Revelações de Jonas, Missão: Prévia da Missão, Solidão

Revelações de Jonas: Missão
Prévia da Missão
Solidão


Realmente aquele era um dia diferente para o casal de namorados. Primeiro eles haviam acabado de sair de um médico que informavam que clinicamente o Fernando continuava morto, mas andava e falava como qualquer pessoa viva. Até exames estranhos do cérebro de Fernando foram mostrados. Depois, quando decidiram ir lanchar no Mc Donald’s tiveram que ceder o lugar deles na fila para um bando de velinhos famintos, por educação. Agora, quando finalmente estavam sendo atendidos, três santanas negros estacionaram em frente do restaurante e

Renato e Fernando estavam comendo um lanche do Mc Donald’s quando Fernando sentiu um estalo na cabeça e em seguida uma sensação profunda de pavor. Para disfarçar sua sensação e não fazer Renato desconfiar de sua sanidade, ainda mais depois dos estranhos exames vistos naquele dia, Fernando concluiu que deveria disfarçar sua preocupação imediata de alguma forma. O problema era que algo dizia a Fernando que não tinham tempo de sair do restaurante, tinham que providenciar uma alternativa. Fernando olhou para a porta do banheiro, próxima deles, e imediatamente percebeu que sua salvação estaria dentro daquele lugar.

– Rê... Sabe de uma coisa que sinto falta? – Falou Fernando, com malícia.

– Do que, Fê? – Perguntou Renato, estranhando a súbita mudança de humor de Fernando.

– Do perigo... Estava olhando para esse banheiro e pensei, “por quê não?”, entendeu... – Fernando sorriu e beijou a mão de Renato.


Renato não entendeu nada das intenções de Fernando, mas a proposta lhe atraiu. Imediatamente terminou de engolir seu lanche e deixou-se levar por Fernando para o banheiro. Assim que entraram no banheiro, Fernando escolheu como ninho de amor dos dois o local mais afastado da porta do banheiro. Renato novamente estranhou a atitude e estranhou mais ainda quando Fernando ao invés de começar as carícias começou a olhar preocupado para a porta.

– O que quer que esteja pensando, diz logo... – Afirmou Renato.


A resposta veio na forma de gritos de pavor vindos do restaurante. Renato tentou se deslocar para a porta procurando pela razão dos gritos, mas Fernando o segurou forte, o puxou pra dentro da cabine e fechou a porta. Em menos de um segundo começaram a escutar sons de tiros que pareciam intermináveis e mais gritos, e no final escutaram um estrondo imenso e tudo tremeu, caindo muita poeira em cima dos dois. De repente uma fumaça branca começou a entrar pela porta e Fernando puxou Renato para fora apressado. “É gás lacrimogêneo!”, berrou enquanto corria para a porta.

Renato a princípio estranhou a atitude do namorado, mas optou por segui-lo, dado que sua ultima previsão aparentemente lhes salvara a vida. Ao saírem do banheiro, Renato e Fernando viram a cena mais horrenda da vida deles. Apesar de toda a fumaça e da dor nos olhos, eles conseguiam ver um amontoado de corpos todos dilacerados por balas, sem nenhum sobrevivente aparente. Fernando e Renato saíram correndo do Mc Donald’s sem olhar para trás, ao mesmo tempo em que uma multidão de curiosos se aglomerava em volta para ver o que acontecera.

Chegaram em casa imundos e completamente exaustos, dado que correram toda a distância entre a Rua Siqueira Campos e o Mc Donald’s em pouco menos de cinco minutos. Assim que Fernando abriu a porta, ele levou um susto, uma enorme sombra negra estava prostrada na parede da sala. Renato, sem ver nada, cutucou Fernando e perguntou a ele o que estava vendo de tão apavorante. “Uma enorme sombra, na parede da sala...”, balbuciou Fernando, em choque e ao mesmo tempo não tinha nenhum medo dela, parecia até mesmo querer falar com ela. Renato, para comprovar que nada existia naquele lugar foi até a parede e a socou, mas quando fez isso sentiu um calafrio completamente desconfortante lhe percorrer a espinha.

– Eu acho que realmente tem alguma coisa aqui... – Indagou Renato, esperando uma resposta de Fernando.

– Eu tenho certeza... – Afirmou Fernando.


De repente a sombra se mexeu e levantou com elas muitas revistas e jornais, que ao cair no chão colocaram-se em cima uns dos outros formando com seus títulos a palavra “Jonas”. Renato e Fernando se abraçaram apavorados e correram para o quarto, se jogando embaixo das cobertas. A sombra aparentemente desapareceu e depois de quinze minutos de medo, provavelmente maior por causa do ocorrido uma hora antes, ambos se acalmaram e voltaram a ponderar melhor.

– Dessa vez sua loucura me afetou, Fernando... Precisamos dar um jeito nisso urgentemente! – Disse Renato, saindo da coberta. – Eu realmente fiquei apavorado.

– E eu? – Afirmou Fernando. – Quando vi a coisa preta fiquei gelado... E meu medo ficou maior porque tive a impressão de conhecê-la.

– Heim?

– É, tive a impressão de saber quem é isso... Mas não consigo acessar essa informação... As vezes acho que o que aconteceu comigo tem a ver com isso tudo.

– Tomara que não... Bem, vou tomar banho, se quiser se juntar comigo depois, ótimo, se não, espera aí... Se der vou queimar essas roupas hoje! Estou um caco!


Renato se levantou da cama e foi direto para o banheiro. Despiu-se, ligou o gás e começou a banhar-se. Enquanto se banhava teve a nítida impressão de estar sendo observado, mas preferiu ignorar a sensação e dar prosseguimento a sua limpeza física e mental. A imagem de todos aqueles corpos era horrível. Já tinha visto corpos antes na internet, mas ao vivo era algo completamente diferente, desejava esquecer isso o quanto antes. O banho durou pelo menos uma hora, nas quais Fernando ficou no quarto assistindo televisão para relaxar ao invés de se banhar com o namorado. Renato sentiu falta disso, mas preferiu ficar calado pois Fernando já tivera muitos problemas naquele dia, e desejava poupá-lo de discussões amorosas.

– Se quiser tomar banho, o banheiro está livre... Deixei a água quente ligada. – Avisou Renato, entrando nu no quarto e estranhando que Fernando estava desviando o olhar para ele. – O que há contigo Fê? Está com nojo de me ver nu?

– Não sei... Sinto algo estranho, mas não sei o que é...


Fernando se levantou e foi tomar banho, deixando Renato sozinho no quarto com a televisão ligada. No fundo Renato sabia que havia algo estranho em Fernando, desde que retornara do hospital os dois, como casal, estavam ficando mais e mais distantes. Fernando passava o dia inteiro lendo jornais e se informando das coisas que acontecia no mundo. Normal, mas Fernando odiava jornais, ele detestava ler essas coisas, apenas Renato gostava. Um determinado dia pegara Fernando assistindo filmes para homens heterossexuais, e nitidamente se excitando com isso. Todo esse comportamento era diferente demais do Fernando por quem Renato se apaixonara, parecia realmente outra pessoa. As memórias e o corpo eram o mesmo, mas de sua mente cada vez menos haviam resquícios. De repente Fernando chama Renato nervoso no banheiro e Renato corre pra ver o que acontece.


Vamos, o que espera?


– Renato, que brincadeira é essa aqui? – Berra Fernando, irritado.

– Eu não fiz nada disso! – Responde Renato. – Quer saber, estou ficando de saco cheio disso tudo...

Renato sai revoltado do banheiro, irritado demais com Fernando, veste-se rápido e quando está na porta de saída sente algo estranho, como se estivesse sendo observado. Ele olha para os lados procurando por Fernando, mas ele está no banheiro ainda. “Merda, quem está aí! Apareça!”, berra Renato, sem obter resposta. Renato começa a girar a chave e de repente sente um tapa na mão, e se afasta da porta assustado. A televisão liga sozinha em um canal onde um apresentador diz no volume mais alto, “Ninguém sai daqui...”, e em seguida a função “mute” se ativa. Fernando chega apavorado e desliga a televisão, vendo que Renato está sentado no chão próximo à porta aparentemente em choque. Dois tapas no rosto são suficientes para Renato despertar. Ele agarra os braços de Fernando e diz que vai chamar o porteiro Severino, porque está tudo louco demais, abre a porta e corre para o térreo, deixando Fernando sozinho no apartamento.

Cinco minutos depois, que parecem horas para Fernando, seu namorado volta, trazendo consigo o porteiro do prédio. O porteiro olha para os lados, e fica em silêncio longos minutos ponderando. Então a televisão novamente liga sozinha, assustando a todos menos o porteiro, que escuta o apresentador dizer “fale logo”, para em seguida emudecer novamente. O porteiro olha para os rapazes com um olhar sério e começa a falar:

– Jonas, você me dá muito trabalho... – Diz o porteiro, com um tom de voz sombrio e sem nenhum sotaque nordestino.

Fernando e Renato levam um susto absurdo, mas não tem tempo de perguntar nada, pois em seguida o porteiro cai no chão desacordado. Auxiliado pelos rapazes ele é colocado no sofá da sala e Renato trás para ele um copo de água. O porteiro bebe a água rápido e volta a falar, dessa vez com seu sotaque tradicional:

– Desculpem, meninos... Desmaiei sem querer quando cheguei. – Disse Severino.

– Quem é Jonas? – Pergunta Fernando.

– Ó Xente! Quem? – Indaga o porteiro, estranhando os olhares dos dois rapazes.

– Você acabou de dizer esse nome. – Explica Renato. – E porque nunca nos disse que perdeu o sotaque?

– Vocês são tantãs? – Assombra-se Severino, sem entender nada do que falam. – Renato, o sinhô foi lá embaixo me procurando desesperado porque deu a entender que o capeta tava aqui, e quando cheguei desmaiei e acordei aqui... Suncês tão usando droga? Desculpa pelo desmaio, mas tenho que trabalhar... Não tem nada aqui, só essa televisão ligada sem som.


Severino se levantou e foi embora do apartamento, julgando que os dois rapazes estivessem bêbados ou algo do tipo. Renato e Fernando se encararam silenciosos por alguns segundos, até Renato propor a Fernando que procurassem a ajuda de alguma pessoa entendida nesses troços. Fernando concordou e foi até o quarto se vestir, pois somente naquele momento notara que recebera o porteiro de cuecas. Renato teve então uma idéia e colocou sobre a mesa um caderno e uma caneta azul. Fernando voltou e encontrou Renato sentado na mesa, sério, que apontou para o material sobre a mesa. “Fernando, senta aqui e escreve...”, disse Renato, dando uma ordem que Fernando subitamente sentiu-se compelido a cumprir. Fernando sentou, pegou o papel a caneta e começou a escrever aleatoriamente. De repente sua mão foi tomada por alguma força estranha e ele virou a página do caderno e escreveu três grupos numéricos separados por traços. Ambos não compreenderam absolutamente nada do que estava escrito, exceto a continuidade do prazo. Renato já está completamente certo que Fernando enlouquecera por causa da falta de oxigênio, e que essa insanidade começava a afetá-lo. Por outro lado, sentia-se compelido a continuar, pois no seu íntimo algo lhe dizia que toda aquele loucura tinha muito mais sanidade do que Renato julgava.


Simpático, muito simpático...


– Fernando, estou ficando cansado disso, o estimulei até agora, mas já está chegando ao limite... – Sentenciou Renato.

– E o que quer que eu faça? – Perguntou Fernando, arrancando a folha do caderno e a jogando no lixo.

– Pra começar, volte ao normal, você está ficando uma bicha louca! – Bradou Renato, levantando-se da mesa e indo até a janela da sala. – Essa sua crise pós-milagre está me enlouquecendo também... Se continuar assim eu irei embora.

– Faça como quiser. – Respondeu Fernando, estranhando até mesmo sua reação. – Também estou de saco cheio disso tudo, você acha que eu realmente estou fazendo tudo isso de brincadeira? Vai tomar no cu, ache o que quiser... To me fudendo pro que você pensa ou deixa de pensar, só quero resolver essa porra.


Fernando se levantou mais nervoso ainda que Renato e saiu do apartamento completamente descontrolado. Dentro de si era inconcebível que Renato não estivesse do seu lado, ainda mais que algo no prazo dado pelo “risco” lhe parecia extremamente preocupante. Ele sentia-se a cada minuto que passava mais e mais compelido a procurar por alguma resposta a essas duas cartas misteriosas e, principalmente, em saber quem seria esse tal de Jonas de quem toda hora ouvia ou dizia sobre, e que cada vez que pronunciava o nome, sentia-me mais íntimo desse troço.

