Revelação de Jonas, Missão: Terceira Fase da Missão


Revelações de Jonas: Missão
Terceira Fase da Missão
O Passado Te Condena

Albano deixou Fernando ir embora, apenas avisou-lhe que no dia seguinte deveria voltar para tratarem da burocracia de todo o processo de entrada na Organização. Fernando parecia completamente apático e distante, pois minutos depois de sair da sala deu-se conta do que fizera. O fundo não se arrependia, mas sua cabeça doía remoída pela culpa. Albano, ao contraio, sequer se importava. Renato era apenas estatística dentro da Organização, um amontoado de carne descartável que mal pra adubo serviria.

Nas horas seguintes Albano e Regina providenciaram todo o aparato necessário para transformar Renato em um perfeito testa-de-ferro da violência Carioca. Ele seria coberto de cocaína, e depois queimado em uma das fornalhas da Maré. Como estava no aeroporto, fariam tudo parecer um mero seqüestro seguido de morte, algo comum quase nunca investigado. Os agentes da Organização infiltrados na polícia civil garantiriam todos os álibis necessários e colocariam a culpa em algum bandido qualquer que morreria na mesma semana sem poder desmentir nada, mesmo que alguém acreditasse. No dia seguinte instruiriam Fernando na arte de dissimular sofrimento, pois pra evitar suposições sobre crime passional, ele iria ao enterro de Renato e prantearia todas as coisas que sempre se gritam em enterros desse tipo.

O tempo passou na Organização e o dia seguiu normalmente, dentro do que podemos considerar “normal” naquele lugar. Albano passou o dia estudando as plantas do local onde seria sua nova missão, que provavelmente levaria Fernando nela para servir de bucha de canhão. A sala de Albano ficava duas portas antes da sala de Regina e ambas eram ligadas por um corredor secreto localizado atrás da mesa de Regina e por uma parede falsa na sala de Albano. A exceção de Albano e Regina nenhuma pessoa viva sabia da localização dessa porta.

O ambiente da sala de Albano era simples. Apenas tinha uma enorme mesa com um laptop sobre ela e ligado via rede sem fio a Intranet da Organização. Também tinha uma foto de seu pai e de sua mãe, abraçados diante de um Tucano. Próximo a entrada falsa, que ficava no fundo da sala, tinha um enorme arquivo morto onde Albano guardava o material de suas missões. Ele preferia assim, pois em caso de problemas com autoridades era necessário apenas apertar um botão desse arquivo e tudo seria incinerado em segundos, o mesmo não dava pra ser feito com computadores, pois desde a invenção da internet sempre existia algum rastro. Ao lado desse arquivo tinha uma série de ganchos onde ele pendurava sempre seus sobretudos ou outros objetos que o pudessem, como armas de grande porte.

Quando já eram quase dez hora da noite, a porta falsa da sala de Albano se abriu e dela saiu Regina. Ela carregava consigo dois copos de cristal e um balde de gelo com uma garrafa de champagne dentro. Regina sorria maliciosamente e vestia apenas uma camisola fina. Ela caminhou até Albano e colocou o balde e a garrafa sobre a mesa. Tateou carinhosamente os ombros torneados de seu fiel soldado. Albano vestia aquele momento apenas uma camisa de linho cinza que Regina desabotoou-a com a boca. Albano não parecia se importar com nada que acontecia, quando de repente começou a falar:

– Ele é muito inexperiente... Não entendo porque enviá-lo para lá! – Falou Albano, sem dar atenção a todo o fogo de Regina.

– Deixe disso, soldado. – Respondeu Regina. – Vamos comemorar a nova aquisição!

– Comemorar? Ele é um ninguém no que diz respeito a Organização, e vai levar tal importância?

– Questionando ordens, Albano?


O soldado imediatamente se silenciou. Regina estava certa, ele não deveria se importar com nada disso. Apenas com as ordens. Se a Organização queria que fosse desse jeito, assim seria. No fundo Albano planejava realmente era matar Fernando na primeira oportunidade e continuaria sozinho a missão. Tirolez odiava parceiros, eles só serviam para duas coisas: atrapalhar e perder tempo. Ainda mais parceiros desse naipe de Fernando, novatos eram a pior coisa existente, disso Albano tinha certeza. Durante as duas horas que se passaram Albano e Regina se divertiram muito, principalmente Regina.



Fernando voltou para casa desolado. Sentia-se profundamente triste com tudo aquilo e, principalmente, com a morte de Renato. No fundo sabia que era a única opção, seria mais útil um deles sobreviver que os dois amanhecerem mortos. Mesmo assim era complicado sentir todo aquele conflito interno. O jovem negro chegou em casa por volta das sete horas da noite e passou pelo saguão da portaria sem falar nem mesmo com o porteiro. Subiu o elevador e ao entrar em seu apartamento foi direto para o chuveiro. No banho deixou toda a sua tristeza tomar conta de seu corpo, e ali desabou em prantos por muito tempo.



Albano despertou ainda de manhã em seu escritório. Não havia um sinal de Regina, apenas um balde de gelo abandonado e duas taças e a garrafa do champagne vazias. Para sorte de Albano, todo o piso de seu escritório era acarpetado de tal forma que parecia estar em um colchão. E toda a higiene da Organização tornava esse sono completamente possível. Albano vestiu-se, colocou seu sobretudo e saiu de sua sala em direção a recepção. Sentia um pouco de dor de cabeça e muito cansaço nas pernas. Regina era insaciável e todo aquele esforço só podia ser compensado com um bom banho. E isso sempre o lembrava dos fatos que culminaram em sua primeira noite com Regina.



...Tirolez tinha acabado de errar um tiro na Praça Saens Pena, e sentia-se péssimo por isso. E ser essa a quarta vez em que fazia isso num curto período de tempo o fazia duvidar de si mesmo. “Talvez deva treinar mais”, pensava dentro do 6onibus 422 a caminho do centro. Não faziam nem dez minutos que Regina lhe ligara pedindo que viesse rápido até a sede da Organização. Em parte Albano sentia-se preocupado com ela, no fundo sentia-se mais revoltado com todo seu azar.

Ele chegou rápido até o prédio da Organização e de cara estranhou um silêncio estranho nas pessoas. Elas pareciam dispersas das coisas, pois pela primeira vez desde que se tornara famoso, as pessoas não o saudavam, por sinal, pareciam estar imersas em um mundo próprio. Albano sentia-se incomodado com tudo aquilo e colocou a mão em sua pistola, como se procurando uma espécie de apoio para a estranha sensação que lhe tomava o peito. Em paralelo, sentia os gritos de Tirolez em sua mente exigindo libertação e muito, mas muito sangue.

Assim que chegou ao décimo-quarto andar, deparou-se com uma cena preocupante. Todos os vidros da sala de espera tinham sido estilhaçados e a porta secreta foi completamente arrombada, sendo violentamente arremessada contra a secretária, que mal teve tempo de desviar e teve seu tronco e cabeça esmigalhados completamente na parede pela força do impacto. Albano despediu-se silenciosamente da mulher, e notou que ela não era a única pessoa morta. Vários corpos se espalhavam pelos corredores, todos eles com mortes no mínimo curiosas. Um dos mortos tinha sido enfiado, sabe-se Deus como, dentro do galão de água do filtro, que agora despejava sangue sem parar.

