Revelações de Jonas, Conspiração: Segunda Etapa do Plano

Revelações de Jonas: Conspiração
Segunda Etapa do Plano
Provas Semestrais



Se algum calendário existisse naquele lugar desolado, Jonas saberia que seu inferno durava apenas seis meses. Mas a falta de descanso, a falta de repouso e a falta de tempo para si mesmo faziam parecer serem anos. Os dias haviam se arrastado, apenas tinha idéia de dia e noite quando o Cavaleiro Negro e o Devorador de Almas retornavam a suas carcaças na Terra, pois desconfiava que estavam acordados. Ainda assim não tinha plena certeza de nada, dado que pelo que sabia de Daik-Haniah, os distúrbios de sono de seu corpo faziam com que pudesse aparecer a qualquer instante para continuar com o sofrimento.

A Sombra ocupava todo o restante do espaço livre. Ela aparecia sempre com muitos livros, em sua maioria documentos roubados de alguma colônia próxima, e obrigava Jonas a ler. Ela dizia que muitas vezes uma informação bem obtida e sustentada era mais fatal que o fio de uma espada. Jonas lia o tempo todo, muitas vezes era obrigado a ler e ao mesmo tempo desviar dos ataques de Daik-Haniah nos treinos de guerra, ou ter que ler e desvendar mistérios nos treinos do Cavaleiro Negro. Descobriu que os nomes Mizovitan e Mitzrael eram as alcunhas do Cavaleiro Negro, que preferia ser chamado de Mizovitan.

Descobriu também que Mitzrael era o que os humanos chamavam de anjo caído. Ele havia sido expulso da terra dos anjos anos antes, poucas semanas depois que a Sombra surgira e derrotara Deus. Ele parecia ter alguma informação importante que nunca ninguém soube qual era relativa a Sombra e a Deus, e por causa dessa foi desacreditado pelos seus semelhantes e então expulso. Estranhamente a sombra o procurou e contratou Mitzrael como seu principal subalterno. E outra informação a respeito de Mitzrael ele pôde descobrir, ele tinha sido o investigador dos céus, um título batizado de Sombra Azul. E esse cargo tinha sido com certeza sua derrocada, pensava Jonas, em acordo até mesmo com Daik-Haniah. Mizovitan não confirmava nem negava nada, apenas sorria e observava sua espada.

– O segredo da informação é que a sua importância é inversamente proporcional ao crédito que se dá a ela... – Dizia Mizovitan, durante o treinamento. – Em suma, quanto mais importante ela é, mais ridícula se torna.

– E como se aplica isso? – Perguntou Jonas.

– Você acreditava no demônio, quando vivo?

– Não, era ridículo isso...

– Bem, está aí a lógica de minha informação...



Daik-Haniah apenas o ensinava técnicas de combate. Eram coisas simples, as quais Jonas nunca tinha imaginado serem tão práticas. Disse-lhe que qualquer ser vivo sabia lutar, e dar sempre o melhor de si, mas a civilização e a doutrina tradicional haviam arrancado algo precioso de todos os espíritos, o instinto de sobrevivência. Ensinou Jonas a despertar seu animal dentro de si sem perder o controle. Ensinou que não basta apenas força de vontade para vencer uma Guerra, muitas vezes era preciso saber onde bater. Ensinou a Jonas como manipular a própria matéria da qual seu espírito era feito para criar armas como espadas e escudos. Descobriu então que Daik-Haniah assim como Mizovitan era um detetive, e que ele tinha sido candidato a Sombra Azul, mas os problemas que ocasionaram sua queda o tiraram da disputa.

Entendeu finalmente o que haviam dito a respeito de cérebro e vulvas. Pelo que lhe contaram Daik-Haniah era um alto comandante das forças espirituais na Terra. Tinha a missão de observar e julgar a humanidade para quando a hora final chegasse. E junto com ele, vários de seus companheiros vieram. Porém o que nenhum dos amigos de Daik-Haniah sabiam era que um dos seus era um traidor, aliás, uma traidora e através da luxúria conseguiu destruir todos os planos das forças espirituais. Mizovitan os havia avisado, mas a vulva era mais forte e todos foram derrotados. Como conseqüência, uma a que nem mesmo a traidora esperava era que Daik-Haniah fosse quem é, o Devorador de Almas, e quando ela descobriu isso era tarde demais, nada podia ser feito e pelo menos 137 colônias pagaram por isso com suas existências. A colônia de Jonas era apenas uma delas. Da mulher nunca mais se soube, pois ela desapareceu e apenas recolheu seu pagamento. A Sombra dizia que ela se arrependera do que fizera, mas ninguém a procurou mais.