Enquanto caminhava não se dera conta que estava se aproximando da Praça Serzedelo Correia, conhecida entre seus habitantes como a “Praça dos Paraíbas”. Já com menos raiva, mas ainda assim chateado com Renato, Fernando entrou na Igreja Nossa Senhora de Copacabana, procurando sentar para procurar nos céus um pouco de paz que não estava sentindo há muito tempo. Fernando sentou-se na penúltima fileira dos bancos da igreja, na ponta esquerda. Reparou que ainda estava todo sujo da poeira que a explosão do Mac Donald’s levantara horas antes, e bateu um pouco nas roupas para tirar o excesso e deixar de parecer ser um mendigo.

Lembrou-se então de quando tinha dezoito anos e contou a seus pais sobre sua opção sexual. Cada uma das palavras duras de seu pai doeram na mente de Fernando, quando este lamentava profundamente por nunca ter sido pai novamente e que jamais poderia ser avô. Fernando tentou argumentar, mas seu pai foi completamente avesso a escutá-lo e sua única atitude foi colocar quarenta mil reais na mão de Fernando e tocá-lo para fora de casa. Sua mãe foi absolutamente contra, mas nada pôde fazer contra a vontade de ferro dele. A Fernando somente restou sobreviver montando uma pequena loja de artigos esportivos, da qual até hoje tira seu sustento. Fernando conhecera Renato durante um evento de donos de lojas esportivas, e se tornaram amigos. Demorou seis meses para Fernando e Renato revelarem um ao outro o que sentiam um pelo outro, e para então alugarem juntos o apartamento da Siqueira Campos e lá viveram pelos últimos quatro anos.

De repente, um senhor de aparentemente setenta anos vestindo um terno branco, sentou-se ao lado esquerdo de Fernando. Ele ajoelhou-se para rezar um pouco, sem nenhuma dificuldade e ali permaneceu em silêncio. Fernando apesar de ter percebido a súbita aproximação do senhor, não deu muita importância e continuou envolto em seus pensamentos. O velho passado cinco minutos, levantou-se e sentou ao lado de Fernando, próximo o suficiente para que Fernando sentisse um frio na espinha ao olhá-lo com o canto do olho.

– Ainda não entendo o que Adalberto viu em você... – Balbuciou o velho, exalando um bafo estranho, que lembrava pano velho mofado.

– Quem? – A menção desse nome causou uma estranheza em Fernando e uma tristeza profunda.

– Adalberto, não finja que não se lembra dele, ele foi dissipado por sua causa. – Continuou o velho, sem se alterar. Nesse momento Fernando se virou completamente para o senhor e levou um susto, o velho não tinha olhos, apenas suas órbitas vazias de onde saíam vermes que percorriam seu corpo.

– O que é você? – Espantou-se Fernando, dando um salto do banco.


Fernando não obteve resposta, o velho simplesmente se dissipou como poeira e desapareceu. Muitas pessoas, entre turistas e fiéis, olhavam assustados para o jovem negro que do nada saltara do banco e berrara com o vazio. Um segurança, ou algo do tipo, se aproximou de Fernando e solicitou-o que saísse do recinto, por estar atrapalhando. Fernando pediu desculpas e saiu da igreja o mais rápido que podia. Estava tão assustado quanto envergonhado, não bastavam as coisas estranhas em sua casa, agora via e conversava com coisas. “Tenho que dar razão a Renato, estou louco...”, indagava enquanto voltava para casa. Ao entrar Fernando sentiu-se só. Não por nenhum motivo bizarro, mas somente porque Renato não estava mais lá e em cima da mesa da sala repousava um bilhete escrito no mesmo caderno que causara toda a discussão. Fernando leu o bilhete duas vezes, sentou-se no sofá e chorou. Muito.


Despedida.


A noite chegou rápido naquele dia. O cheiro do sucesso só não era maior que o forte odor de sexo daquele quarto amplo no Leblon. O corpo quente de Regina ainda repousava completamente nua debaixo dos edredons, suspirando de prazer. Albano estava de pé, na janela, limpando uma de suas Magnum 608 enquanto admirava sua amante repousar serena.Havia algo de errado naquele dia, em algum momento durante o massacre que promovera naquele restaurante. Albano podia sentir que Tirolez cometera algum erro, e tinha a certeza que confiara demais em suas armas. “Nunca saia de um lugar sem antes ter certeza que todos morreram”, pensava enquanto lentamente Regina voltava a consciência e se espreguiçava com um sorriso completamente erótico nos lábios.

– Vamos continuar a comemoração... – Disse Regina, levantando-se da cama e deixando o edredom cair no chão, exibindo seus fartos seios e seu quadril perfeito.

Revelações de Jonas, Conspiração: Sétima Etapa do Plano

Revelações de Jonas: Conspiração
Sétima Etapa do Plano
Xeque-Mate


Albano era um perfeito assassino, disso todos na Organização sabiam, mas ele possuía uma mácula em seu passado, ele sempre se lembrava de suas falhas antes de qualquer missão...


...Era por volta de março de 2002, Albano estava há alguns meses sem realizar tarefas para a alta cúpula. A maior parte do tempo livre dedicou-se a permanecer isolado em sua nova residência, no Leblon. Para não levantar suspeitas a respeito de como havia ganho dinheiro rápido, a Organização providenciou junto a seus membros em Brasília que Albano fosse cadastrado como ganhador de alguma loteria federal de menos impacto na mídia. O prêmio cadastrado seria de pelo menos vinte milhões de reais e com essa premiação a mudança súbita de Albano passou desapercebida pela sociedade em geral, principalmente entre os que costumam ver tomada em focinho de porco.

Como todo funcionário de alto escalão, Albano tinha a sua disposição uma série de subalternos que providenciavam a ele praticamente tudo que pedisse. Uma das coisas que esses subalternos providenciaram foi uma frota de dez Chevettes Modelo 85, negros, e com placas clonadas. Este seria o modelo de carro oficial em todos os serviços de Albano. Sempre que precisasse teria um desses carros a sua disposição. Isso era possível porque todos os veículos ficavam espalhados em 10 pontos aleatórios da cidade do Rio de Janeiro. Além do que ficava obviamente com ele, em seu prédio, os demais ficavam estacionados nos seguintes bairros: Bairro de Fátima, Méier, Barra da Tijuca, Sulacap, Tijuca, São Cristovão, Ilha do Fundão e Campo Grande. A medida que um carro se depreciava, sempre estavam reformando algum outro para manter a quantidade de carros constantes.

O carro obviamente não era um modelo original, seu recheio era bem mais potente que muitos carros esporte da época. Pra começar ele era equipado com rodas de liga leve desenhadas de forma a se parecerem com rodas comuns. Seu motor lata-velha há muito tempo fora substituído por um autêntico modelo V8 com 300cv de potência, e todos os opcionais que essa potência precisava, como nitro e turbo, com painéis exclusivos, botões de ativação dos sistemas nestes painéis. O carro simplesmente ia de 0km a 100km em 6 segundos. Para dar maior liberdade a Albano em perseguições, o carro tinha a dois modelos de câmbio, o tradicional com embreagem e uma versão automática para quando precisasse de uma mão livre para atirar. Um sistema de GPS experimental também foi instalado no veículo, com tela de LCD 10 polegadas escondida no corta luz, onde ele também poderia receber mensagens em áudio ou em vídeo da Organização através de tecnologia GSM.

Outra maravilha tecnológica era o sistema de ocultamento do veículo, para utilizar em perseguições policiais. Para começar, a numeração da placa era clonada, o que seria completamente comum, mas o carro tinha um sistema de troca de placas, onde em caso de necessidade bastava apertar um botão do volante para uma nova placa de identificação se colocar em frente da placa original, disfarçando o veículo. Associado a isso o carro era pintado utilizando um pigmento especial que reagia a luz do sol, isso quer dizer: se fosse dia, o carro ficava preto que nem carvão, mas se anoitecesse ou entrasse em uma garagem, essa tonalidade se alterava para azul escuro em questão de segundos, bastando apenas esfriar o carro com um pouco d'água.

Para evitar problemas com a polícia, os vidros do carro não haviam sofrido alteração nenhuma em relação a visibilidade, apenas seriam a prova de bala, como todo a carroceria. Por sinal, visualmente o carro não tinha nenhum detalhe que chamasse a atenção sobre seu recheio ser legalizado ou não, só por isso já passando direto de diversas blitz. E mesmo se fosse parado, o porta-luvas continha uma identificação de Juiz Federal que sempre funcionava, tamanha a perfeição da falsificação e o poder de convencimento que uma carteirada exigia. E caso esbarrasse em uma falsa blitz e o carro fosse roubado, o carro explodia em cinco minutos destruindo uma área de cinqüenta metros. Acontecia por causa de duas substâncias aparentemente inofensivas que eram colocadas no banco do motorista e caso alguém se sentasse sem se identificar no monitor de cristal líquido em cinco minutos, o sistema misturava as duas substâncias resultando em um material altamente explosivo e inflamável, que explodia rapidamente.

O porta-malas do carro tinha um cilindro de kit-gás completamente oco e adaptado como se fosse uma maleta com quatro níveis internos. No primeiro nível ficavam duas pistolas holandesas FN Five-Seven, duas Magnum 608, ambas carregadas, silenciadores, e duas caixas de cartuchos para a Magnum 608. No segundo nível tinham duas submetralhadoras holandesas FN P90, e a munição da pistola e da arma em 4 carregadores avulsos para cada, além de quatro caixas de cartucho da munição da submetralhadora e da pistola, que usavam o mesmo tipo de munição. No terceiro nível do cilindro, ficava um kit para manutenção e desentupimento de armas, e um espaço onde eventualmente guardava algum fuzil sniper aleatório desmontado. No quarto nível tinha espaço livre para muitas granadas, onde ele sempre carregava pelo menos duas de fumaça, duas de gás lacrimogêneo e duas explosivas tradicionais, mas cabiam pelo menos 15 granadas naquele compartimento. Em suma, Albano sentia-se um agente secreto quando dirigia aquele carro, e ao mesmo tempo, um dos criminosos solitários mais bem armados da cidade.



Mesmo completamente equipado, sempre andava desconfiado e não sentia-se perfeito. Sabia que um dia as coisas dariam errado, mesmo sem saber quando. Ele tinha uma rede de observadores que sempre chegavam primeiro nos locais dos serviços, para checar se tudo estava de acordo com o planejado e, principalmente, para minimizar o número de vítimas, pois toda testemunha seria morta pela Organização. As ordens de Regina eram claras que nem água e deveriam sempre ser cumpridas. E naquele dia de março de 2002, as coisas deveriam ser como sempre, deveriam ter sido ao menos.



Ele tinha que matar três jovens que estavam em um prédio no bairro do Flamengo, próximo ao Largo do Machado. Eram dois garotos acima do peso, de cabelo compridos e aparência de roqueiros, mas um loiro e o outro com cabelos negros. O loiro tinha uma aparência imbecil, na avaliação de Albano. O terceiro jovem tinha aparência mais rica e parecia usar roupas diferentes das dos outros rapazes. Seria um serviço simples, sem nenhum entrava, tanto que Albano optou por confiá-lo a um ladrão de rua que ganharia cinqüenta reais e duas trouxas de maconha pelo serviço. O horário provável de saída deles era desconhecido, mas bastavam ter paciência. Para preservar a Organização, os nomes dessas pessoas eram sempre suprimidos nos relatórios, sendo substituídos por simples fotos de corpo inteiro, tiradas em segredo. Albano nunca entendia esses serviços, pois aparentemente todas as pessoas que matara pela Organização eram pessoas até certo ponto comuns, desconhecidas da mídia em geral.



De qualquer forma, a missão foi um fracasso total. Por algum motivo alheio a vontade de Albano, quando seu contratado abordou os jovens a caminho do Largo do Machado, um deles, o de aparência mais imbecil segundo a visão de Albano, reagiu a investida do ladrão. Assim que o ladrão os abordou mandando-os encostar, o jovem citado acima agarrou o meliante pelos braços e disse "Encosta aí é o caralho!", em seguida os dois se atracaram e caíram ambos no chão. Depois disso outro dos jovens gritou que nem uma mulher a respeito da arma e os três conseguiram fugir pelas ruas até chegar a um lugar com muitas testemunhas de onde o ladrão não poderia mais persegui-los. Esse bandido foi morto minutos depois por Albano, em virtude de sua incompetência. Albano os seguiu pela cidade do Rio de Janeiro até eles chegarem a Rua Ceará, na Praça da Bandeira. Como o local era freqüentado por muitos policiais dentre as mais diversas classes, Albano abortou a missão e a deu como falha.



Apesar de seu fracasso, Albano recebeu mais uma chance de exterminar dois desses alvos, a dupla de gordos roqueiros. Era agora junho de 2002, seria algo simples, os dois estavam indo de Metrô da Estação Carioca até a Estação Maria da Graça. De lá eles iriam de ônibus até o bairro do Méier, e bastava apenas interceptar o ônibus e matá-los para executar tudo de acordo com o figurino. Para realizar o serviço, Albano contratou experientes traficantes da Favela do Jacarezinho e para garantir que nada daria errado ele mesmo estaria com uma arma apontada para eles, para que no momento em que o ônibus parasse ele desse o tiro.