Sentindo preocupação pelo estado de Regina, Albano deixou Tirolez no controle da situação e com sua pistola automática em mãos correu até a sala de sua superior. Assim que chegou encontrou Regina amordaçada e presa a parede por pedaços retorcidos dos ferros que antes pertenciam a cadeira.Pelo menos os corpos de cinco seguranças estavam despedaçados e espalhados pelo chão, paredes, cortinas e teto. Apenas os dois misteriosos livros e as estátuas não tinham sido atingidos. Tirolez se aproximou cautelosamente de Regina quando escutou um som e instintivamente saltou de volta para a porta por onde entrara.

Como se por mágica a mesa de Regina flutuou e voou diretamente em cima de Albano, que somente conseguiu escapar porque a mesa era grande demais para passar desse jeito. Sem dar chance da poeira abaixar, tirolêz saltou sobre os destroços e rolou pelo chão da sala, agora praticamente vazia, até Regina. Vendo as cortinas da sala balançarem provocantes, como se insinuando ao erro. Albano apontou sua pistola para os trilhos das cortinas e disparou seis tiros certeiros, que fizeram os trilhos desabarem e revelarem finalmente que além de Albano e Regina não havia mais nenhuma pessoa na sala. Com uma relativa sensação de segurança, Albano voltou-se para Regina e retirou sua mordaça, para saber o que acontecia, mas Regina apenas balbuciou olhando pra o vitral de sua sala.

– Pra cima...

Sem tempo de reação, Albano deu novo salto para trás no exato momento em que o vitral da sala de Regina desprendeu-se da janela e voou contra o lugar onde Albano estava. Uma explosão de estilhaços se espalhou pela sala, cortando Albano e Regina em diversas partes do corpo. Então, onde antes ficava o vitral tinha um homem em pé com aparentemente uns cinqüenta anos. Vestia-se com uma calça jeans preta e uma camiseta branca simples, sem marca. Seu rosto seria belo para os padrões normais, exceto por uma enorme cicatriz no olho direito, que por sinal, não abria. O homem tinha cabelos ruivos compridos e um penteado punk, com uma enorme crista de galo.

Tirolez dispensava apresentações e descarregou sua arma contra o homem, que deu alguns saltos pra trás e tombou na sala de Regina, gritando de dor. Tirolez não queria saber, puxou sua outra arma e a descarregou do mesmo jeito, com vários tiros na cabeça do homem que em questão de segundos transformou-se em uma pasta de sangue e ossos. Tirolez assoprou satisfeito o cano de sua arma e caminhou até Regina, confiante, mas então escutou um som completamente insólito.

– Acho que deveria doer, não? – Disse uma voz ecoando pela sala, vinda de um corpo sem cabeça que levantava.

O misterioso homem se levantou como se não tivesse levado nenhum tiro. Sua cabeça e seu sangue retornavam para o mesmo lugar de antes, como se nada tivesse acontecido. Tirolez simplesmente travara, pois era a primeira vez que vira algo desse tipo. Talvez tivesse visto em filmes, mas ao vivo, jamais. Quando a cabeça do homem se refez por completo ele ergueu sua mão direita e alguns vergalhões saíram rápidos do chão e prenderam Albano contra a parede, ao lado de Regina.

– O “fiel cavaleiro”... Ou seria melhor dizer “cachorro”? – Falou o homem, observando Albano profundamente nos olhos.

– ...

– O gato comeu sua língua agora? – Continuou o homem. – Bem, que mal educado eu fui... Nem me apresentei... Meu nome é Niamaran. Regina e eu fomos intimamente apresentados, você deve ser o tal Albano, não?

– O que você deseja?

– Dar ordens. Não é assim que sua Organização trabalha? Bem, eu tive uma reunião amigável com o chefe de Regina e depois de um pouco de persuasão ele me cede o comando da Organização no Brasil.

– Impossível! – Berrou Regina, finalmente compreendendo o que o homem viera fazer ali. – Jamais daríamos esse tipo de status a alguém como você...

– Será? Veja bem, eu obedeço a nenhuma regra que senão a minha regra e a de meu Senhor, logo, gostaria de mostrar a vocês uma coisa.

O homem então ergueu suas mãos e o telão de reuniões embutido na sala desceu. Niamaran sacou do bolso de Regina o controle remoto do telão e o ligou. Com um trocar rápido de canal ele sintonizou em uma freqüência estranha, com apenas chuviscos. Segundos depois uma imagem começou a aparecer de uma pessoa oculta por sombras em algo que lembrava muito um filme de ficção cientifica. A pessoa falava em uma língua estranha com Niamaran, que entendia perfeitamente e respondia. Albano percebeu então que Regina compreendia essa estranha língua. Em segundos Regina mudou de uma aparente revolta para uma resignação completa. Ela parecia aceitar as palavras de Niamaran.

– Ordens são ordens. – Disse Regina, respirando fundo. – Niamaran é o novo chefe da Organização no Brasil.

– Aquele homem então era...?

– Sim, Lúcifer, encarnado e dando ordens em aramaico, você ainda vai aprender alguma coisa dessa língua. – Interrompeu Niamaran. – Ele me colocou no comando no lugar de Abados, ou seja, Regina. Agora os dois são meus subordinados... Minha primeira ordem é para cessarem os atentados contra aqueles garotos.

– Por que?- Questionou Regina. – Um deles é o Devorador de Mundos, para nossa Organização chegar a seu objetivo temos que fazê-lo livre!

– Errado! – Berrou Niamaran. – Ele não é a Besta-Fera, é pior. Não confundam vespeiro com colméia. A fera que procuram é outra, ele não está nos livros. Se o despertarem como as borboletas quase fizeram por acidente será pior aos planos de vocês e, principalmente, aos meus... E isso vale para todos os que o cercam!

– Por quê? – Indagou Regina, querendo entender.

– Enquanto existirem ele tem algo a perder, logo, não se tornará perigoso a ninguém exceto ele mesmo... E ele está se destruindo, tenho agentes próprios fazendo isso, e em breve todos estarão mortos para nossos padrões e estarão completamente inúteis quando a hora chegar. Um tiro sem balas.

– E de resto? O que pretende então, agora que estamos sob suas ordens?

– Dar início ao plano...

Niamaran desapareceu e assim como ele tudo a sua volta. De repente Albano estava novamente na porta do prédio da Organização, ileso e sem nenhuma marca no corpo. Sua cabeça apenas doía muito. Pelo olhar as pessoas nada parecia ter acontecido, nada. Provavelmente tudo fora uma ilusão, ou algo causado pelo seu desapontamento consigo mesmo. Observou seu relógio e constatou que realmente não tinha se passado nem um minuto desde que conferira o relógio antes de caminhar até a portaria. Mas algo em Tirolez lhe fazia pensar duas vezes, pois de qualquer modo Regina tinha lhe ligado e precisava falar com ela. Assim que entrou na sala de Regina ela estava sentada sobre sua mesa chorando. Mas não era de tristeza, era de ódio. Ela amaldiçoava um nome que a poucos segundos Albano escutara em sua alucinação.

– Não foi um sonho. – Disse Regina, enxugando as lágrimas do rosto.

– Então temos um novo chefe? Mas e o que aconteceu?

– Ele aconteceu, ele quis dar uma prova de poder e me humilhou... Só uma vez encontrei alguém assim.

– Lúcifer?

– Não, Cristo. Ele tinha o mesmo poder de Cristo na Terra. Não era como nós, era muito mais... Ainda bem que você não se preocupa em entender essas coisas, apenas em acatar ordens.