Da Sombra, Jonas nunca soube de nada. Era uma figura estranha. Em um dia elogiava as forças dos céus por sua perseverança e vontade de ferro, no dia seguinte os ofendia como se fossem cães infernais. E essa confusão mental nitidamente mascarava a real intenção da criatura. Por vezes perguntava aos demais instrutores de Jonas quando ele estaria pronto, e todos diziam que em breve. Jonas não sentia tanto avanço assim, mesmo percebendo que muita coisa do que pensava do universo já não eram mais as mesmas.

Era o dia 02 de maio de 2006, no calendário terrestre. Jonas ainda acompanhava o desenrolar dos dias pelos comentários de Mizovitan e Daik-Haniah quando eles apareciam. De certo modo, agradecia por não estar mais na Terra. Eram tão ruins as notícias da degradação de tudo que ele sentia-se cada vez melhor por estar apenas treinando. Seus professores pareciam mais nervosos de que costume. A Sombra ainda não aparecera desde a chegada deles, e isso não era algo comum, pois ela temia que um acidente nos treinos desse cabo de Jonas. Foi quando todos escutaram o eco de pessoas marchando se aproximando deles. Daik-Haniah e Mizovitan voaram em debandada, abandonando Jonas sozinho. "E agora, o que será?", preocupou-se Jonas em seus pensamentos.

Jonas caminhou cautelosamente por entre as pedras, procurando pela fonte dos sons. Quando estava em uma posição mais elevada viu uma quantidade impressionante de criaturas de pele queimada se arrastando pelas pedras. "Estou cercado", constatou vendo que o cerco se fechava contra ele. Jonas pela primeira vez utilizaria na prática o que aprendera com seus mestres, e se escondeu atrás de algumas pedras. As criaturas assemelhavam-se com seres humanos. Tinham baixa estatura, provavelmente não mais que um metro de quarenta, e pele completamente negra. Não possuíam cabelos e estavam sempre nuas, sendo tanto figuras masculinas quanto femininas e os seus olhos eram de uma coloração avermelhada muito escura.

Não demorou muito para que a primeira criatura farejasse Jonas escondido no desfiladeiro. Sem dar o alarme as suas semelhantes, ela saltou sobre Jonas esperando que fosse uma presa fácil. "Fede a espírito fraco...", pensou a mente limitada da criatura. O engano custou-lhe caro demais, no meio do salto viu Jonas sacar uma espada e cortá-la em duas metades perfeitas a partir do meio da cabeça. A criatura se desintegrou por completo, não dando nem tempo para que as outras percebessem o que acontecera. Jonas imediatamente teve uma idéia arriscada e desceu o desfiladeiro correndo. Quando avistou o rio cinzento, Jonas pé após pé se aproximou de suas margens. Tinha que fazer tudo perfeitamente calculado e caminhou até um ponto em que as mãos emergiram e começaram a chicotear umas contra as outras incapazes de tocar Jonas. O jovem sorriu e virou-se na direção das criaturas, e gritou o mais alto que pôde.

Como animais incontroláveis esses monstros correram vorazmente na direção de Jonas que esperou pacientemente o momento correto. Ele sorriu e cravou sua espada profundamente na margem do Rio, deixando praticamente apenas o cabo da arma livre. Faltavam pouco mais de dez segundos para eles chegarem, ele teria apenas uma chance e tinha que contar com a sorte. O plano era absurdamente arriscado e teria que contar com a ignorância das criaturas e a fome das mãos do Rio Cinzento. O primeiro monstro saltou na direção de Jonas. Ele faz uma pequena oração e segura a criatura pela cabeça e a desequilibra, a atirando ao Rio. As mãos seguram a criatura com violência e ela grita, completamente tomada pela dor de ser desmembrada e levada para as profundezas. "Funcionará...", diz Jonas para si mesmo. As demais criaturas chegam, um total de pelo dez seres, pelo que Jonas conta. Ele precisa ser cauteloso, não pode fazer o que planeja enquanto todas não ataquem ao mesmo tempo.