Tudo saiu como esperado, aliás, quase tudo. Os traficantes interceptaram o ônibus no bairro do Cachambi, próximo a um supermercado e se preparavam para invadir o ônibus simulando um assalto, mas uma quadrilha rival apareceu no mesmo instante e ambas começaram a guerrear entre si. "Merda, agora isso", pensou Albano no meio do fogo cruzado, apontando sua arma para a cabeça do alvo de cabelos negros, que estava na janela do ônibus observando tudo curioso. Subitamente, no exato milésimo de segundo antes da bala sair do cano da arma, o gordo imbecil puxou o seu amigo para o chão do ônibus e a bala passou direto pela janela do ônibus, acertando apenas um prédio do outro lado do veículo e sem danificar nenhuma janela. Quando Albano recarregou sua arma para um novo disparo o ônibus já tinha partido e seria difícil conseguir algo dali em diante. Mais um fracasso para o currículo de Albano.



Ainda assim a Organização não desistia de matá-los, e além desses dois alvos acrescentou um novo alvo. Era um rapaz de pele morena, magro e que sempre andava de jaleco de ônibus em ônibus. Pela aparência dele devia ser algum universitário. Albano mataria os três em um engarrafamento na Av. Presidente Vargas, durante um enorme engarrafamento causado por uma forte chuva. Os três jovens corriam pela calçada da Av. Presidente Vargas na altura do prédio dos Correios, e Albano os aguardava ansioso do alto de um prédio próximo ao sambódromo. Albano usaria um rifle de alta precisão com mira telescópica e a lazer, dificilmente erraria, pois era sua especialidade de atentado.



Errou. Quando apertou o gatilho apontando para o rapaz moreno, acertou exatamente no lugar onde sua cabeça acabara de sair por causa de uma poça d'água, o tiro foi certeiro e deixou uma bela marca numa parede atrás dele. Quando foi tentar dar um novo tiro, um pombo teve maior mira e defecou exatamente na mira da arma, a inutilizando por tempo o suficiente para que Albano perdesse os alvos. "Alguém está de palhaçada... mas dessa vez não vou perder os alvos", pensava Albano enquanto corria pelas escadas do prédio onde estava e ia até seu carro. Perdeu os alvos, pois assim que saiu do prédio o engarrafamento acabara e por falta de novas instruções (Albano as esquecera de dar, por causa da limpeza da arma) seus agentes mantiveram-se nos mesmos postos.



Tirolez abandonou sua arma no carro e correu pela Avenida Presidente Vargas em busca de seus alvos, acabou encontrando apenas um deles, o estudante moreno, indo em direção a Rua da Carioca. Albano o seguiu a uma distância segura, e o viu pegar o ônibus 217 no ponto final, sem pagar. Tirolez conseguiu chegar a tempo de entrar no ônibus e sentar duas poltronas atrás de seu alvo. O ônibus seguiu viagem pelo Rio de Janeiro até a Tijuca sem problemas, pelo menos para Albano, mas quando estava na parada de ônibus da Praça Saens Pena praticamente engatando a primeira marcha, o jovem moreno levantou-se num pulo do lugar onde estava sentado e saiu correndo pela porta. "Merda! Dormi demais... Paraí!", berrou o jovem moreno saindo apressado do ônibus. Albano inutilmente tentou acompanhá-lo, pois o motorista fechou a porta com raiva e correu bruscamente com o ônibus. Cansado de sua sutileza, sacou uma pistola na frente de todos e apontou para o jovem, que corria apressado até o metrô.



As pessoas do ônibus se apavoraram e se jogaram no chão. Com o susto, o motorista deu uma freada brusca que por muito pouco não jogou Albano no chão, mas foi suficiente para tirar a mira do rapaz e fazê-lo atingir o teto da lotação. Tirolez praguejou e só não descarregou sua arma na cabeça do motorista porque um passageiro mais corajoso lhe chutou a arma da mão enquanto levantava. Ainda assim tinha sua outra arma, e quando ia sacá-la, seu telefone celular começou a tocar. Irritado com tudo aquilo, Tirolez chutou a porta do ônibus e correu pelas ruas em disparada, até sentir-se seguro. Enquanto isso, atendia o celular:

– O que foi? – Perguntou Tirolez, correndo pela Rua Conde de Bonfim em direção a esquina com a Rua General Roca no sentido Shopping Tijuca.

– Tirolez, nós precisamos de você na sede com urgência. – Disse uma voz conhecida de Albano.

– Regina? Onde está a secretária? – Falou Albano, com espanto, Regina era altiva demais para não utilizar secretárias em ligações, mesmo que fossem para ele.

– Isso não vem ao caso, estamos com problemas. – Disse Regina.

– Que coincidência... – Afirmou Albano, enquanto desviava de alguns velhinhos e começava a atravessar a Rua Santo Afonso com o sinal aberto, em suma, desviando de carros. – E ainda estou tendo que correr com o telefone na mão.

– Resolva isso e venha para cá imediatamente, é uma ordem.

– Sim, senhora.



A ligação caiu, provavelmente cortada por falta de instruções, e o uso de tal palavra, "ordem.", exercia um efeito hipnótico absurdo em Tirolez. "Uma ordem é uma ordem e um soldado deverá cumprir até a morte", esse era seu modo de ver as relações entre um superior e seus comandados. Muitas vezes Albano se sentia fora do seu tempo, desejando muito ter nascido na época das relações de vassalagem da Idade Média, sentir-se-ia menos de outro mundo. Até mesmo o shogunato japonês lhe seria mais apropriado que viver nessa época contemporânea e demagoga. Com o comando em mente, Albano ganhou um novo ímpeto para correr, obedecer, e com isso em trinta segundos estava dentro de um novo ônibus, um 422, e com ele avançou rapidamente para o endereço da sede da Organização...






...O alarme de seu relógio de pulso soou, trazendo Albano de volta ao presente. Ele tinha uma missão a cumprir, e seu objetivo era maior que qualquer lembrança que pudesse por ventura possuir, mesmo que isso abalasse sua confiança de algum modo, mas no fundo enquanto ele fosse Tirolez, isso não incomodava. Por sinal, existia um segredo em Albano que poucos membros da Organização sabiam, Tirolez não era apenas um apelido banal inventado por seus companheiros, faziam quatro anos que Tirolez era também a máscara de Albano. Ele literalmente tinha um gatilho mental que desativava o "Albano" e ativava a personalidade de "Tirolez", eliminando qualquer resquício de receio dentro de si. E naquele momento não convinha lembra disso, não tinha tempo.

A missão era simples, Regina havia lhe passado a foto de um vereador do município de Angra dos Reis. Ao que foi passado a ele, o vereador tinha vindo discutir com alguns políticos da capital soluções para o sucateamento das usinas Nucleares de Angra I e II. Os fatos exatos sobre o ministro não vieram no material, mas Tirolez não precisava de nenhum motivo, apenas precisava de uma ordem, uma arma e uma localização. Pensar era serviço de seus superiores, seu cérebro estaria dedicado a apenas executar a missão.

Segundo as transmissões dos rádios dos seguranças do vereador e informações obtidas no hotel onde ele estava hospedado, o alvo estaria por volta das quinze horas tomando sorvete em uma sorveteria italiana localizada na orla. Estariam com o vereador sua família e poucos seguranças, dado que o espaço era pequeno para comportar todos e por ser quebra de protocolo, o ambiente estaria aberto a outros clientes. Existia somente um fato que complicava tudo, a sorveteria ficava localizada próxima a uma boate freqüentada por muitos turistas e prostitutas, e um hotel famoso e com muitos seguranças espalhados. Se Tirolez queria executar esse serviço com o mínimo de risco, teria que criar alternativas.

– Senhor, tenho uma idéia... – Disse um dos agentes presentes, pelo rádio.

– Diga, já são meio-dia e ele chega as três... – Respondeu Tirolez.

– Não poderíamos, quem sabe, fechar a sorveteria e obrigar ele a ir para outro lugar? – Continuou o Agente.

– E que garantias temos que ele não iria simplesmente embora?

– O filho dele tem oito anos, provavelmente vai exigir ir a algum lugar...

– Verdade... Crianças tem esse problema, ainda mais essas ricas. – Falou Tirolez. – Como fechamos a sorveteria?

– Cortando a luz, sem luz, sem sorvete... Vai descongelar, então terão que fechar.

– Façam isso. – Ordenou Tirolez.



Alguns minutos e algumas ligações um técnico da operadora de Luz Elétrica chegou acompanhado de um supervisor, eles entraram na sorveteria e após muita discussão com o gerente do local, conseguiram cortar a luz do local. Com isso, precisamente as treze horas o local estava fechado exatamente o que Tirolez queria. Agora era apenas esperar e ver para onde esse vereador iria e torcer para o plano do agente der certo, caso contrário Tirolez o mataria pela idéia...









Fernando e Renato acordaram cedo naquele dia. Desde o dia 14 de maio não tivera outro surto parecido, e completavam uma semana nessa absoluta paz. Por falta de credulidade, na mesma manhã em que Renato e Fernando leram a carta, decidiram jogar ela fora e seguir a vida de cada um. Estavam felizes e um milagre os mantinham juntos, nada mais tinham a temer exceto eles mesmos e talvez algum homofóbico maluco que decidisse lhes fazer mal. Estavam no dia 21 de maio de 2006, uma bela manhã de sol começara.

Eles estavam a poucas horas de dar fim a esses dias de horror indo ao consultório do doutor Eduardo para ele dar a alta definitiva em Fernando. A consulta estava marcada para as treze horas. Eles iriam ao consultório do doutor Eduardo porque apesar dele trabalhar no Hospital Copa D'or, não tinha condições de dar um atendimento dedicado 100% a Fernando, pois emergências surgiam sempre em seus plantões. O consultório ficava na Av. Nossa Senhora de Copacabana, na altura da Rua Miguel Lemos, em uma edifício comercial com uma galeria. Seu consultório ficava no sétimo andar desse prédio e ficava voltado para os fundos.

Renato e Fernando chegaram ao consultório pontualmente meia hora antes do início da consulta. Era uma sala comercial simples, com um ambiente onde ficava a recepção, com uma secretária linda, loira dos olhos azuis e com corpo perfeito, que para espanto de Fernando, o atraíra. E ele não sentia isso por mulheres. Nessa recepção tinham duas portas, uma ficava logo em frente a porta de entrada, com uma placa a identificando como sendo o consultório propriamente dito. Na parede a direita da entrada, ficava a porta do banheiro e colado a porta tinha um filtro daqueles que usam galão d'água. Na parede da direita e em parte da parede da porta de entrada tinham bancos de espera simples, com encosto, e com o estofado um pouco gasto, mas sem nenhum rasgo aparente.

A secretária ficava em uma pequena mesa colada a porta do consultório utilizando um computador que parecia ter sido retirado de algum museu de informática, de tão amarelado que estava. Ao lado da mesa tinha uma mesinha com muitas revistas espalhadas, todas elas aparentando ser de 2005. As paredes da recepção eram pintadas em um tom de verde pálido, e o teto completamente branco, com um ventilador sempre girando, apesar de existir um ar-condicionado de parede ao lado.

Além deles apenas havia um senhor sentado na ponta dos bancos de espera próximo da porta do consultório. Ele lia um jornal de forma tal que mal se via seu rosto, mas notava-se que provavelmente também era médico por suas roupas impecavelmente brancas. O casal sentou nos bancos pegados a porta. Enquanto esperavam, o homem que lia jornal virou uma página deste, permitindo aos recém chegados verem nitidamente seu rosto.

Fernando reconheceu presente na sala de espera o médico que realizara seu exame de ressonância na semana passada. Não se lembrava exatamente do nome dele, mas sabia que era relacionado a alguma coisa feliz. Sem graça por vê-lo, e sentindo uma ponta de preocupação, Fernando evitou encará-lo e preferiu ler alguma revista para evitar que Renato percebesse algo e fizesse perguntas descabidas. Quando faltavam quinze minutos para o atendimento de Fernando, um paciente saiu do consultório e em seguida esse médico entrou, solicitado pela secretária. Cinco minutos depois doutor Eduardo chamou Fernando, que se levantou de imediato e caminhou preocupado. Renato o acompanhou, autorizado pela secretária.

O consultório do doutor Eduardo consistia em uma sala ampla, com uma imensa janela ao lado oposto da porta, ocupando praticamente todo esse lado, mas sem mostrar nada além de uma persiana que deixaria o ambiente escuro, não fossem um trio de lâmpadas frias no teto. Na parede a esquerda da porta de entrada ficavam os arquivos antigos, em papel, do doutor, ocupando toda a parede até a janela. Em cima desses arquivos tinham os mais diversos livros médicos, todos em um estado de conservação admirável. Na parede da direita tinha uma estante com uma televisão 20 polegadas com vídeo embutido e um aparelho de DVD, e colada a essa estante um mural de luz branca, provavelmente usado para mostrar radiografias e exames do tipo. A mesa do doutor Eduardo ficava exatamente em frente a essa janela, e tinha para os clientes pelo menos mais cinco cadeiras além da dele, todas elas cadeiras com rodas.