– Às vezes não questionar é uma benção.

– Há, há, há, há, há! – Riu Regina, sentindo ironia na palavra “Benção”. – Você é o único que me entende...

Regina levantou-se e abraçou Albano. “As ordens de matar aqueles garotos está suspensa... E você não errou os tiros, Niamaran o fez errar.”, falou Regina nos ouvidos de Albano que sentiu-se em parte aliviado por sua falha não ser culpa exclusivamente dele. Em seguida ela olhou fundo nos olhos e Albano e Albano olhou fundo nos olhos de Regina. Seus lábios se aproximaram e eles se beijaram profundamente. Não havia amor naquele beijo, apenas um desejo cruel que um sentia pelo outro. Em seguida Regina tornou a chegar perto da orelha de Albano e disse:

– Mostre-me a maravilha que é o amor carnal...



...Envolto em lembranças, e sem dar nenhuma saudação as pessoas da Organização que chegavam, Albano pegou o elevador até a garagem e foi até seu carro, voltando para sua casa. Para sua sorte aquele seria um dia vazio e poderia resolver tudo durante o anoitecer, inclusive Fernando. Passaria então o restante do dia dormindo em sua cama. Por telefone ordenou a secretária que desse o aviso a Fernando e encerrou mais um dia tedioso de trabalho.



Enquanto isso, durante a noite, em um desfiladeiro de sangue uma figura conhecida gritava tão alto que seus berros eram escutados a milhas de distância. Ou ao menos deveriam, se houvesse viva alma naquela desolação.

– ... Por que eu precisei fazer isso? – Berrava Jonas para uma sombra imóvel e que não lhe dirigia o olhar. – Pensei que precisaria apenas manifestar aquela maldita energia, mas não! Precisei espalhar os miolos daquele cara pela sala!

– Acalme-se, você não está raciocinando... Deixe seu corpo dormindo na Terra. – Respondeu a Sombra, com um tom de voz menos calmo que o tradicional. – Não é um pedido, é uma ordem!

– Fodam-se suas ordens! – Respondeu Jonas.


A Sombra mudou de feição, ou melhor, adquiriu uma. Por mais paciente que fosse, por mais necessário que aquele moleque pudesse ser, sua arrogância estava dando nos nervos. Ela simplesmente expandiu sua aura enegrecida em torno de Jonas e o envolveu completamente. A jovem alma não teve muito tempo de reação, apenas começou a se debater enquanto seu corpo espiritual lentamente parecia ser tragado para dentro daquela criatura sombria, com a sensação de ser digerido lenta e dolorosamente. Jonas berrou e implorou por perdão, mas a sombra continuou a cobrir sua alma.

– Entenda uma coisa, pela última vez, eu não da sua laia. – Falou a Sombra, voando vários metros e depois deixando o corpo imóvel de Jonas despencar violentamente contra o chão rochoso do desfiladeiro. – Nunca, mas nunca mais me dirija desse jeito a palavra.

– Desculpe-me... – Respondeu Jonas, segundos depois, se levantando e limpando-se da queda. – É horrível conviver com os sentimentos e sensações da carne.

– Por essas e outras que todos os espíritos ao nascer têm suas mentes apagadas de outras encarnações... Quando acordar quero que se lembre que hoje será apresentado a sua missão. Será difícil e aquele homem que conheceu quer que você morra, portanto, atenção redobrada.

– Quando eu serei fundamental em seu plano?

– Você saberá exatamente quando... Agora volte ao mundo dos vivos, pois seu telefone toca.


Fernando acordou de súbito. De fato, o telefone tocava, era seu celular. Reconheceu de imediato o telefone da Organização na bina do aparelho. Respirou fundo e atendeu. Foram instruções simples, avisando-lhe que seu encontro com albano fora transferido pro início da noite, naquele mesmo prédio. Em seguida a secretária esse despediu, cobrando um encontro, e desligou. Fernando respirou novamente, dessa vez aliviado em não precisar correr pra encontrar com aquele “branquelo do Albano”. Novamente observou o visor do celular e deu-se conta que ainda eram apenas oito horas da manhã. Provavelmente a qualquer momento ligariam perguntando a respeito de Renato ou algum jornal falaria dele. “Quem dera esse momento não chegue nunca...”, pensava Fernando enquanto ia até sua cozinha e começava a preparar um pão com manteiga para comer.

Tomado o café da manhã, Fernando tomou outro banho, dessa vez pra atenuar as marcas nos olhos, pois chorara quase a noite toda até dormir. Mas agora, naquele momento, sentia-se tolo por ter desperdiçado lágrimas a alguém que de fato nunca amara, nunca dividira uma vida. “Agora estou habitando apenas um naco de carne viva, eu sou Jo... SanoDji”, disse Fernando, fazendo questão de gravar o quanto antes o nome pelo qual era chamado pelos membros, e que deveria ser sua nova alcunha. Jonas era um nome arriscado demais para ele.

De repente Fernando lembrou dos eventos do dia anterior e sentiu-se intrigado por algo. Sem hesitar foi correndo até seu quarto e arrumou os espelhos do armário de forma tal que pudesse ver suas costas. Queria ver o que de tão interessante que Regina vira. Ansioso, observou seu reflexo no espelho e tomou um enorme susto. Exatamente na base dos ossos externos, haviam duas protuberâncias estranhas, semelhantes a cicatrizes feitas a ferro e fogo. Pela aparência delas, eram novas, provavelmente surgiram quando estivera no hospital, e quando Fernando as tocou sentiu dor, muita dor. E teve a nítida impressão de escutar uma gargalhada ecoar por seu apartamento.


Novo adereço.

Uma lágrima percorreu o rosto de Fernando, mas não era de dor. Fernando sentia-se novamente traído por si mesmo, no âmago de seu ser era capaz de compreender que dessa vez a Sombra não era culpada de seu estado. Ele deveria ter se lembrado disso, se pareceria com as tais borboletas, mesmo que uma caída, ele deveria carregar alguma marca física do ocorrido. Era uma questão de pura lógica. Aproveitando a oportunidade, lembrou de que também ostentaria uma marca da Sombra em seu corpo, girou pelo espelho e sem muita dificuldade encontrou a marca em seu ombro direito. Parecia com uma tatuagem, mas quem olhasse de perto pensaria se tratar de uma queimadura. Saber onde ficava a marca naquele momento era bom, pois se lembraria de jamais usar roupas que permitissem observar essa marca. Ser negro, ao menos, ajudaria a disfarçar a marca.


Bela marca... Moda do ano.

Sem mais nada para ver, sentou-se na sala para ver televisão. Sentia-se ainda um pouco estranho, mas o que mais estranhava era a ausência de remorso. Podia aceitar numa boa estar triste ou qualquer coisa semelhante, só que o único sentimento naquele momento era essa confusão mental. Amaldiçoava-se, pois se quando os familiares de Renato aparecessem pra enterrá-lo, teria que fingir, e como fingiria um sentimento que nem sabia como era? De repente seus pensamentos foram quebrados pelo toque insistente de seu celular. Fernando se levantou, pegou-o e viu o número da Organização estampado na bina. “Nossa, já são quatro horas da tarde, perdi o dia inteiro nisso...”, pensou vendo o horário no visor. Respirou fundo e atendeu o celular a contragosto. Ao invés da voz habitual da secretária, quem estava falando do outro lado era a voz de Albano.

