pela chegada repentina daquele objeto, dezenas de braços cinzentos saíram do espelho d'água e brigaram entre si por ela. A briga continuou até todos os vestígios das pedras e dos braços tivessem desaparecido por completo nas profundezas do rio. Jonas caiu sentado no chão de susto quando os braços agarraram a pedra. No âmago de seu ser, Jonas agradecia por dessa vez ter sido prudente e não ter se arriscado como algo lhe dissera antes para fazer. Sem ter mais o que fazer naquela parte do rio, Jonas procurou alguma espécie de caminho, mas ao dar os primeiros passos concluiu que seria mais seguro subir a trilha de volta ao topo do desfiladeiro ao invés de se arriscar pelas beiradas de um rio onde a qualquer momento braços poderiam surgir e puxá–lo para dentro, ou pior ainda, ele poderia ceder à tentação de pular no rio cinzento, e ele tinha certeza que isso não seria bom. Novamente, dessa vez com o dobro de cautela, Jonas seguiu a trilha, só que dessa vez para bem longe do rio cinzento...

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