Doutor Eduardo estava sentado em sua cadeira com um semblante desconfiado, enquanto mexia no controle remoto da televisão. Numa das cadeiras para pacientes, a no extrema esquerda, estava sentado o outro médico, e ambos fitaram Fernando ao entrar. Fernando sentiu um arrepio profundo na espinha e sentou-se na extremidade oposta ao outro médico, incomodado com o olhar dos dois doutores. Para aliviar sua tensão, Renato o seguira e se sentou ao lado de Fernando, ajudando de certa forma a dispersar o olhar dos dois doutores.

– Bem, Fernando, espero que se lembre do doutor Felix, foi ele quem realizou seus exames na semana passada.

– Ah, sim, lembro dele com certeza. – Mentiu Fernando, sendo educado, pois do doutor só lembrava do rosto. – Como vai o senhor?

– Bem, e você? – Perguntou doutor Felix. – Sentiu alguma coisa estranha nesses dias que passaram?

– Não, nada de estranho aconteceu... – Mentiu Fernando, sentindo-se compelido a mentir, como se obrigado... Desconfiava das perguntas desse médico.

– Como não Fê? – Interrompeu Renato. – E o que aconteceu no dia...

– Foi apenas um pesadelo, já conversamos sobre isso. – Interferiu Fernando, ríspido, querendo que Renato calasse a boca.

– Pesadelo? – Perguntou doutor Eduardo, interessado.

– Nada demais, sonhei apenas que o Renato me dava um susto. – Respondeu Fernando cutucando Renato discretamente quando ele fez menção de abrir a boca.



Os dois médicos se encararam e silenciaram, optando não se envolverem na discussão dos dois. A seguir, doutor Eduardo conseguiu finalmente ligar o aparelho de DVD e sua televisão, exibindo um vídeo dos exames de Fernando. Eram dois arquivos de vídeo diferentes, mostrando o cérebro de Fernando de diversos ângulos, um dos arquivos era datado de 12 de maio, o dia em que despertara, e o outro do dia 11 de maio, quando supostamente foi constatada morte cerebral. Fernando e Renato não conseguiram ver grandes diferenças entre um vídeo e outro. A exibição durou pouco mais de quinze minutos, tensos para Fernando por causa dos olhares dos médicos. Quando doutor Eduardo desligou a televisão, o doutor Felix tirou de um grande envelope pardo algumas chapas negras dos exames e as pendurou no mural de luz branca.

- Fernando, como pudemos ver no vídeo, o senhor não apresentou nenhuma diferença evidente que pudesse fazer alguma diferença. – Falou doutor Felix, apontando para as chapas em tons de cinza.

- Entendo. – Respondeu Fernando.

- Também pude ver que não tem nenhum coágulo ou qualquer tipo de problema aparente em sua constituição cerebral, o que de todo é muito bom... – Continuou o doutor Felix.

- Mas...?- Indagou Fernando.

- Bem, quando analisamos o espectro de atividade cerebral, constamos algumas coisas estranhas, como vê pelas cores das demais chapas...

- Estranhas como? – Perguntou Renato, não entendendo.

- Bem, a primeira chapa, tirada no dia 11 de maio, mostra que o cérebro está sem nenhuma atividade, como indica a coloração azulada. – O doutro Felix pega uma vareta e aponta para a chapa do dia 11 de maio. – Temos aí a diagnose de morte cerebral, e o EEG mostrou isso também, se quiserem desenrolo o exame, mas não vejo necessidade técnica. Essa chapa e a seguinte representam graficamente de forma resumida os dados obtidos pelo EEG... Bem, a coloração azulada indica as áreas do conjunto cerebral inativas, e a coloração avermelhada mostra as áreas ativas.

- Estou vendo que parece que os exames foram invertidos... Você por acaso trocou as cores? – Perguntou Fernando, preocupado.

- Não, e se observar bem de perto, verá que a coloração do segundo exame, na parte vermelha, é mais forte ainda, como se seu cérebro estivesse hiperativo ou usando uma capacidade maior do que a conhecida, em compensação a outra área está quase sem atividade. Uma coisa que devem ter aprendido no colégio, é que o cérebro é dividido em duas áreas, uma é responsável pela atividade voluntária do cérebro, e a outra pelos movimentos involuntários, e o que vi nesses exames foi uma inversão, você antes só tinha atividades na área involuntária do cérebro, e no dia que fiz o exame isso se inverteu, deixando-o praticamente com a área involuntária desligada, ou funcionando mal.






Exame 1: Morte Cerebral

Exame 2: Vivo

Exame de Atividade Cerebral 1: Morte Cerebral

Exame de Atividade Cerebral 2: Indefinido.


– Isso quer dizer que vou morrer? – Perguntou Fernando, preocupado, observando as chapas agora de perto.

– Se você fosse morrer, teria morrido antes. – Respondeu o doutor Eduardo. – O que acontece é que você é pelo menos o décimo caso do doutor Felix que apresenta essa anomalia da atividade cerebral depois de um trauma severo como o seu.

– Décimo caso, meu, diga-se de passagem... – Falou o outro médico. – Existem pelo menos mais de seiscentos casos iguais aos seus pelo mundo desde que passamos a registrá-los e catalogá-los... Sem contar os lugares em que a OMS não atua. São exames muito parecidos e em circunstâncias mais parecidas ainda, e pelo que sabemos era para você estar morto. Mas está aqui falando, caminhando e até mesmo se sentindo incomodado com nossos olhares preocupados.

– Perceberam... – Indagou Fernando.

– Fernando, temos anos de experiência em dar más ou boas notícias as pessoas, com o tempo passamos a identificar as reações e os olhares das pessoas. – Explicou o doutor Eduardo.



Depois disso, os dois médicos realizaram vários exames em Fernando e nada de estranho encontraram. Todos esses procedimentos duraram pelo menos mais uma hora, e quando eram por volta de duas e meia da tarde, Fernando e Renato estavam na rua. "Estou faminto, vamos comer alguma coisa...", perguntou Renato, enquanto passavam em frente ao Mc Donald's perto da Rua Xavier da Silveira na altura do número 960 da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Mesmo chocado com as informações e com toda a preocupação, Fernando aceitou a sugestão de Renato e os dois entraram no restaurante de fast-food. Rapidamente foram servidos para eles duas promoções e eles se sentaram nas cadeiras no fundo da loja para conversar. Renato fez questão de conversar assuntos fúteis, que ajudassem Fernando a superar essa carga emocional toda. E passaram ali momentos extremamente agradáveis.



...Os relógios de todos os agentes da Organização estavam sincronizados, e todos os relógios marcaram exatamente 14:45 quando o vereador e sua comitiva estacionaram em frente da sorveteria fechada. Era uma comitiva formada por três Santana pretos, sendo que os dois carros das pontas das comitivas eram ocupados somente por seguranças do vereador. A polícia militar deu apoio fornecendo dois policiais de moto, que acompanhavam o carro do vereador pelos lados. "Amadores...", pensou Tirolez, enquanto esperava alguma movimentação da comitiva de dentro de seu chevette preto. Cinco minutos depois os seguranças desistiram de bater na porta da sorveteria, deserta a essa altura, e após passaram comandos pelo rádio, entraram novamente nos carros. Albano imediatamente pegou seu walkie-talkie de mão e rastreou a freqüência dos rádios dos seguranças e escutou que o filho do vereador reclamava muito e que por causa disso iriam para o Mc Donald's mais próximo. Tirolez comemorou por dentro a escolha que eles fizeram.

A comitiva se reagrupou e seguiu pela Av. Atlântica, entrando na Rua Djalma Ulrich e em seguida dobrando a direita na Av. Nossa Senhora de Copacabana, para estacionarem exatamente no Mc Donald's, número 967, que ficava entre as ruas Xavier da Silveira e Bolivar. Como naquele local era um ponto de ônibus movimentado, a comitiva foi forçada a se separar para evitar problemas com as pessoas e atrair a imprensa de alguma forma. Os seguranças, a família do vereador e o próprio saltaram dos carros e entraram no restaurante, enquanto os carros entraram na rua Bolivar e estacionaram, onde ficariam aguardando por novas ordens. Tirolez seguiu a rua Djalma Ulrich, cruzando a Av. Nossa Senhora de Copacabana, mas estacionando próximo o suficiente do local para em caso de necessidade chegar a seu carro e fugir em direção a Barra. Lembrou-se então que alguns quarteirões acima ficava uma delegacia de polícia que poderia causar problemas, portanto, antes de começar seu pequeno serviço, precisava conversar com sua equipe:

– Atenção, aqui é Tirolez, temos novas ordens! – Berrou Tirolez, em seu Walkie-Talkie. – Precisamos distrair toda a milícia das redondezas, portanto as ordens são para invadirem o morro do Cantagalo e iniciarem uma guerra de quadrilha em cinco minutos! Tiroteio dos grandes, de atrair a imprensa! Vocês tem autorização para usar as granadas...

– Senhor, se nós formos, quem executa o serviço? – Perguntou um dos agentes.

– Eu executo, oras. – Concluiu Tirolez, desligando o rádio.



Os soldados não gostaram das ordens, não por discordarem do método, mas por desejarem ver a matança que Albano realizaria. Era curioso para todos da Organização, principalmente entre os de escalão inferiores, que uma pessoa que não era um dos Iniciados exercer tal cargo de confiança, e o melhor, apresentar tamanha frieza em serviço e toda a lealdade que apresentava. Ainda mais de uma pessoa que falava apenas em missões, e para dar ordens, e muito pouco ou quase nada em momentos de descontração. Mas ordens eram ordens, e partiram em direção ao morro esperando apenas cumprirem tudo rapidamente para poderem voltar a tempo de assistir algo do serviço.

Tirolez saiu do carro e viu os carros de seus agentes seguirem a Djalma Ulrich em direção ao Cantagalo. Assobiando uma música do Black Sabbath, Tirolez começou lentamente a se preparar para o serviço. Foi até seu porta-malas e o abriu, tirando de dentro dele um sobretudo negro de couro, preparado especialmente para essas ocasiões. O sobretudo era reforçado com duas camadas de material a prova de balas, que apesar de reduzir um pouco a flexibilidade do material, permitia a Tirolez levar alguns tiros e continuar andando depois. Aproveitou também para prender o walkie-talkie na cintura e puxar um fio até a orelha direita, pra evitar que tivesse que pegá-lo caso tivesse alguma nova instrução. Conferiu do mesmo modo se a Injeção estava dentro do seu compartimento do sobretudo, a Injeção era a arma suprema da Organização, qual sua serventia Albano nem se importava em saber, mas tinha que portá-la sempre e usá-la sempre que solicitado. Tudo estava perfeito até aquele momento.

Em seguida Tirolez ativou o mecanismo de alavanca do carro que girava o falso cilindro de gás de forma que pudesse abrir sem muito esforço. A princípio checou as pistolas, atarraxou um silenciador em uma delas, e colocou as duas armas em bolsos internos do sobretudo adaptados para esse uso. Depois pegou as duas magnum e as prendeu na cintura, nas costas, de modo fácil de pegar depois. Recolheu uma das submetralhadoras e dois carregadores dela e um das pistolas. Os carregadores colocou em outros bolsos internos e a submetralhadora, por seu formato, conseguiu colocar presa no interior da manga esquerda de seu sobretudo, maceteada de forma tal a sair e começar a atirar com um simples balançar de mãos. Por medida de segurança, pegou três granadas, uma de fumaça e outra de gás, e a terceira explosiva das mais potentes, e para completar ainda se arma com uma faca de caça que coloca na outra manga do sobretudo. Tirolez não se sentia pesado porque o sobretudo era acolchoado de forma tal a minimizar a sensação de peso nos ombros. O treinamento constante de Tirolez se encarregaria de dar forças a suas pernas.

Quando se passaram quatro minutos Tirolez estava pronto para terminar seu trabalho do dia. Trancou o carro e o porta-malas ao mesmo tempo em que escutou o eco da primeira explosão de granada. Em seguida o eco dos tiros começou e Tirolez deixou escapar um sorriso, o momento chegara. Tirolez atravessou cautelosamente a Avenida nossa Senhora de Copacabana, e avançou em direção do Mc Donald’s. Viu quando as viaturas da delegacia próxima entraram apressadas pela Rua Djalma Ulrich em direção ao Cantagalo "Perfeito, isso me dá pelo menos cinco minutos.", calculou Tirolez, do modo mais cauteloso possível. Notou também que o tiroteio parecia estar tão violento que a Avenida Nossa Senhora de Copacabana estava deserta, mesmo os ecos sendo distantes a polícia deveria estar usando o início da avenida como base e a fechado, o que resultaria em menos testemunhas e conseqüentemente, em menos pessoas no IML.