– Não precisa sair de casa, estou indo para aí... – Falou Albano, desligando o telefone antes que Fernando pudesse perguntar algo.


Albano tocou a campainha da casa de Fernando cinco minutos depois. Fernando correu e abriu a porta, procurando ser o mais delicado possível com aquele homem que tanto odiava. O visitante vestia seu tradicional sobretudo e debaixo dele um conjunto social também todo preto. Sua barba estava mal-feita, parecendo que tinha acabado de acordar, e seus olhos exibiam olheiras tão profundas que seus óculos escuros eram incapazes de esconder. Mas no que Fernando mais reparou foi no cheiro de Kenzo, forte e inconfundível, que chegava até mesmo a provocar-lhe estranhos pensamentos e sensações (que antes de Jonas nem eram tão estranhos).

O assassino observava Fernando, deliciando-se com o incômodo causado, e demonstrando conhecer a casa dirigiu-se direto para o sofá e ali se acomodou. Educadamente Fernando ofereceu café a Albano, porém este negou a oferta e pediu um cinzeiro. Sem cinzeiros na casa, pois ninguém fumava, Fernando improvisou e pegou uma xícara de café vazia a Albano, entregando-a como substituto ao cinzeiro.

– Desculpe a falta de cinzeiro. – Desculpou-se Fernando, puxando uma cadeira de madeira e sentando-se diante de Albano.

– Sem problemas, vamos direto ao assunto que sei que você me odeia e me quer fora de sua casa o quanto antes. – Respondeu Albano, acendendo o cigarro e tirando do bolso de seu sobretudo um tubo de arquitetura pequeno.

– O que é isso? – Perguntou Fernando, tentando sem sucesso pegar o tubo das mãos de Albano.

– São plantas, mas isso não tem nada a ver com você... Quero saber se você sabe dirigir.

– Se sei? Claro que sei!

– Ótimo, amanhã partimos para Angra dos Reis, passe no escritório da Organização e pegue seu material as dez horas da manhã em ponto. Lá te darei novas instruções.

– Posso saber o que faremos?

– Até segunda ordem somos os novos agentes de segurança da esposa do vereador local recém assassinado por um monstro no Mac Donald’s... – Nesse momento Albano repara um certo olhar perdido em Fernando. – Você tem lido jornais?

– Não ultimamente... Ando ocupado matando namorados...

– Bem, um vereador de Angra dos Reis morreu assassinado, junto com toda a equipe, e faremos o serviço de segurança da esposa dele, única sobrevivente, e que está sendo transferida amanhã do hospital Barra D’or até Angra. Vamos escoltá-la com segurança até Angra e de lá receberemos novas ordens.

– Só isso?

– Só... Agora descanse e durma... A viagem será longa e as instruções também. Sabe dar tiro?

– Não...

– Então vai aprender amanhã.


Sem dizer mais uma palavra, Albano apaga a guimba do cigarro na xícara de café, se levanta e segue até a porta do apartamento. Fernando sequer se move, preocupado com o tipo de instrução que receberá no dia seguinte. Albano sorri educadamente para Fernando, abre a porta e se vai. Está atrasado, tem que passar na sede da Organização para providenciar o material do novato e, principalmente, para passar uma parte da noite no estande de tiros. Há dois dias que não sente o gosto da pólvora em seus dedos, e ele precisa sanar seu vício de algum jeito. Se Tirolez der sorte, encontrará no caminho algum sem teto solitário para acrescentar emoção a seu treino. Alvos reais são melhores que aqueles pedaços de cartolina preta.

Fernando continuou calado na cadeira. Agora não se sentia tão mal na companhia de Albano, até parecia admirar sua frieza e dedicação, mas algo não encaixava nisso tudo. Albano parecia natural demais na sua presença, parecia até conhecê-lo, se é que isso era possível. E porque Albano sorrira ao sair? De repente tocou-se de estar sem camisa o tempo todo em que Albano estivera em sua casa. “E se ele viu a tatuagem? Pior! Se ele SOUBER o que significa?”, pensou desesperado durante as horas que levou para finalmente dormir...

Revelação de Jonas, Missão: Segunda Fase da Missão

Revelação de Jonas: Missão
Segunda Fase da Missão
O Adeus

Fernando caminhou rápido até o Metrô e em pouco tempo chegou em casa, tomou banho, e os trapos de momentos atrás foram substituídos por roupas do mais fino trato. Era uma espécie de obrigação que martelava em sua cabeça, a necessidade de se vestir bem para o que faria. Lembrou de pegar seu celular e desceu novamente a Rua Siqueira Campos apressado em direção novamente ao Metrô, isso por volta de onze e meia da manhã. A excitação do momento era tão grande que esquecera completamente de Renato ou de qualquer fato ocorrido no dia seguinte. Mas de uma coisa não se esquecera, de comer.

Assim que chegou a estação da Carioca, Fernando saltou do vagão onde estava e se dirigiu rapidamente para um de seus restaurantes favoritos no Centro. O restaurante ficava no subsolo do Ed. Avenida Central, chamado pelas pessoas tipicamente de somente 156, seu número, e o local era famoso por ser um dos pólos de informática do Estado do Rio de Janeiro. O restaurante nada tinha a ver com informática, exceto pela associação devido a localização, e sua comida era barata e saborosa, exatamente do que Fernando precisava naquele momento. Serviu-se de mais do que o necessário e somente depois de quase uma hora saiu do restaurante, tendo gastado pelo menos trinta reais em alimentação, o que poderia ser considerado até demais dado os preços do local.

Eram quase uma da tarde quando finalmente saca seu telefone celular e decide discar para o número. Sem pensar muito ele simplesmente digita todos os números de uma só vez e nada acontece, a não ser uma informação da telefonista a respeito da inexistência do número. Torna a estudar novamente seu papel, e arrisca um palpite óbvio, e ao mesmo tempo em que o fará se sentir idiota se funcionar. E funciona. Fernando disca os dois primeiros grupamentos de quatro dígitos e aguarda que a ligação se complete. Em seguida, quando uma música começa a tocar, ele digita rapidamente os dígitos restantes e então a música para. Fernando imagina que a ligação vá cair e terá a confirmação de que tudo não passou de loucura, porém segundos depois uma mulher atende friamente do outro lado.

– Como conseguiu nosso número? – Pergunta a voz feminina, sem a menor delicadeza.

– Acreditaria se dissesse que sonhei com ele?


A mulher se cala e em seguida uma gravação eletrônica é escutada. A estranha voz sintetizada explica como chegar até um prédio na Av. Presidente Vargas, como proceder e, principalmente, que Fernando deveria comparecer em pelo menos três horas caso contrário seus dados seriam invalidados. Sabendo que chegaria rapidamente no endereço, Fernando respirou aliviado por não ter ido ao Centro a toa. “Imagina se esse endereço ficasse em Marechal Hermes...”, indagou consigo mesmo enquanto caminhava tranqüilo pela Av. Rio Branco até seu destino...



...Renato acordou muito tempo depois em algum lugar completamente escuro. Pelo menos era o que sentia, pois por não enxergar absolutamente nada, parecia mais estar inconsciente ainda. Lembrava vagamente de uma pesada mão lhe agarrando por trás e do cheiro forte do sonífero. “O que está acontecendo...”, indagou, enquanto sua visão se acostumava pouco a pouco com o ambiente e novamente obtinha consciência de seu corpo.