– Vamos, estou sozinho e minha espada está cravada até o cabo no chão... Estão com medo? – Provoca Jonas.



O insulto tem efeito. Mais animais que antes, as criaturas saltam violentamente sobre que Jonas, que toma uma atitude completamente arriscada. Ele segura suas mãos firmes na espada e se joga para trás, afundando até o pescoço no Rio. Ele sente quando as mãos começam a querer puxá-lo para suas profundezas, mas não dura muito. As criaturas caem em cima de Jonas de forma até mesmo cômica e uma a uma todas são agarradas pelas mãos que antes seguravam Jonas. O jovem aproveita seu segundo livre e sai do Rio Cinzento, deixando todas as criaturas sendo consumidas em dor. Ele cospe no Rio e se levanta, quando é atingido nas costas por uma criatura sobrevivente ao terminar de se erguer.

– Verme humano... – Diz a criatura. – Que aparentemente chegara atrasada a armadilha, e por isso escapara. – Você matar irmãos, mim matar humano...

– Vem! – Desafia Jonas, parecendo ignorar que deixara sua espada para trás.



A criatura salta sobre Jonas e os dois rolam no chão. Ambos trocam chutes e socos a esmo, na maior parte do tempo acertando mais o chão que um ao outro. A criatura morde o braço esquerdo de Jonas, quase no ombro, e um jato luminoso sai pela ferida aberta. É uma dor que percorre o corpo todo que se não fosse o treinamento teria incapacitado-o. Deixando-se levar por seus instintos Jonas segura a criatura pelo pescoço e pela virilha, e a joga contra a parede de pedra vermelha do desfiladeiro. Bate uma vez, duas vezes. A criatura se contorce de dor e em frenesi arranha o rosto de Jonas com suas unhas tentando escapar, mas o jovem não cede. Três pancadas... Quatro pancadas... Dez pancadas, a criatura parece estar cedendo ao cansaço. Jonas não para de bater, perde a conta de quantas vezes o corpo já inerte da criatura bate na parede do desfiladeiro. Até que a criatura finalmente se esfacela em suas mãos como pó, Jonas havia destruído esse ser. Satisfeito com o resultado da batalha Jonas urra o mais alto que pode, procurando espantar qualquer criatura restante que estivesse por ali. Mas seu urro atrai criaturas mais perigosas ainda.

– Sinto-me orgulhoso. – Diz a voz da Sombra, se aproximando sorrateira como sempre. – Meus dois discípulos anteriores não tiveram toda essa malícia, e, permita-me dizer, essa selvageria controlada...

– Porque me abandonaram? Para morrer? – Berra Jonas, voltando a sua espada e retirando-a do chão, para apontá-la na altura do que seria o pescoço da Sombra. – Passei seis longos meses nessa filial do inferno, ouvindo um monte de coisa e aprendendo sobre coisas que nem queria saber para de repente ser abandonado pra morrer assim?

– Você morreu? – Pergunta a Sombra, segurando delicadamente a ponta da espada e afastando-a de si. – Até onde vejo está bem inteiro diante de mim, mais audacioso do que nunca... Venha, tem alguém que deseja conhecer você.



Jonas hesita em acompanhar a Sombra, está cansado e frustrado. Tinha sido avisado sempre que um dia seria testado, e que belo detetive se saíra por não perceber quando seria o teste? Apesar disso, sentia que o teste era apenas para verificar as suas habilidades primordiais, e que o verdadeira prova seria quando voltasse ao topo do desfiladeiro. Ele e a Sombra caminharam rápido pelo desfiladeiro até o deserto vermelho, o último ponto conhecido por Jonas daquele mundo. Pensou se eles parariam ali para conversar, mas ao invés disso a Sombra continuou caminho, em direção a montanha para onde Jonas fora impedido de ir pelo anjo chamado Taniel. O treinamento nessas horas se mostrava eficaz, um caminho que antes levara horas fazendo fizeram em questão de menos de um minuto, desde escalar o desfiladeiro até atravessar o deserto e chegar ao topo da montanha. Ali tinha um homem vestindo manto negro aguardando sentado em uma pedra, a única parte do corpo do homem que Jonas conseguia ver eram seus olhos verdes cintilantes.

– Demoraram a chegar... Pensei que viesse sozinho. – Disse o homem, olhando para Jonas. – Você deve ser o jovem chamado Jonas. Meu nome é Dragon.