Tirolez precisava antes de tudo neutralizar os motoristas dos veículos da comitiva, pra evitar que atraídos pelos tiros viessem praticar atitudes heróicas. Tirolez passou direto pelo Mc Donald's, apressado e sem olhar para ele, e dobrou a Rua Bolivar em busca dos motoristas. Para sua sorte estavam todos eles conversando apoiados no capô do primeiro carro. A animação era generalizada, pois o serviço era fácil demais e estavam sendo muito bem pagos. Um deles até dizia que ia se casar dois depois. Tirolez não deu a eles chance de reação, sacou sua pistola com dispositivo silencioso e deu três disparos certeiros na cabeça de cada um dos motoristas, que tombaram no chão inertes e tremendo. Tirolez, com a prática e a rapidez usual, jogou os três corpos dentro do carro, contando que o vidro enegrecido do carro evitasse surpresas envolvendo transeuntes. Sentiu apenas falta das motos policiais, e concluiu que provavelmente estariam naquele momento no Cantagalo, o que seria ruim se voltassem antes da hora. Mas Tirolez não podia esperar, e imediatamente tornou a caminhar de volta ao Mc Donald's.

Não demoraram mais que cinco segundos para Tirolez mapear a situação do Mc Donald's. Era um restaurante tradicional, onde no fundo dele ficavam os balcões de atendimento e a direita de quem entrava ficava a porta do banheiro e das dependências internas do restaurante. Naquele horário Tirolez calculou haverem pelo menos uns dez funcionários no máximo. Do fundo até a frente da loja ficavam diversas cadeiras e mesas, no grupamento padrão do Mc Donald's de uma mesa para cada quatro cadeiras. No exato momento em que entrou no restaurante além da comitiva do vereador, sua família e do próprio, tinham mais quatro mesas ocupadas. O mais próximo era uma espécie de reunião da terceira idade, formada por um quarteto de idosas. No meio da loja tinham duas mesas ocupadas por pelo menos um grupo adolescente misto, com quatro garotas e quatro garotos cada. No fundo, próximo ao banheiro, tinha um adolescente solitário, lendo revista enquanto saboreava seu sanduíche. O vereador e seus seguranças ocupavam três mesas do lado esquerdo da loja. Tirolez decide evitar maiores problemas e deixa cair na entrada do restaurante sua granada de fumaça, causando alvoroço na rua. "Incêndio! A tubulação de gás vai explodir!", ele berra, causando fuga em massa das pessoas do ponto de ônibus.

Dois seguranças, provavelmente mais experientes, percebem que há algo errado e sacam suas armas. "Abun D’bashmaya, Nitkadash Shmakh.", diz Tirolez, imediatamente sacando a metralhadora e despachando esses dois homens para o céu tão rápido que eles caem no chão ainda tirando as armas de seus paletós. Um terceiro abraça a mulher do vereador e corre protegendo-a indo em direção ao lado direito do restaurante. Um dos adolescentes, tomado por pânico, corre em direção a saída, mas Tirolez é mais experiente e o vê com perfeição. Sua mão direita larga a arma, saca a faca e com precisão a crava no meio da testa do jovem e a gira.

"Tete Malkutakh, Nihue Tzibyanakh.", diz Tirolez, vendo o jovem balbuciar suas últimas palavras, tremendo no chão com os olhos fora das órbitas em virtude da pressão causada pela faca. "Aykana D’bashmaya Aph B’ar’a.", continua falando enquanto com a mão que segura a metralhadora Tirolez mata o segurança que protegia a esposa do vereador e acerta a mulher em pontos não vitais, como pernas e braços. Os demais adolescentes tentam se esconder entre as mesas, mas são alguns são atingidos pelo fogo cruzado que começa entre os três seguranças restantes e Tirolez, que mascarado pela fumaça e pelos adolescentes apenas leva um tiro de raspão no ombro. Ele então larga a faca nos bolsos internos do sobretudo e em seguida saca a pistola sem o silenciador. Dá dois tiros no teto de isopor do restaurante, justamente em cima dos seguranças, que são surpreendidos pela queda do teto e desperdiçam diversos tiros. "Hab’lan Lakhma D’sunkanan Yaumana.", diz Tirolez, que não desperdiça seus tiros, e acerta uma rajada certeira nos três seguranças, que tombam mortos no chão.

Ele então vê os adolescentes se preparando para sair correndo e um a um os mata. "Uashbuk’lan Khau’bayn.", diz enquanto atinge uma menina de cabelos ruivos e aparência jovial e assustada, com um tiro certeiro na cabeça. A seguir acerta e mata outro rapaz, negro, com dois tiros no peito. "Aykana D’aph Kh’nan Shbakin L’khayabayn.", diz enquanto acerta o último adolescente com tiros nos joelhos e depois um tiro a queima roupa na cabeça. Agora restam das testemunhas somente os idosos, que para espanto de Tirolez aparentemente jazem mortos na mesa, provavelmente tiveram ataques cardíacos por causa do medo. Para ter certeza, Tirolez pega sua faca novamente, guardando a metralhadora, e esfaqueia a cabeça de um idoso de cada vez.

O sangue espirra no rosto de Tirolez e escorre por sua face, que apenas diz "Ula Ta'lan L’nis’yuna.", enquanto esfaqueia os idosos. O jovem que ainda está no fundo da sala, ajoelha e pede clemência, Tirolez sorri e ordena a ele que corra. Quando o rapaz está passando do lado de Tirolez, ele atravessa a barriga do garoto com sua faca. O rapaz cai girando no chão, gritando de dor. Tirolez é piedoso e estoura a cabeça dele com outro tiro. Percebendo que os funcionários do Mc Donald's se esconderam atrás da bancada, Tirolez saca a granada explosiva e a arremessa para dentro do restaurante. "Ila Patzan Min Bisha.", fala Tirolez, assistindo a explosão, que de tão forte faz com que pedaços dos funcionários voem pela loja, agora completamente destruída. Com o deslocamento de ar da explosão, o vereador, seu filho e sua esposa são jogados quase aos pés de Tirolez.

A criança chora copiosamente de dor, com uma marca de tiro na altura dos ombros, provavelmente alguma bala perdida de Tirolez a encontrara. A esposa do vereador parecia inconsciente, com braços e pernas perfurados sangrando muito. O vereador estava quase inteiro, apenas com alguns machucados e implorando pela vida de sua família. Tirolez então segura o fone de ouvido e escuta as ordens da Organização. Sem dizer uma palavra, e ignorando as súplicas do vereador, o assassino pega seu Magnum e o descarrega na criança. "Amen.", diz depois de disparar, ao mesmo tempo em que o vereador se debruça sobre o corpo de seu filho morto e chora. Tirolez então descarrega a outra magnum nas costas do vereador, que aparentemente morre ali mesmo. Depois disso saca a Injeção de seu sobretudo e a aplica na esposa do vereador, que treme muito por alguns segundos e de repente parece dormir.

O trabalho está feito. Toda a ação levou menos de dois minutos e Tirolez pôde ir embora tranqüilo, deixando Albano assumir o controle. Por via das dúvidas, antes lança a granada de gás lacrimogêneo e foge do que sobrou do Mc Donald's correndo. Apesar de escutar as sirenes dos bombeiros, Albano sabe que a polícia só chegará ao local precisamente cinco minutos depois de tudo, tempo suficiente para que ele esteja distante dali em algum lugar da Barra da Tijuca. Sua pressa em sumir é tão grande que ele entra no carro e desaparece sem nem mesmo conferir que ao mesmo tempo dois rapazes estão saindo cambaleantes, mas vivos, de dentro do Mc Donald's...

Revelações de Jonas, Conspiração: Sexta Etapa do Plano

Revelações de Jonas: Conspiração
Sexta Etapa do Plano
Pesadelo

Fernando e Renato eram puros abraços e beijos quando chegaram finalmente ao apartamento deles, na Rua Siqueira Campos, em Copacabana. Renato estava maravilhado pelo amor de sua vida ter conseguido se safar desse problema terrível. "Nunca mais comerá um camarão sequer, nem mesmo o cheiro dele.", prometia a Fernando, entre um beijo e outro. A euforia de ambos, principalmente de Renato, era tão grande que nem mesmo repararam nos olhares preconceituosos de seus vizinhos quando passaram pela portaria do prédio deles trocando carinhos. Em poucos minutos estavam no apartamento deles. Roupas, sapatos, lençóis emaranhados e travesseiros voaram pelo quarto durante as horas românticas que se seguiram. Passado todo o momento de amor, Renato se levantou e foi tomar uma ducha quente para tirar o suor e o cheiro ruim que isso resultaria. Já bastava o cheiro de sexo deles.

– Vem tomar banho comigo? – Convidou Renato, beijando Fernando na testa.

– Não, vou ficar relaxando na cama um pouco... Preciso me acostumar. – Respondeu Fernando, pensativo.

– Se acostumar com o que?

– Em ser um milagre... Era pra eu estar morto, e estou aqui, ao seu lado, e acabamos de transar como não transamos há tempos.

– E que mal há nisso?

– Não sei...

– Então fica pensando aí, que eu vou tomar banho... Estou te esperando.


Renato deu mais um beijo em Fernando e foi direto para o banheiro. Fernando continuou parado, pensando que tinha algo de errado, ele não se sentia ele mesmo. Até mesmo de seu amor por Renato duvidava, ainda assim não conseguia compreender o porque de toda essa dúvida. Havia algo estranho naquele ambiente todo, não se sentia ali, não conseguia compreender o que estava faltando. Sem obter respostas além de escutar Renato contando feliz no banheiro, Fernando se levantou da cama e foi pegar um copo de água na cozinha.

O apartamento dos dois era um local extremamente confortável para duas pessoas jovens. Graças as condições financeiras dos familiares de ambos, conseguiram juntar dinheiro pra alugar aquele apartamento. Um quarto, uma sala, um banheiro com banheira ampla e uma cozinha não muito pequena, mas longe de ser grande, no estilo americano. Jonas foi direto pra geladeira e serviu-se de água, então ele escutou o som de um trovão. "Renato! Vai chover!", berrou, sem resposta. Estranhamente o som do chuveiro cessara depois do trovão, tudo estava silencioso demais. Fernando deixou o copo sobre a bancada da cozinha e quando saiu daquele local todas as luzes da casa se apagaram. "Agora falta luz... Deve ser alguma peça do Renato.", pensou, mas se deu conta que a caixa de força ficava na cozinha, logo, Renato dessa vez não tinha culpa.

Continuou caminhando desconfiado pela sala em direção a cozinha. Em paralelo, uma chuva de proporções absurdas começa a cair sobre a janela do apartamento, e vários trovões iluminavam todo o apartamento. De repente Fernando foi tomado pela sensação de não estar sozinho naquele lugar, e tinha certeza que não era Renato. Correu imediatamente para o banheiro, procurando por Renato. O banheiro era pequeno, no formato retangular, tinha quatro metros de profundidade e dois metros e meio de largura, Fernando conhecia essas medidas por ter sido ele a azulejá-lo todo quando vieram se mudar. Os azulejos eram brancos e iam do chão até o teto. Do lado a esquerda de quem entra ficava um pequeno armário com pia embutida, ao lado da pia ficava a janela basculante. Do lado oposto ficava a privada e no final do banheiro tinha um box amplo, pois os dois tinham o hábito de tomarem banho juntos. Quando Fernando chegou ao banheiro o chuveiro estava ligado e aparentemente Renato estava no box tomando banho. Por causa da temperatura da água, estava difícil ver alguma coisa entre a névoa, mas Fernando conseguia identificar que Renato estava lá. Porém, estranhamente sentiu um calafrio.

"Rê, tudo bem?", perguntou Fernando, sem resposta. A figura reagiu timidamente ao chamado, aparentemente ignorando. Determinado a dar um basta no seu medo, Fernando avança em direção do box e o abre. Não tem nada no box, nem mesmo o chuveiro está ligado, o som que escutava era da chuva que caía torrencialmente na janela do banheiro. De repente um som vem do quarto e Fernando leva mais um susto, parece o de algo caindo no chão. Ele corre até o quarto e não encontra nada. Cansado dessa brincadeira sem graça Fernando senta na cama e olha para a Janela. Uma palavra está escrita na janela, como se feita recentemente com dedos.


Uma palavra, um choque...


"SanoDji", balbucia Fernando, dando passos para longe da janela e sentando-se na cama. Ele continua repetindo o nome diversas vezes e uma dor de cabeça enorme começa de imediato. Ele não consegue se concentrar e nem esquecer essa palavra, que finalmente percebe não ser uma palavra, e sim um nome. SanoDji é um nome, mas Fernando consegue entender de onde sente tanta familiaridade e nem porque sente-se mal ao pronunciá-lo, uma preocupação enorme toma conta dele. Ele abaixa a cabeça para respirar e quando torna a levantar, dá de cara com uma enorme sombra negra. A sombra não parece ser de Fernando e permanece parada por segundos que parecem horas. Fernando sente-se compelido a levantar e a encarar ela de frente, e quando se levanta a sombra vem em sua direção e o chama de Jonas. Novamente Fernando escuta esse maldito nome. Ele não entende porque tantas vezes escutou esse nome e porque o persegue de tal forma, pois apesar de aparentemente causar certa repulsa escutá-lo, ao mesmo tempo causa certo saudosismo.