Pra começar, Renato foi amordaçado e amarrado a uma cadeira que pelo que podia sentir, deveria ser no mínimo idêntica as cadeiras elétricas. Estava preso pelos pulsos, pés, tronco e pelo pescoço. Por sinal, a amarra do pescoço era o que mais lhe incomodava, dado que dificultava a respiração. Com os segundos passando, conseguiu finalmente ver que estava em uma sala apertada e completamente deserta com uma porta de madeira bem em frente de Renato. Os únicos objetos presentes eram a cadeira e uma mesa de madeira simples, que ficava distante o suficiente de Renato para impedir surtos de heroísmo.

Mesmo assim Renato tentou balançar inutilmente a cadeira, constatando que a mesma era chumbada no chão. Quem quer que o tenha prendido ali, assistiu filmes de fuga o suficiente para tornarem aquela situação impossível de ser superada. A Renato somente lhe restava esperar, mas nem esperou muito. Após meia hora, ou algo assim, de espera, a porta se abriu e uma luz branca iluminou toda a sala, ofuscando a vista de Renato, já acostumada com o escuro. De dentro da sala entrou um homem de aparência estrangeira usando óculos escuros e vestindo um sobretudo negro.

– Ótimo, está acordado... – Lamentou o homem, colocando a mão no bolso interno do sobretudo e tirando um frasco e um pedaço de pano.

– Calma... – Interrompeu Renato. – Antes me diz onde estou!

– Quem você pensa que é pra me perguntar coisas?


Sem dar chance a Renato de argumentar, o homem coloca todo o conteúdo do frasco no pano e cobre a boca e o nariz de Renato. Entre morrer prendendo a respiração e respirar, Renato cede a seu próprio organismo. A contragosto respira o maldito narcótico, e em questão de segundos apaga novamente e em sua mente uma voz começa a falar com clareza, uma voz que com certeza Fernando reconheceria até mesmo debaixo d’água:

– Temos um assunto a tratar...



...Em exatos dez minutos Fernando seguira todas as instruções dadas pelo telefonema. Estava nesse exato momento no prédio próximo ao DETRAN, na Avenida Presidente Vargas 1056. A sala era a de número 1304, ou simplesmente 04. Sem demonstrar toda a ansiedade que sentia, e um medo pavoroso de que tudo desse errado, Fernando subiu o elevador e foi até esse determinado andar, que por sinal, era o último. Assim que o elevador parou e suas portas automáticas abriram, uma luz branca acionada por sensores se acendeu.

Fernando viu uma pequena sala, com no máximo quatro metros quadrados, mobiliada somente por uma cadeira de espera na parede a sua esquerda e com toda a parede revestida por espelhos em perfeito estado de conservação. Até mesmo a porta do elevador nesse andar era completamente espelhada. Sentindo-se incomodado com a visão de tantos reflexos, Fernando sentou-se no banco e abaixou a cabeça, esperando por algo. Para relaxar, passados cinco minutos de completo tédio, retirou seu celular do bolso e começou a se distrair com os joguinhos de seu telefone. “Pelo menos tem ar condicionado...”, pensava enquanto o tempo passava.

Pelo menos duas horas algo de diferente aconteceu. Fernando já pensava seriamente em desistir e ir embora quando uma das paredes se deslocou para a esquerda, revelando uma segunda sala interna, onde tinham mais cadeira, um corredor e na parede a direita de Fernando uma mesa de secretária com uma mulher negra de aparentemente vinte e seis anos atendendo telefonemas. Ao escutar sua voz, Fernando percebeu que se tratava da mesma pessoa que segundos atrás atendera-lhe no telefone.

– Boa tarde senhor Fernando. – Disse a mulher, puxando uma ficha corrida de pelo menos cinco páginas e fazendo questão de mostrá-la de um ângulo que permitisse a Fernando ver que continha várias fotos suas. – Pelo que vejo chegou rápido... Desculpe a demora, mas antes que pudéssemos permitir sua entrada em nossas dependências, precisamos checar seus dados.

– Como fizeram? – Perguntou Fernando.

– Online, oras... – Respondeu a secretária, como se duvidando da ignorância do jovem. – Hoje em dia tudo pode ser encontrado na internet... Veja, você não possui fotolog?

– Tive...

– Bem, temos todas as fotos que publicou esses últimos anos... E por aí vai, demoramos em média duas horas para conseguir sua ficha completa pelos mecanismos de busca, ou você acha mesmo que o Google só pratica filantropia?

– Nunca pensei nisso...

– Bem, vamos ao que interessa, você sonhou quando com o número de nosso escritório de advocacia?

– Desde que saí do hospital... Sabe, quase morri...

– Ah sim, sabemos disso também. Suas chapas são interessantes, principalmente as de sua cabeça. – A mulher nesse momento deixou escapar um sorriso nos lábios que causaram em Fernando um estranho arrepio na nuca. – Diga-me, ainda continua com as mesmas preferências que antes ou isso também mudou?

– Preferências?

– Nada... Esqueça. – A mulher mudou de expressão e se aborreceu, não com a resposta de Fernando, mas em não ter certeza se ele era ainda homossexual. Se não fosse, gostaria de saber se sua aparência firme e forte era apenas visual. Fernando, obviamente, do pouco que entendeu da insinuação da mulher, se fez de desentendido. – Bem, Regina o aguarda no final do corredor que existe logo atrás de minha mesa, entre na porta sem bater... Ela o aguarda. E leve a papelada com você.


A mulher então colocou os papéis que segurava em um envelope pardo no formato A3, e entregou esse envelope a Fernando. Fernando agradeceu a ela pela cortesia e avançou pelo corredor. No caminho, tomado pela curiosidade, tateou um pouco o conteúdo do envelope e constatou que não tinham somente aquelas impressões em seu interior, as chapas que tirara quando saíra do hospital estavam todas ali. Não as originais, mas cópias muito bem feitas. “Espero que não tenha o dedo do Dr. Felix nisso...”, pensou enquanto se aproximava da sala de Regina.

Fernando entrou na sala de Regina tão imerso em pensamentos que nem percebeu o tamanho da porta e toda a sua riqueza de detalhes. Do mesmo modo não reparou nas estátuas angelicais e nem mesmo nos livros. Estava mais interessado na linda mulher que estava logo atrás da imensa mesa de mogno daquela sala, a própria Regina. Regina vestia um lindo blazer negro e seus cabelos estavam com um corte que destacava seus lábios e faziam seus seios fartos parecerem ainda maiores. Fernando, que há muito parara de se espantar com suas novas preferências, fervia por dentro imaginando-se deleitando-se com suas curvas.

– Eu sei que sou linda. – Falou Regina, asperamente, percebendo os olhares maliciosos de Fernando que rapidamente desapareceram dando lugar a um susto absurdo consigo mesmo. – Meu nome é Regina, e dispenso suas apresentações, já sei tudo sobre você... tudo que interessa.

– Desculpe... – Disse Fernando.

– Não precisa se desculpar, eu sei que são lindos. – Ao dizer isso, Regina tateou os seios e desabotoou o blazer, deixando-os à mostra.

– ... – Silenciou Fernando, chocado e ao mesmo tempo deliciado com tudo aquilo.

– Quer tocá-los? Pena que é apenas carne... – Ao dizer isso, Regina abotoa o blazer e se senta, mudando de silhueta e dando lugar a um rosto frio e repleto de ódio. – Não viemos para fornicar, não é SanoDji?