– Prazer... Mas de onde veio? – Perguntou Jonas.

– Do outro lado da montanha. Lá ficam minhas instalações há pelo menos cinco anos... Você já quase as visitou sem pedir, anos atrás, foi salvo por Taniel.

– Salvo?

– Sim, se tivesse alcançado a montanha aquelas criaturas teriam tomado você... Tomado seu corpo e teria acordado completamente perturbado, com sua alma dilacerada pelos desejos imundos dos Vermes do Vazio. Teria cometido altas atrocidades... Isso se eu não o matasse por ver demais e tivesse seu corpo transformado em Terra de Ninguém.

– Vermes do Vazio? Então o nome daquelas coisas que enfrentei eram esses... E o que é Terra de Ninguém?

– Corpos sem recheio... Carcaças na terra abandonadas por seus donos pelos mais diferentes motivos.

– Isso pode acontecer? Li a respeito, mas não acreditei muito nisso...

– Em geral existem três modos pelos quais um espírito retorna a Terra, um deles é encarnando, o segundo é possuindo um médium por um curto espaço de tempo e o terceiro, e proibido, é tomando uma Terra de Ninguém. Esse tipo de coisa acontece quando o espírito é arrancado de seu corpo de alguma forma não-voluntária ou mesmo voluntária e o corpo não morre. Geralmente na Terra confundem isso com morte cerebral. O fio-de-prata que ligava a alma ao corpo não existe, o que existe é apenas um monte de carne viva. Então um espírito vêm e se apodera da pessoa, passa a viver a vida que seria de outro, com todas as suas lembranças, mas com propósitos diferentes... Se tivesse chegado a montanha, não estaríamos conversando hoje aqui.

– Chega de lições... – Interrompe a Sombra. – Estamos aqui para terminar o último teste, Dragon, e então? O que me diz?

Dragon tira a mão do manto e diz algumas palavras em uma língua que Jonas não entende, mas compreende o que querem dizer. Imediatamente Dragon salta no ar e rodopia de espada em punho na direção de Jonas. O movimento é tão rápido que Jonas mal tem tempo para acompanhar Dragon com o olhar, porém sabe exatamente como proceder. Ele saca sua espada e auxiliado por uma sorte absurda consegue interceptar a lâmina de Dragon com sua espada no exato momento em que seria decapitado. "Bom.", diz Dragon, saltando para trás e preparando uma estocada na barriga de Jonas. O jovem espírito se joga para a esquerda desviando do ataque e consegue ter a malícia de deixar sua espada entre ele e a arma de Dragon, dificultando um novo ataque. Sem se dar conta do adversário, e preferindo não pensar mais nisso, Jonas avança contra Dragon quando este está trazendo de volta sua espada e faz um ataque simples. Dragon defende facilmente o ataque e se livra da espada de Jonas, porém não percebe que Jonas fizera isso de propósito, e aproveitando a guarda aberta de Dragon joga seu corpo contra ele e o derruba. Os dois rolam no chão e por muito pouco não rolam a montanha abaixo. Quando se levantam, Dragon ajeita seu manto negro e estende a mão para Jonas.

– Parabéns... Vejo que realmente está apto para o que lhe espera. – Conclui Dragon, voltando a se virar para a Sombra e falando na linguagem que Jonas desconhecia. – Então será daqui a duas semanas... Algum problema?

– Nenhum, prepararei Jonas para isso em breve... – Assentiu a Sombra. – Alguma observação?

– Sim, Jonas é um nome muito comum... Dê-lhe algo digno da posição que ele conquistou, se o rapaz quiser.

– Darei, pode deixar.

Dragon se despede de todos os presentes e desde a montanha. Jonas nesse momento repara que Dragon era muito mais do que aparentava, e se dá conta que só sobrevivera por sorte. "Ele era um anjo!", percebe Jonas, recebendo a afirmação da Sombra em um gesto ridículo, onde ela fazia uma pomba em sombras e em seguida uma borboleta, apontando sempre pra Dragon, este que se afastava alheio a tudo. Meia hora depois estavam de volta ao tradicional desfiladeiro onde Jonas treinava. Assim que chegaram, Jonas viu uma figura conhecida por ele e que há muito tempo não vira, o tal Anjo Taniel...