– Precisamos conversar... – Diz a Sombra, com uma voz serena e horripilante.


Um braço negro surge da sombra e estica até o pescoço de Fernando tão rápido que ele não tem reação. Fernando é comprimido contra a parede do quarto e se sente completamente acuado, então segura a mão negra da sombra e tenta afastá-la antes que o mate, quando faz isso leva um susto. Ele vê que suas mãos estão completamente brancas. E algo vem a sua mente, ele não era negro, ele era branco. Ele não era Fernando, era Jonas. Mas ele também é Fernando, e se não for Jonas, quem Fernando é? Imerso em desespero ele olha em volta procurando algo com que se separar da criatura e vê seu corpo desmaiado na cama... Se aquele é seu corpo, quem seria? A confusão é tão grande que Fernando grita desesperado. De repente violentos tapas atingem o rosto de Fernando. Sente-se abrindo os olhos e a primeira coisa que vê é Renato, ao seu lado, com um semblante preocupado.

– Tudo bem, Fê? – Pergunta Renato, enquanto Fernando se senta na cama. – Você estava gritando muito durante o sono...

– O que aconteceu? – Pergunta Fernando, ainda em choque.

– Quando fui tomar banho você apagou na cama, dormiu que nem um anjo... – Respondeu Renato, reparando que ao dizer "anjo", o rosto de Fernando fez uma careta. – Acho que teve um pesadelo dos brabos... Quem é Jonas?

– Heim? – Escutar esse nome pela segunda vez na noite dá um novo susto em Fernando, que desperta de vez. – Jonas?

– É, Jonas? Por acaso está pensando em outro? – Riu Renato, tentando descontrair o clima tenso que a menção do nome causara.

– De forma alguma... Só que desde que acordei no hospital, tenho escutado esse nome... Sei lá.

– Será que algum enfermeiro tinha esse nome e você escutou muitas vezes no coma? Pode ser isso... Você nunca foi de ter pesadelos.

– Nunca?

– Nunca, não se lembra...


A afirmação de Renato soou estranha para Fernando. De algum modo se lembrava de uma senhora nordestina lhe acudindo em diversas noites. Fernando chorava enrolado no lençol e essa senhora dizia-lhe para que fizesse uma prece que os sonhos ruins acabariam. Fernando sentia muita saudade dessa mulher, mas sequer conseguia lembrar seu nome ou de onde a conhecia, apenas sentia muita saudade. Renato, desistindo de tentar compreender seu namorado, levantou-se da cama e foi até a cozinha buscar copos de água para ambos, já Fernando permaneceu sentado na cama imerso em suas preocupações. Minutos depois Renato retornou com os copos d'água e depois de beberem, Fernando voltou a falar:

– Sabe, quando fui no neurologista, ele me disse que eu perderia a memória de determinadas coisas, mas não sabia quais... – Comentou Fernando. – Me lembrei agora de minha infância, e vi uma senhora nordestina cuidando de mim enquanto tinha pesadelos.

– Nordestina? Impossível... – Questionou Renato. – Não lembra? Foi criado por seus pais, e eles podiam ser tudo menos nordestinos. Nem babá você teve.

– Estranho, a memória é tão perfeita que só me falta saber o nome dela...

– Deixa disso, Fernando, vamos dormir.

– Do que me chamou?

– Fernando, ué.

– Mas meu nome é Jonas.


Renato levou um susto ao escutar essa frase. "Fernando está pirado...", pensou, enquanto corria em direção ao telefone. Bem que o médico os advertira que distúrbios desse tipo poderiam acontecer. Pegou o telefone sem fio na sala e voltou para o quarto. Fernando estava agora de pé, na janela, fazendo movimentos com os dedos no vidro. Renato parou o que estava começando a fazer e prestou muita atenção em Fernando, se algo estava errado precisava primeiro entender o que acontecia. Passados alguns segundos na janela, Fernando foi calmamente até a sala, sempre seguido de perto por Renato, pegou uma folha de caderno e uma caneta em uma mesa e sentou-se na mesma. Escreveu algo bem rápido por alguns minutos e voltou para o quarto. Renato, estranhando tudo aquilo, pegou a folha de caderno discretamente e foi até onde Fernando fora. Para surpresa de Renato, Fernando estava agora dormindo tranqüilamente, como se nada tivesse acontecido. "Sonambulismo, só me faltava essa...", pensou Renato, colocando a folha de caderno em cima do criado-mudo da cama e deixando pra ler o que Fernando escrevera no dia seguinte.

A noite terminou rápido, e na manhã seguinte a primeira coisa que Renato fez foi perguntar a Fernando se ele lembrava de alguma coisa da noite anterior. Fernando estranhou a pergunta e disse apenas que se lembrava de ter tido um pesadelo, ter sido acordado por Renato e de depois ter dormido normalmente. Imediatamente Renato sacou a folha escrita e lhe mostrou. Fernando observou a folha estupefato e novamente amaldiçoou esse nome Jonas, algo estava acontecendo com ele e não conseguia entender o que exatamente ocorria. Fernando leu a folha diversas vezes e compreendeu que era um recado, preocupante, para ele, mas ainda não entendia direito o que era Jonas. Fernando e Renato eram pessoas levemente descrentes para assuntos estranhos, como mensagens escritas durante ataques de sonambulismo, só que os últimos dias tinham sido demais para eles. De comum acordo decidiram que teriam que ir a algum lugar que pudesse ajudá-los nesse problema, mesmo que não fosse o hospital ainda.

Um recado simpático...


– Ótimo, temos um desejo, mas pra onde vamos? – Perguntou Fernando.

– Para o hospital? – Respondeu Renato.

– Não, e mesmo que fôssemos, o resultado final do exame só sai semana que vem... E haja dinheiro pra tanto hospital. – Afirmou Fernando.

– Não sei então, podemos ver com o porteiro, ele deve saber onde tem alguma coisa que saiba como nos ajudar... – Disse Renato, sem saber se estava correto.

– Ele não é crente?

– Não... Esqueceu? Tá vendo coisas de novo?

– Coisas?

– Sim, ontem você disse da nordestina, agora nosso porteiro macumbeiro virou crente...

– Nordestina? Como assim? – Nesse momento Fernando se lembrou da senhora, e teve uma revelação. – Lembrei!

– Lembrou do que?

– Essa senhora que você falou... É a mãe desse Jonas!


Renato silenciou-se de vez e saiu da cama. Precisava tomar um banho e relaxar, era o segundo devaneio de Fernando em menos de doze horas, e estava resistindo bravamente para não ligar pro Doutor Eduardo. "Talvez algumas pílulas de prozac resolvam essa crise... Ou uma caixa inteira.", pensava Renato enquanto ligava o chuveiro. Fernando percebeu que seu amado estava nitidamente preocupado com sua saúde mental e pensou em fazer-lhe algum agrado. Levantou-se da cama e ligou o rádio relógio, colocando-o em uma estação de rádio que tocava música clássica. Depois caminhou para o banheiro e sorriu maliciosamente para Renato, que já estava aos poucos se envolvendo com o clima.

– Vamos relaxar um pouco... – Disse Fernando, sentindo um misto de agonia e prazer estranho, mas que preferiu ignorar em prol de Renato.

Revelações de Jonas, Conspiração: Quinta Etapa do Plano


Revelações de Jonas: Conspiração
Quinta Etapa do Plano
Tirolez?

Albano era uma pessoa de poucas palavras... Que lembrava muito.

Era um homem magro, alto, com traços europeus. Isso contrastava nitidamente com seu sotaque nordestino, mais especificamente do litoral do Sergipe. Ele era descendente de uma família holandesa que se estabeleceu no país durante a invasão da Holanda ao nordeste. Acabou vindo morar no bairro do Leme, Rio de Janeiro, de um modo diferente do tradicional em virtude da profissão de seu pai. Seu pai era piloto de testes de aviões da FAB e por motivos de força maior teve que ser transferido para a base do III Comar, localizado na Praça XV. Esse fato aconteceu em fevereiro de 1985, quando Albano ainda tinha dez anos. A maior parte de sua infância aconteceu dentro do quartel, pois aficionado pela vida e imagem perfeita do pai, sempre o acompanhava no serviço.

Em virtude disso deu seu primeiro tiro aos doze anos com uma arma surrupiada de um soldado dorminhoco na base aérea. Seu pai soube de tudo na hora do disparo (não era surdo, assim como todos do quartel). Albano tinha dado um tiro certeiro em uma latinha de refrigerante a cem metros dele, que colocara numa mureta da base. A pontaria do jovem acabou salvando-o de uma bronca do pai e, por sua vez, dos superiores e garantindo-lhe uma vaga única na Academia de Tiro das forças armadas. E isso com apenas doze anos.

Quando completou quinze anos foi campeão brasileiro em uma competição não-oficial militar de tiro, nas categorias Alvo Estático e Alvo em Movimento. Ganhou de prêmio um curso de tiro profissional, pago pelo dinheiro arrecadado pelo concurso e foi realizá-lo nos Estados Unidos. Lá aprendeu a manejar diversos tipos de munições e os mais diversos tipos de situações que poderia passar tanto com armas manuais quanto com automáticas. Voltou com dezessete anos de sua viagem e fez prova para fuzileiro da força aérea. Foi quando seu mundo até então perfeito deu suas caras.

Seu pai havia sido deslocado, em função da idade, para funções burocráticas dentro da Força Aérea e sua mãe estava cada vez mais preocupada com ele. Albano não conseguia entender o que acontecia, em meio a volúpia adolescente, e deixou escapar diversos sinais de que algo estava errado. Primeiro seu pai adquirira o hábito de beber, e depois disso sua mãe começou a aparecer com diversas marcas pelo corpo que diziam ser provenientes de quedas as quais Albano nunca testemunhava. Mas sua mãe sempre lhe dizia para orar e para pedir proteção a Deus, pois enquanto tivesse fé, Deus os protegeria de tudo. E como um bom filho, Albano sempre acompanhava sua mãe na igreja e orava, estranhando apenas a ausência cada vez mais constante de seu pai. Era algo doentio, a fé de sua mãe aumentava na mesma proporção que a ausência de seu pai, e simultaneamente viu várias vezes sua mãe dando muitas somas de dinheiro nas mãos dos pastores da igreja para providenciar milagres que Albano não entendia quais eram.

Um dia Albano retornou de seu quartel, já com vinte anos de idade, e viu uma cena que o deixaria chocado. Sua mãe estava sentada no sofá com os olhos voltados pra cima. Em seu treinamento já tinha visto pessoas mortas antes e ele sabia o que estava acontecendo, mas nada o prepararia para chegar em casa e ver sua própria mãe nesse estado. Albano tentou ainda reanimá-la sem sucesso, foi quando percebeu que o pescoço dela tinha sido esmigalhado com muita força. Imediatamente pegou o telefone e ligou para a polícia, mas o telefone estava mudo. Sentindo uma péssima sensação, Albano se levantou e correu para a rua, tentando procurar algum vizinho. Foi ajudado pela vizinha do lado, que disse que tinha escutado uma violenta discussão entre os pais de Albano e que no final de tudo se silenciou e então o pai dele saiu apressado de carro.

Albano não queria acreditar nos fatos que socavam sua moral e sua integridade mental, e se levantou mentalmente. Pediu a vizinha para que o ajudasse chamando a polícia e disse que desconfiava de onde o pai estivesse, e que o traria para obter explicações. Pegou um táxi que o levou rapidamente para o local onde provavelmente seu pai estaria, o III Comar. Assim que chegou foi avisado pelos soldados que seu pai chegara perturbado e que estava dentro de um avião tucano que havia descido ali para fazer manutenção. Albano chegou no hangar correndo, mas só a tempo de ver o pequeno avião de acrobacias decolando rapidamente pela pista, sendo perseguido pelos mecânicos desesperados. Rapidamente Albano chegou até a torre de comando e solicitou a um dos controladores de vôo que tentasse falar com seu pai.

– Avião Tucano T-27, responda. – Disse o controlador. – Você decolou sem autorização da Torre, solicitamos retorno imediato ao local de origem. Câmbio.

– T-27 respondendo. – Disse o pai de Albano, do outro lado.

– Pai! Volte! – Berrou Albano, no microfone. – O que está fazendo? Enlouqueceu?

– Não filho, eu voltei ao normal... Um monstro como eu não pode viver em sociedade. – Informou seu pai. – Se você está aqui, viu o que fiz... Foi quando me dei conta do que deixei acontecer comigo mesmo. Deus me perdoe pelo que fiz, e pelo que farei. Câmbio, desligo!