– Então já sabe... – Respondeu Fernando, exatamente do modo como se lembrava que a Sombra o disse para dizer, e, para seu espanto, somente se lembrava disso a medida que os segundos passavam e precisava desses dados.

– Claro, você tem certeza do que diz ser?

– Tenho, deseja uma prova direta?


Fernando então tirou a camisa por instinto e virou de costas. Não sabia o que estava mostrando a mulher, mas sabia que deveria fazê-lo. A mulher respirou satisfeita, e ordenou que colocasse a camisa novamente. Fernando novamente colocou a camisa e respirou aliviado. O que quer que tenha feito, surtira resultado. “Quando chegar em casa preciso ver o que exatamente tenho nas costas...”, pensou consigo mesmo, assombrado.

– Perfeito. – Comemorou a mulher. – Vejo que definitivamente é um de nós, mas ainda assim, preciso de sua lealdade... Antes do que tenho para te dizer.

– Que tipo de prova? – Perguntou Fernando.

– Aguarda e verás. – Disse Regina, apertando um botão em sua mesa, que ativou a comunicação interna via viva voz. – Cláudia, me chama o Albano, diga a ele que nosso Iniciado está pronto.

– Tudo bem. – Respondeu a voz. – Ele está impaciente na porta aguardando e me mandou várias chamadas de rádio.

– Perfeito.


Sem dizer mais nada, Regina pegou dentro de sua mesa uma lixa de unha e começou a cantarolar algumas músicas da Bossa Nova ao mesmo tempo em que utilizava a lixa. Fernando, um pouco mais calmo de tudo aquilo, se permitiu observar a sala e finalmente percebeu os dois altares dos anjos e os dois livros estranhos. Por um instante pensou em caminhar até um dos livros, mas algo em seu ouvido lhe disse para permanecer parado e aguardar. Em pouco mais de dois minutos, a porta da sala de Regina se abriu. Fernando viu então entrar um homem alto de aparência estrangeira vestindo um pesado sobretudo negro, e sem suar. Fernando não conseguia ver os olhos do homem, que estava utilizando óculos escuros, mas tinha certeza que era o foco de toda a atenção dele. O homem contornou a sala e cochichou algumas coisas com Regina, que sorriu feliz. Então Regina mais uma vez colocou a mão nas gavetas de sua mesa e dela retirou o jornal daquele dia, com a manchete a respeito de Fernando e Renato terem sobrevivido ao massacre do Mc Donald’s.

– Devem ter corrido muito. – Falou Regina, deliciando-se com o olhar de desespero que naquele momento aparecera em Fernando. – Acredito que deve estar reconhecendo o homem ao meu lado, não?

– Não estou. – Disse Fernando, sem mentir, pois daquele momento pouca coisa vira ou sequer lembrava.

– Bem, ele fez todo aquele serviço, o nome dele é Albano. – Disse Regina, vendo Fernando estender a mão para cumprimentar seu melhor soldado para simplesmente ser ignorado. – Bom saber que se gostam...

– O que ele tem a ver com isso tudo? – Indagou Fernando.

– Ele trouxe a oferenda para seu teste... Se estiver disposto a ser testado.

– Caso contrário?

– Albano carrega consigo uma arma carregada, diga “não”, e seus miolos farão parte da decoração, diga “sim” e seja testado.

– O que está acontecendo? Precisam realmente disso? – Ao dizer isso, Fernando cambaleou até um dos livros, fingindo estar transtornado.

– Se der mais um passo vai perder os joelhos. – Interrompeu o homem, interrompendo qualquer reação de Fernando, que simplesmente gelou e travou.

– O que vocês querem comigo? O que são vocês! – Berrou Fernando, deixando-se levar pelo medo.

– Somos a Organização, simples assim. – Respondeu Regina, guardando sua lixa de unha. – E você faz parte dela desde que despertou naquele dia no hospital, só está ficando ciente disso agora... Vamos resumir tudo, “Fernando” está morto, agora somente temos SanoDji e você nos pertence.

– Nunca!

– Ah sim... Tanto nos pertence que ouviu nosso chamado e veio que nem um cachorrinho ao chamado do dono. Nós o trouxemos a Terra com um objetivo e você há de cumpri-lo ou morrer em virtude deste.

– Terra? Por acaso vocês são loucos?

– Loucos? Não fomos nem eu e nem Albano quem sonhamos com telefones e ramais, e viemos parar aqui sozinhos. A escolha foi sua, livre-arbítrio, entende? Você no fundo no fundo sabe que essa é a verdade...


Fernando aquiesceu. Ele sabia que as palavras de Regina eram completamente verdades, mesmo que ela estivesse errando seu objetivo. Estava novamente questionando demais as coisas e se não começasse a agir mais com a razão e menos com o coração, acabaria morto mais uma vez em menos de um ano. “Agora é contigo Jonas...”, pensou enquanto se deixava levar pela aura do ambiente, que finalmente sentia e deixou que sua própria aura o preenchesse. Regina no mesmo instante sorriu satisfeita, percebendo que ao menos o jovem não era um tratante, mas que mesmo assim precisava ser testado. Um nome então saltou na mente de Fernando, que imediatamente o falou.

– Abados, quando começamos? – Perguntou Ferrnando.

– Que bom que se lembra... Bem, começamos depois que testarmos o quão desvinculado das memórias e desejos de sua carne está.

– Devo transar com você? – Perguntou Fernando, sentindo-se em parte satisfeito por poder usar esses termos.

– Não me referi a esse tipo de carne, e mesmo que a idéia me agrade, ainda não. – Fernando reparou então que Regina olhou para Albano de modo discreto, mas olhara. – Você deve exterminar algo de seu passado, Albano o guiará até a sala da libertação.


Albano então colocou-se do lado de Fernando e apontou para a porta da sala. Fernando o acompanhou pelo corredor até chegarem diante de uma sala. Albano puxou uma chave e abriu a porta, revelando um corredor com isolamento acústico dos melhores, feito em isopor com acabamento em carpete. “Precisamos ser discretos sempre, essa é a ordem.”, instruiu Albano, reparando que Fernando estava estranhando todo aquele ambiente. No final do corredor tinha outra porta, ainda mais grossa e mais isolada que a anterior. A porta dava para um pequeno quarto completamente escuro onde quando os fachos de luz iluminaram, revelou algo bizarro a mente de Fernando. Renato estava preso a uma cadeira elétrica, e dormindo profundamente.

Além de Renato apenas tinha na sala uma mesa simples, logo atrás dele, com um revólver sobre ela e muitas balas, além de um frasco de vidro vazio e um pedaço de pano. Fernando pensou em ir acudir Renato, mas desistiu quando Albano se colocou entre eles e deu um soco em Renato, que o fez acordar ainda grogue., cuspindo sangue e dentes.

– Hora de acordar. – Falou Albano, puxando os cabelos de Renato e apontando seu rosto para Fernando. – Vejo que possuem, ou possuíram, algum tipo de intimidade... Bem, vou dar a você cinco minutos para fazer o que achar melhor. Estou colocando na mesa as chaves que libertam seu namorado, agora você escolhe o amor ou viver.

– O que tenho que fazer? – Perguntou Fernando, fingindo não saber a resposta.

– Se você viu a arma na mesa, sabe muito bem o que tem que fazer... Deve matar seu namorado. Mas tem que pelo menos descarregar a arma duas vezes nele.