Sem dar tempo de Albano falar mais nada, seu pai desligou o rádio em definitivo. Os radares do CINDACTA I ainda acompanharam a viagem do EMB-12 pelo radar até que ele desapareceu na imensidão das águas do oceano atlântico. Albano acompanhou tudo isso pelos radares com lágrimas nos olhos. Mesmo depois que o radar cessou de emitir informações sobre o tucano, Albano permaneceu parado no mesmo local, sem emitir reações. Preocupados com a saúde mental dos fuzileiros, os controladores de vôo chamaram uma equipe médica para ajudá-lo.

Dois meses de terapia se passaram no centro de saúde das forças armadas, em completa internação. Albano parecia ter se desligado do mundo nesse período, pois tudo aquilo que considerava mais sólido esfacelou-se como castelo de areia ao ser atingindo por uma onda do mar. Nessas semanas todas pensava na fé de sua mãe e de seu pai, em sua própria fé, e indagou-se onde estaria Deus nisso tudo. Sua resposta foi tão silenciosa quanto o que julgara ter percebido naquele fatídico dia. Exatamente no dia 19 de Julho de 1995, Albano recebeu alta do hospital psiquiátrico das forças armadas e foi levado para uma nova casa nos alojamentos da Vila Militar, com o objetivo que esquecesse as cenas horríveis que passara no Leme. E Albano permaneceu trancado naquele lugar, de licença médica, sem dizer uma única palavra por mais quase um ano.

Em março de 1996, uma pessoa foi a casa de Albano. Era um homem branco de cabelos loiros compridos, com aparência alemã, olhos azuis e uma voz sedosa. As mulheres da Vila Militar que moravam próximas de Albano ficaram encantadas pelo homem, que além de bonito era um verdadeiro cavalheiro. Ele tocou a campainha diversas vezes, sem resposta, até que um transeunte disse que a porta ficava sempre aberta e que Albano nunca saía de casa. O homem sorriu e abriu a porta. Como se conhecesse a casa, ele foi direto até o quarto de Albano, onde o militar licenciado assistia televisão.

– Bom dia, jovem Albano. – Disse o homem.

– ... – Silenciou Albano, apenas virando seu rosto na direção do desconhecido.

– Meu nome é Felipe, sei que é uma pessoa de poucas palavras, mas vim aqui oferecer um emprego... Uma forma de expurgar toda essa dor que sente em você.

– ...

– Bem... Eu represento uma firma de advogados que fica localizada nesse endereço da Avenida Presidente Vargas. – O homem entrega um envelope fechado na mão de Albano. – E temos para você uma nova possibilidade em emprego, algo que vai te tirar desse marasmo a que se submeteu quando aquele incidente trágico ocorreu.

– Quem lhe falou? – Perguntou Albano, falando pela primeira vez naquele mês.

– Temos nossas fontes... Se quiser saber mais, procure-nos.

O homem saiu do quarto de Albano e desapareceu em minutos, sem deixar qualquer vestígio de sua presença. Albano se levantou e foi até a janela de seu quarto, segurando o envelope. Com um canivete o abriu, e nele apenas tinha uma seqüencia de 12 números, divididos em três grupos de quatro algarismos cada. "Um telefone e um ramal, acredito.", indagou Albano. Ele foi até sua sala e discou os números na ordem em que apareciam, e uma voz eletrônica atendeu. "Somente recebemos ligações de celular", dizia a voz. Albano estranhou e se lembrou que o homem falara que o escritório ficava na avenida Presidente Vargas, e decidiu ir para lá. Horas depois estava na avenida Presidente Vargas, próximo a igreja da Candelária. Pegou seu celular e discou para o número. A voz eletrônica foi substituída por outra gravação, de uma mulher de voz sexy.

- Boa tarde, nosso endereço é Av. Presidente Vargas 1056, Sala 1304, obrigado. – Disse a gravação, repetindo diversas vezes.

Albano imediatamente caminhou até esse prédio. Era um prédio próximo a sede do DETRAN, com uma bela portaria e muita gente entrando e saindo. Parecia ser um simples prédio comercial, e por esse motivo não foi necessário se identificar com o porteiro. Depois de alguns minutos de espera na portaria, o elevador chegou e ele subiu até o décimo - terceiro andar, para a sala 04, que, aliás, era o último andar do prédio. Quando a porta automática do elevador abriu, Albano levou um susto, não havia corredor nesse andar, apenas uma sala pequena com as paredes cobertas por espelhos que davam a ilusão de ser um local maior que seus aproximadamente quatro metros quadrados. Do lado esquerdo da sala tinha um banco acolchoado com encosto, onde Albano se sentou, e uma câmera de segurança ficava apontada diretamente para o banco, na parede oposta. Assim que o elevador fechou suas portas, as luzes da sala se apagaram, deixando à mostra somente um ponto vermelho do sensor da Câmera de segurança.

A espera durou pouco tempo. Albano escutou um clique e uma pequena fresta de luz apareceu na quina da parede, revelando que uma das paredes era na verdade uma imensa porta corrediça coberta por um espelho. As luzes tornaram a acender e um homem baixinho vestindo um terno negro, oriental, veio até ele vindo por essa porta.

– Boa tarde, Senhor, em que posso serví-lo? – Perguntou o homem, com um leve sotaque que Albano não sabia de onde era.

Albano nada disse, apenas entregou o envelope que recebera. O homem sorriu gentilmente e pediu a Albano que o acompanhasse. Eles seguiram por um corredor com pelo menos cinco portas que ia dar em uma curva, nessa curva aparecia outro corredor com apenas uma enorme porta de madeira no final. O chão daquele lugar era todo acarpetado em vermelho, exceto quando estavam a uns dois metros dessa porta de madeira, onde o carpete vermelho acabou dando lugar a um carpete negro. O oriental parou de acompanhar Albano e disse a ele que abrisse a porta e aguardasse que seu anfitrião estava aguardando-o.

Ao entrar na sala Albano deu de cara com um imenso saguão cinzento. O saguão era do mesmo tamanho de uma sala de cinema. Todas as paredes eram adornadas por cortinas negras com detalhes em dourado mostrando diversas cruzes nas mais diversas posições. A uns três metros de altura, oposto a porta, tinha um maravilhoso vitral mostrando a figura de um anjo com uma asa de penas do lado direito e uma asa de dragão do esquerdo. Logo abaixo desse vitral tinha uma enorme mesa de escritório com um jogo de duas cadeiras para visitas e uma bela cadeira de diretor para o provável dono de tudo aquilo. Sob a mesa tinha um terminal de computador e algumas papeladas.

Na parede a esquerda de Albano tinha um altar com um livro aberto sobre ele. Ao lado do altar estava uma estátua de um anjo feita em puro mármore, segurando imponente uma tocha. O altar e a estátua eram iluminados por uma luz branca direta, que dava uma posição de destaque interessante a tudo aquilo. Na parede oposta tinha outro altar com outro livro sobre ele, um livro de páginas negras. Ao lado desse livro também tinha um estátua de um anjo, mas sua posição não era altiva como a da outra estátua. Ele estava de joelhos, com as mãos abertas tocando chão, e olhando para o alto com lágrimas no rosto, dando-lhe um olhar sofrido. Suas asas estavam danificadas, parecendo que tinham sido quase totalmente destroçadas, e suas mãos seguravam penas, e tinham dessas penas esculpidas por toda a base da estátua. Nesse local a iluminação provinha de uma luz azul escura dando um aspecto sombrio a essa parede.

Albano ficou curioso em saber o que continha em cada um dos livros e caminhou afoito em direção do livro mais bem iluminado. Assim que chegou nele se decepcionou, o livro estava completamente em branco. Folheou outras páginas, sem desmarcar a original e continuou sem encontrar nenhum palavra, e decidiu ver sua capa. Nela estava escrito "Livro das Revelações". de uma forma muito antiga, aliás, o livro parecia ser muito antigo, dado que pelo que Albano percebeu era todo costurado a mão e com a capa feita do couro de algum animal. Depois disso voltou sua atenção para a estátua do anjo. Tinha nela uma assinatura e uma explicação, ambas em Italiano, as quais teriam sido completamente indecifráveis por Albano não fosse uma placa de vidro salvadora na parede, mostrando a tradução do que estava escrito.

L'Angelo di Verità.
Elemento portante della luce Divine, quell'che porterà la verità e la vergogna.
Di Raffaello de Urbino


"Anjo da verdade. O portador da luz divina, aquele que trará a verdade e a vergonha.", leu Albano, intrigado. Enquanto caminhava para o outro lado da sala, escutou o som de uma porta se abrindo e de trás das cortinas da parede onde estava saiu uma pessoa. Era uma mulher de pelo menos um metro e oitenta, de cabelos negros perfeitamente lisos e usando um óculos escuros. Vestia um blazer preto que exaltava suas formas perfeitas e usava um perfume que mexia com os brios de Albano. Ela se dirigiu calmamente até a grande mesa de escritório e sentou-se na cadeira que parecia ser a ela reservada, a do chefe.

– Pelo que v, gosta de boa arte... – Disse a mulher, enquanto apertava um botão na mesa. – Tragam vinho para mim e um... O que deseja beber?

– Um copo de água, apenas. – Respondeu Albano.

– ....Água para nosso convidado. – Pediu a mulher, soltando o botão da mesa. – Bem, meu nome é Regina, o que é?

– Albano.

– Albano, tudo bem. O que o trouxe aqui?

– Um de seus funcionários, Felipe... – Ao ouvir Albano dizer o nome de seu contato, Regina rapidamente mexeu no mouse do computador e depois de dedilhar muito no teclado ela se virou novamente para Albano.

– Ah, sim... Estou com seu histórico aqui. Diga-me, qual sua posição a respeito de Deus?

– Heim? Porque a pergunta?

– Dependendo da sua resposta, tenho algo a lhe dizer ou não...

– Quer saber se acredito em Deus? Isso?

– Não, quero saber o que diria dele se fosse uma pessoa... Se não acreditar, não faz diferença para o que quero saber.

Albano silenciou, nunca escutara uma pergunta desse tipo antes, pelo menos não nessas circunstâncias. A mulher parecia ter muito dinheiro e transpirava seriedade, mesmo com toda sua sensualidade. Albano sentiu que suava frio por algum motivo que desconhecia e mesmo assim não conseguia pensar em uma resposta a esse questionamento. Aliás, ele tinha uma resposta sim, sempre se perguntava onde estava Deus enquanto seu pai estrangulara sua mãe, e onde esse mesmo Deus estava quando seu pai voou em direção a morte. ele sentia certa raiva dessa entidade misteriosa, mas nada que lhe dessa ódio, apenas indiferença.

– Sou indiferente com relação a Deus, se quer saber... Ele lá, eu aqui. – Respondeu Albano.

– Ótimo... Então vamos conversar...


O tempo passou, dias viraram semanas, semanas viraram meses e meses tornaram-se anos. Albano fazia parte da Organização desde 13 de Março de 1996, e agora, dez anos depois, dia 13 de março de 2006 era uma das pessoas mais respeitadas da Organização. Ele realizava pequenos trabalhos para a organização, que envolviam desde a ameaças simples a até queima de arquivo. Era, segundo Regina, o líder do setor dele. Desde que entrara na Organização, Albano nunca fez perguntas, ele sentia-se compelido a servir essa Organização sem perguntar por suas intenções, exatamente como aprendera no quartel. "Soldados não questionam ordens, soldados cumprem ordens.", dizia para si mesmo quando alguma dúvida aparecia. Esses serviços eram perfeitos para liberar a raiva que sentia de tudo que acontecera com sua família no passado, e até mesmo dentro da organização ele tinha um apelido por causa de sua eficácia e mudez completa. Era Tirolez. Porque esse nome? Ninguém sabia responder... Mas Albano gostava desse nome.

Revelações de Jonas, Conspiração: Quarta Etapa do Plano


Revelações de Jonas: Conspiração
Quarta Etapa do Plano
Nova vida

Fernando acorda como se estivesse em uma espécie de transe estranho. Olha para os lados e se vê entrevado numa cama de hospital. Não lembra exatamente como veio parar aqui e nem o que o trouxera para cá, mas tem certeza que quer se levantar. Sem muita precaução arranca com violência os tubos que até momentos atrás faziam a função que seus pulmões faziam antes, o que lhe dá profunda dor, pois parecia não fazer isso há muito tempo, simplesmente respirar. A seguir arranca de seu braço direito a agulha de onde vinha o soro e os remédios que lhe mantinham alimentado. Um esguicho de sangue saiu de sangue em resposta a violência de seu ato, sujando toda a maca e parte dos equipamentos. "Preciso saber que dia é hoje... Preciso saber...", pensa enquanto caminha em direção a um espelho.