– Porque duas vezes?

– Porque prefiro assim... Aumentará o trauma, sua libertação dos valores anteriores a sua iniciação, e ao mesmo tempo sua frieza. Lembre-se, cinco minutos pro primeiro tiro... Se quiser se matar, faça-o também, mas isso não salva seu namorado.


Albano não deu tempo de Fernando argumentar ou sequer de abrir a boca. Largou os cabelos de Renato e saiu da sala, fechando forte a porta do outro lado. Fernando permaneceu em silêncio enquanto Renato acordava e cuspia o resto do sangue que escorria pela boca. O olhar de Renato era um misto de ódio e incredulidade. O jovem não entendia que tipo de ligação existia entre aquele homem e Fernando, que até poucos dias atrás era o amor de sua vida, e agora parecia compactuar com tudo aquilo. Fernando caminhou até a arma e começou a carregá-la, enquanto Renato voltava completamente a consciência.



Tirolez sorria do outro lado da sala. Suas mãos o tempo todo coçavam, implorando por puxar sua Magnum e dar cabo de uma vez por todas daqueles dois insolentes. “Eles ousaram sobreviver.”, pensava Albano, enquanto se apoiava na parede do corredor e tirava de seu bolso um chiclete de menta e o começava a mascar. Agora faltava pouco tempo, ou Fernando se mostrava digno de pertencer a Organização ou Albano providenciaria a ele uma passagem de ida pra o inferno, de uma viagem lenta. De repente ele escutou uma seqüência de disparos vindos da sala. Imediatamente deslocou uma parte da parede, parcialmente oculta, que revelou um painel de controle com uma tela de LCD que mostrava através de câmeras o que acontecia dentro da sala. Albano sorriu satisfeito com a cena que via.



– Renato, eu... – Balbuciava Fernando, sofrendo muito, pois apesar de tudo, de todos os problemas, aquele era o homem de sua vida.

– O que você quer? – Falou Renato. – Eu sei que você trabalha pra eles, eu vi em seus olhos... Começou quando isso? Era loucura demais pra você... Eu tinha certeza disso!

– Renato, entenda, eu... Eu...

– Porque não consegue falar? Por acaso está em dúvida? É isso? Por Deus, Fernando, decida-se de uma vez por todas, você me ama ou não?

Fernando não respondeu, não com palavras, delicadamente soltou Renato e quando o soltou o abraçou com todo o amor que poderia sentir por ele. Renato correspondeu o abraço e em seguida se beijaram. O beijo foi longo e ardente, e quando terminou, Renato e Fernando trocaram olhares ternos, repletos de amor, e em seguida Fernando falou:

– Fernando sempre te amou... Jonas nunca.

Sem derramar uma única lágrima Fernando descarregou os oito tiros do revólver no peito de Renato, que arregalou os olhos, imerso em dor, e caiu novamente na cadeira. Fernando, sem olhar um momento sequer para Renato, voltou até a mesa para recarregar sua arma. “Eu sei... Eu sei que você faria isso... Pelo menos sei que não foi o homem que amei quem fez isso... A Sombra me falou...”, balbuciava Renato, com suas últimas forças, enquanto Fernando terminava de recarregar a arma.

– Adeus, Renato. – Despediu-se Fernando. – Que a Sombra te guie até Fernando...

Fernando deu mais oito tiros na cabeça de Renato, que tombou inerte na cadeira. Albano entrou na sala em seguida, observando todo o sangue espalhado pela sala e nas roupas de Fernando. Albano sorria, ao contrário de Tirolez, pois dessa vez não mataria novatos. Mesmo não sendo a primeira vez que via isso acontecer, tinha sido um recorde, em menos de três minutos um dos Iniciados cortara de uma vez por todas os laços anteriores. E sem deixar uma bala sequer no tambor. “Esse rapaz tem muito potencial”, pensava Albano. Seja bem vindo a Organização. – Decretou Albano.


Bem Vindo!

Revelações de Jonas, Missão: Primeira Fase da Missão

Revelações de Jonas: Missão 
Primeira Fase da Missão
Choque


Fernando chorou até dormir. Acordou as sete horas da manhã do dia seguinte ainda no mesmo lugar onde desabara no dia anterior, suas mãos seguravam ainda o bilhete de Renato, arrancado de seu caderno. Súbito, Fernando se levanta e corre até a lata de lixo, procura por alguns segundos e encontra novamente o papel que fora o pivô de sua briga. Por um segundo pensa em rasgá-lo e jogar seus pedaços pela janela, mas recua e muda sua opinião. Imediatamente Fernando se levanta, corre para o banheiro e em menos de quinze minutos está na portaria de seu prédio com banho tomado, de roupas limpas e com alguns trocados no bolso além da misteriosa folha de caderno.

– Bom dia. – Diz seu porteiro, vendo Fernando sair do elevador.

– Bom dia... – Responde Fernando. – Me diz uma coisa, você conhece algum pai-de-santo bom?

– Por causa daquelas coisas estranhas? – Indaga o bom homem, enquanto pega dentro do bolso uma pequena agenda.

– É, quero ver se uma sessão de descarrego funciona... Acredita que Renato foi embora ontem?

– Acredito, menino, eu o vi saindo do elevador chorando. A briga foi feia, heim?

– Nem me fale...



O bom homem entrega a Fernando um telefone e um endereço no centro onde fica o pai-de-santo indicado. Com a convicção renovada, e provavelmente uma percepção de "nada a perder" inerente, Fernando guarda o endereço consigo e desce a Rua Siqueira Campos em direção do metrô. Em poucos minutos ele salta na Estação Uruguaiana e desce a Rua Senhor dos Passos até a indicação dada por seu porteiro. Ao chegar, dá-se conta que precisaria somente do nome da rua, pois um jovem vestindo um imenso cartaz anuncia exatamente esse endereço. Fernando pega uma propaganda do jovem e ruma até seu destino.

O pai-de-santo se localiza exatamente no segundo andar de um sobrado localizado na esquina da Rua Senhor dos Passos com a Rua Conceição, no sentido da Av. Presidente Vargas. A entrada é até mascarada pelos produtos vendidos pelas lojas do local, o qual somente se procurando seria possível encontrar algo. Fernando sobe as escadas de madeira velha do sobrado até seu segundo andar, onde logo nos últimos degraus suas narinas são tomadas pelo odor forte de algum incenso vagabundo. Segurando a tosse, Fernando chega até uma pequena porta velha com apenas uma folha de papel colada na porta com os dizeres "Estamos Aberto" impressos. Fernando abre a porta com certo receio, esperando realmente encontrar um charlatão, e suas suspeitas começam a se confirmar.

A sala do vidente é pequena, medindo pelo menos quatro metros quadrados. As paredes são cobertas por cortinas vermelhas, dando a impressão da sala ser menor do que é, e a iluminação do local, também vermelha, faz doer a vista. No meio desse ambiente existe uma mesa comprida, que divide o local em dois ambientes. Do lado onde Fernando está, há apenas um banco de visitas e uma cadeira para os consultados colocada em frente a mesa. Do outro extremo, uma poltrona de veludo vermelho. A mesa é forrada por um pano lembrando tapeçaria indiana, e sobre este têm diversos artefatos espalhados, desde tabuleiro de orixás à cartas de tarô e mesmo uma bola de cristal com iluminação especial repousa nessa mesa. Uma música baixinha de rituais afro-brasileiros completa a ambientação, que só não é um forno porque aquele local tem ar condicionado. "Estou enrolado.", pensa Fernando, enquanto se senta na cadeira de consulta.