Ele leva um susto. Ao olhar no espelho vê diante dele um jovem de cor branca com aproximadamente dezessete anos, de cabelos emaranhados e desnudo. A imagem dura até Fernando coçar os olhos e se ver novamente como é. Fernando é um rapaz negro no auge de seus vinte e cinco anos, físico atlético e medindo aproximadamente um metro e setenta e cinco de altura. Não possui cabelos, sempre os raspando pelo menos uma vez por semana, para manter sua cabeça sempre o mais lustrada possível. Recuperado da visão estranha que vira no espelho, Fernando sai de seu quarto no exato momento em que os enfermeiros do andar chegam para ver o que acontecera com o paciente, cujos sinais de vida subitamente desapareceram.

– Milagre! – Berra um dos enfermeiros ao ver Fernando de pé diante deles, saindo da sala.

– Heim? – Indaga Fernando. – Não estou entendendo nada...



Os enfermeiros ficam estáticos alguns segundos, na maioria do tempo se benzendo, e então, com a eficácia tradicional de quem trabalha naquele hospital, tratam do ferimento que Fernando fizera em si mesmo ao arrancar a agulha intravenosa. Um deles, uma senhora negra de aparentemente uns cinqüenta anos, corre até um terminal telefônico instalado no corredor e chama pelo médico de Fernando. "É um milagre doutor Eduardo... Ele está aqui no corredor, andando...", diz a mulher empolgada para alguém no fone, sendo escutada por Fernando. Depois disso ele não escuta mais nada, pois é guiado pelos demais enfermeiros de volta a sua cama de hospital. Com o cuidado tradicional eles limpam Fernando e colocam curativos nele, verificam também se quando ele retirou o respirador, se nada ficou dentro dele. Quando terminam todo o tratamento, é o tempo exato que leva para o Dr. Eduardo chegar correndo na sala.

– Oh, meu deus! – É a única coisa que Dr. Eduardo fala, ao ver Fernando sentado na maca.

– Boa... – Diz Fernando, dando uma pausa e olhando a janela, constatando que é o início da manhã. – Ops, bom dia doutor...

– Bom dia, Fernando. – Responde Dr. Eduardo, ainda chocado. – Como se sente?

– Confuso, não sei porque estou aqui e nem que dia é hoje...

– Hoje é dia 12 de maio de 2006, Fernando, e você está aqui por causa de um camarão que consumiu há pelo menos vinte e quatro horas atrás.



Imediatamente, como se pegasse no tranco, Fernando se lembra desse evento. Ele está na praia de Copacabana com amigos quando um deles lhe oferece um pedaço de seu salgado. Faminto, e como nunca nega comida mesmo sabendo dos males que comer na rua podem lhe causar, ele abocanha um bom pedaço da comida e engole sem mastigar muito. Em seguida bebe um bom gole de refrigerante e volta a conversar. "Muito bom... É o que?", pergunta ao amigo, gostando do sabor do salgado. "Risole de camarão, Fernando, gostou?", responde o amigo para seu desespero. Fernando é absolutamente alérgico a camarão, mesmo tocar seus dedos nele cru lhe dá ulcerações nas partes que tocaram o animal, um caso raro e perigoso de alergia. Fernando coloca o dedo na garganta tentando provocar o vômito enquanto os presentes que conhecem seu problema correm em seu auxílio. Sente uma dor horrível no estômago que passa rapidamente para o peito. Fecha os olhos e quando abre novamente vê o Dr. Eduardo falando com ele algo que não compreende, então simplesmente apaga.

– Foi uma situação complicada. – Diz o Dr. Eduardo. – Você chegou aqui com um choque anafilático dos mais complicados que já vi em minha carreira médica... E na dos demais especialistas daqui. Tivemos que reanimá-lo mais de quinze vezes durante o procedimento de retirada do alimento... Seu cérebro passou praticamente mais de quinze minutos sem oxigênio, é um milagre até que consiga falar algo que se compreenda.

– Nossa... – Balbuciou Fernando, olhando para uma imagem sacra no topo de seu quarto.

– Exato, e se tiver algum tipo de fé, aconselho-o a agradecer muito porque você teve muita sorte hoje.



Fernando comemorou por dentro, estava vivo e isso era maravilhoso. Uma morte ridícula dessas seria algo vergonhoso para ele, preferia morrer atropelado ou num assalto, mas por causa de um camarão... Dr. Eduardo aconselhou ele a passar mais dois dias no hospital para efetuarem alguns testes nele, mas o que Fernando mais queria era retornar para casa. Nesse momento teve um lapso de memória, não sabia porque queria voltar tanto para casa, mas queria voltar. Preocupado com isso, interrompeu Dr. Eduardo nos exames de praxe (como escutar o coração e a respiração) e começou a falar:

– Doutor, eu estou com a impressão de estar esquecendo algo... – Falou Fernando.

– Não se preocupe, esse problema é normal quando acontecem as coisas que te descrevi. – Respondeu o Dr. Eduardo – Amanhã o neurologista chefe do hospital vai examiná-lo antes de saber se levará alta ou não, até lá, descanse e relaxe, com o passar dos dias tudo vai voltar ao normal.



Algo no interior de Fernando gritava que as coisas jamais seriam normais para ele, mas ele preferiu ignorar essas impressões e relaxar um pouco. Com o término dos exames preliminares, Dr. Eduardo se despediu e saiu da sala, pedindo apenas a Fernando que mantivesse preso nele os eletrodos do monitor cardíaco, pois não queriam maiores problemas. Seguindo as orientações do médico, Fernando deixou as enfermeiras prenderem novamente o equipamento em seu peito e apesar do desconforto causado pelos fios, acabou cedendo ao tédio e adormecendo meia hora depois, pra querer acordar. Mal Fernando adormeceu começou a escutar vozes em volta dele, chamando por um nome que lhe era familiar, mas ao mesmo tempo sentia-se compelido a esquecê-lo. "Jonas! Jonas!", diziam diversas vozes, em torno de Fernando.

Incomodado com as vozes e uma sensação incômoda de estar sendo observado, Fernando abriu os olhos. Ele se viu cercado de muitas pessoas, com fisionomias as mais diversas, que olhavam ele com profundo pesar. Olhou para si mesmo e via que sua pele não era negra, mas branca. "Você não tem idéia do que fez Jonas.", disse uma senhora de aparentemente sessenta anos. "Seu egoísmo é terrível. Como pôde?", perguntou um senhor negro, com pelo menos trinta anos. "Não acreditamos que fosse capaz disso.", falou uma criança de no máximo doze anos. Fernando fechou os olhos e gritou que parassem de falar seu nome, que parassem de culpá-lo por algo que não entendia. Então sentiu mãos o sacudindo e abriu os olhos, era uma enfermeira.

– O senhor está bem? – Disse uma enfermeira, com olhar preocupado.

– Onde eles estão? – Perguntou Fernando, ainda grogue.

– Eles quem? – Respondeu a enfermeira. – Só estamos nós dois aqui... Deve ter sido um pesadelo, senhor.

– Pesadelo...?

– É, o senhor dormiu algumas horas atrás e não faz cinco minutos que começou a gritar e se debater na cama, no início pensei que fosse algo mais sério, mas pelo jeito foi só um sonho ruim.

– Faz quanto tempo que dormi?

– Seis horas pelo menos, não era meu turno, mas me avisaram do milagre que aconteceu contigo... Graças a deus o senhor está bem.

– Obrigado.



Fernando sentiu uma vontade absurda de ir no banheiro e perguntou onde ficava o mictório, a enfermeira apontou rindo para uma porta bem em frente a maca. "Ah, obrigado de novo...", respondeu Fernando sem graça e caminhou para o banheiro. Depois de aliviar sua vontade, perguntou a enfermeira se ela tinha alguma idéia de quando seria liberado, e ela deu com os ombros, sem saber. Disse apenas que o Dr. Felix, neurologista, tinha avisado que o exame de ressonância magnética seria feito as quinze horas, e que já eram quase quatorze horas. A enfermeira perguntou a Fernando se ele não havia sentido falta de algo, e Fernando estranhou a pergunta, querendo entender o motivo de sua dúvida.

Novamente a enfermeira deu com os ombros e avisou que mesmo que fosse embora, provavelmente só poderia fazer acompanhado, e isso aconteceria as dezoito horas, durante o horário de visitas. Ao escutar a palavra "visitas", Fernando ficou empolgado e ansioso por esse horário, mas não conseguia lembrar porque ficava ansioso, sequer desconfiar do motivo. Parecia um bloqueio na sua cabeça. Desistiu de entender o que se passava consigo e decidiu aguardar a hora do exame. Enquanto o tempo passava, a enfermeira deixou a refeição de Fernando e voltou para a sala das enfermeiras. E Fernando assistiu televisão pra passar o tempo, sentia-se como se não fizesse isso há meses.

Finalmente chegou a hora do exame, Fernando estava ansioso por ele pois isso definiria se ele voltaria para casa naquele dia ou se demoraria ainda mais naquele hospital. O responsável por isso seria o neurocirurgião Felix Almeida, o chefe dos neurocirurgiões do hospital Copa D´or, e com certeza, da rede D´or. Fernando foi deitado em outra maca e levado de elevador até o andar onde ficava a sala de ressonância. Ao entrar na sala sentiu o cheiro de limpeza do local e um frio absurdo gelou-lhe da cabeça aos pés, e estar nu vestindo apenas a fina roupa de hospital não ajudava nada. "O equipamento é caro, não podemos deixá-lo pifar por causa do calor do Rio, daí a necessidade do frio excessivo... Mas você vai sair daqui rápido.", explicou o enfermeiro que empurrava a maca.


Máquina de Ressonância Magnética.


Fernando se levantou e deitou sob a superfície gelada do aparelho de ressonância. Seria um exame rápido, assim esperava, senão provavelmente teriam que tirá-lo com um quebrador de gelo. O Doutor Felix chegou segundos depois, apresentando-se educadamente e com um ar de ceticismo que deixava Fernando assombrado.

– Bom dia, senhor Fernando, meu nome é Dr. Félix, mas se quiser me chamar de Almeida não tem problema. – Disse o Dr. – Como pode ver, estamos diante de um aparelho dos mais modernos do mundo, e apesar de você estar nitidamente saudável para seus próprios padrões e para os dos demais funcionários do hospital, não sou tão crente quanto eles em milagres, apenas acredito no deus ciência. Se pode ver, essa mesa possui um sistema de rolamento igual a aqueles de caixas de supermercado que vão levá-lo até o interior do aparelho. – Enquanto falava, apontou para o buraco branco do aparelho de ressonância. – Lá dentro será bombardeado por íons e outras coisas mais que irão mapear toda sua cabeça, de forma tal a procurarmos eventuais problemas que podem a longo prazo transformar seu dito milagre em tragédia.

– Quanto tempo isso leva? – Perguntou Fernando.

– De cinco a dez minutos. Devo lembrá-lo que tem que tentar ficar o mais calmo possível, não é comprovado que isso interfira no resultado, mas como a atividade intensa altera o fluxo de sangue no músculo, e o cérebro é um músculo, quanto menos pensar melhor para o exame. Consegue passar algum tempo sem pensar? Se não conseguir, tente prestar atenção na música, que coloco propositalmente nos exames para acalmar os pacientes. E tente não se mexer, mas com o frio intenso sei que vai tremer. Ah sim, feche os olhos, a luz é forte. Boa sorte, senhor Fernando.



O Dr. Felix saiu da área do aparelho e foi para a sala de operações, onde um outro funcionário aguarda para dar início ao exame. Com um apertar de botão, o mecanismo de rolamento da máquina se ativou e Fernando entrou vagarosamente na máquina, ao mesmo tempo em que luz brancas muito fortes se acendiam. "O resultado do exame preliminar será imediato... Mas ainda assim analisaremos o material por mais alguns dias, logo, mesmo que vá embora hoje, provavelmente voltará aqui semana que vem para o resultado preciso.", avisou Dr. Felix a Fernando, falando alto de forma que pôde ser ouvido por Fernando de dentro do aparelho. Em seguida Fernando começou a deixar-se levar pela música e pelo frio, relaxando completamente.

Vinte minutos depois Fernando estava novamente na cama do hospital. Tudo estava aparentemente bem, seu cérebro não tinha nenhum coágulo ou problema similar. Era o que Fernando precisava saber para ir embora do hospital. A única resposta que não lhe agradou foi quando perguntou a respeito dos lapsos de memória e o Dr. Feliz disse que provavelmente era por causa da falta de oxigenação do cérebro quando teve as paradas cardíacas, e que eventualmente algumas memórias voltariam do mesmo modo que outras jamais viriam, pois estavam em áreas mortas do cérebro. O dia passou novamente diante da televisão até que o horário de visitas chegou e Fernando foi tomado por uma empolgação tão grande que chegou a estranhar. Nesse momento um rapaz de boa aparência, com no máximo vinte e dois anos de idade, de corpo malhado e bronzeado de praia entrou no quarto de Fernando trazendo flores.

– Fernando... – Disse o jovem, com lágrimas nos olhos.

– Renato... – Respondeu Fernando, de instinto e para seu estranho espanto ao lembrar desse nome.



E os dois jovens rapazes se beijaram apaixonados...