Imediatamente, como se combinado, uma fumaça branca toma o local e quando essa abaixa o pai-de-santo está sentado em sua poltrona, segurando uma garrafa de cachaça na mão direita e um charuto na mão esquerda. É um homem gordo aparentando pelo menos quarenta anos e pele branca. Veste-se a caráter, como se fosse uma baiana de Olinda. Ele parece sério e ao mesmo tempo completamente ridículo. A luz ambiente dá a ele uma aparência malévola, que provavelmente se manifesta quando ele cobra a consulta.

– Problemas de amor? – Pergunta o homem, colocando a garrafa de cachaça na mesa, e pegando em seguida uma caixa de fósforos, mas ainda sem acender o charuto. – Dinheiro?

– Nada disso. – Respondeu Fernando. – É que tem acontecido algumas coisas...

– Não precisa dizer! – Berrou o homem, dando um susto em Fernando. – Oxalá Berimbau Coxequelê! Iêlele maracatum baobalê! Pai Damião de Ogum tudo sabe, tudo vê! Pai Damião pode ver que fizeram trabalho pra você! Trabalho dos maus!

– ... – Observou Fernando, sem nada dizer e achando até graça da atitude do homem.

Se ele não fosse um completo charlatão até poderia te ajudar. – Disse o homem, mudando o tom de voz e ficando completamente estático, ao mesmo tempo em que a luz se apagou, deixando ambos numa escuridão quase completa, não fosse uma luz tênue que vinha atravessando as janelas.. – SanoDji, você dá muito trabalho...



Ao escutar e reconhecer a voz, Fernando levou um susto e quase caiu da cadeira. Pela terceira vez escutava aquele nome, SanoDji, e dessa vez de uma pessoa que até segundos atrás apenas era mais um dos muitos charlatões que existem. O pai-de-santo, no entanto, se posicionou de modo mais confortável na cadeira, e menos exuberante, dando a ele um tom de seriedade que até segundos atrás não existiam. O que mais espantavam Fernando, era uma estranha sensação de tranqüilidade que lhe tomava a mente, como se estivesse vendo um velho amigo.

– Você realmente é muito devagar, SanoDji. – Afirmou o homem. – Ao menos não jogou fora a carta que te mandei...

– Quem? – Indagou Fernando, mas sabendo que no fundo de sua alma, sabia a resposta.

– Você sabe, eu sei que você sabe, por isso vou pular essa etapa da mensagem, mesmo porque não sei por quanto tempo vou ficar nesse idiota até que alguém se dê o trabalho de intervir...

– O que você deseja de mim?

– Que cumpra o serviço para o qual te contratei, ou morra sem cumprir... Entenda, era para nesse exato momento seus pedaços estarem freqüentando pelo menos 10 felizes receptores, mas o "milagre" – Disse o homem, dando ênfase a milagre. – de estar vivo, custou a vida de pelo menos cinco pessoas...

– Como assim?

– Entenda, você morreu. Aliás, esse corpo ESTÁ morto, acredito que os exames neurológicos tenham sido bem claros. Se está vivo, é porque eu o mantive assim e coloquei algo para mantê-lo assim. Eu sei que é difícil aceitar isso e que não vai acreditar nisso, portanto vou te dar uma prova...



Imediatamente Fernando sentiu-se tonto e seus olhos viraram. Tudo a sua volta ficou turvo, e aos poucos sua consciência se foi. De repente se viu em um desfiladeiro vermelho sangue, onde um vulto negro estava diante dele, que ele sabia ser a Sombra. Ao longe via um reflexo de si mesmo, sentado sobre uma pedra. Seu reflexo chorava copiosamente e vez por outra olhava Fernando com pesar. Nesse momento Fernando se deu conta que seus braços estavam mais magros e brancos, e de repente teve a certeza de se chamar Jonas.

– Seja bem vindo a seu lar. – Disse a Sombra.

– Meu lar? Sim! Eu me lembro! – Berrou Jonas, dando-se conta de si mesmo. – Porque entre tantos corpos na terra foi escolher justamente uma bicha?

– Espíritos não têm sexo. – Respondeu o rapaz negro, que segundos atrás era considerado apenas um reflexo. – E não me tome por bicha, ou qualquer termo pejorativo, o que tenho pelo Renato é puro e sublime amor. Amor esse que enfraqueceu por sua causa! – Nesse momento o jovem negro levantou-se com raiva e fez menção de atacar Jonas, mas acalmou-se em seguida e sentou-se novamente.

– Quem é esse? – Perguntou Jonas a Sombra.

– Fernando, quem mais poderia ser? – Respondeu a Sombra, de imediato. – É o legítimo dono do corpo ao qual possuiu quando ele julgou que sua missão na Terra estivesse cumprida.

– E qual era sua missão? – Indagou Jonas.

– Salvar dez vidas. – Afirmou a Sombra, seca e com certa satisfação na voz em dizer tal coisa. – Fernando foi enviado a terra para morrer e ajudar pessoas naquilo que chamam de doação de orgãos. O suposto milagre interrompeu a missão de modo ainda superável, pelo menos se no final de minha missão ainda existir algo a ser doado...

– Que missão é essa? – Perguntou Jonas, vendo que depois do que a Sombra dissera, o espiríto Fernando partira, deixando-os a sós.

– Vou te explicar...


Albano despertou com o rádio nextel de Regina apitando nervoso sobre seu criado-mudo. Sem dar nenhum movimento brusco, Albano permaneceu fingindo que dormia para escutar. Regina se levantou de sua cama, reclamou do horário, pois ainda eram apenas quatro e meia da manhã, e rapidamente foi até a varanda do quarto de Albano para evitar que escutasse algo, pois para terem a audácia de incomodá-la naquele horário, coisa boa não seria. Albano a seguiu com o olhar, aproveitando-se que a escuridão da noite lhe dava tal subterfúgio. Observou Regina andar de um lado para o outro da varanda discutindo de forma áspera com quem quer que estivesse do outro lado da linha. Passados menos de dois minutos, Regina voltou para o quarto e começou a falar com Albano ao mesmo tempo em que se vestia.

– Pare de fingir dormir, temos problemas. – Disse Regina, enquanto colocava sua calcinha.

– Que tipo? – Perguntou Albano, fingindo estar acabando de acordar.

– Sua missão não foi um sucesso total, parece que você deixou algo escapar. – Sentenciou Regina, colocando agora seu sutiã.

– Que tipo de algo? – Indagou Albano, quase deixando Tirolez assumir o diálogo.

– Um de nossos agentes está com a edição matutina do jornal de hoje com a cobertura do nosso serviço, e ao que parece testemunhas afirmaram que além de você, mais gente saiu daquele lugar com vida.

– Isso pode ser corrigido... Só gostaria de saber como escaparam.

– Problema seu, estou voltando para a sede agora, devo te ligar para passar essa mesma notícia.


Regina terminou de se vestir ao final da frase e deu um beijo provocante em Albano, deixando-o propositalmente excitado. Sem dar atenção a situação que criou, Regina pegou sua bolsa, seu nextel e saiu do apartamento de Albano. "Divirta-se sozinho.", provocou, batendo a porta com força. Albano imediatamente foi para o chuveiro e começou a tomar um calmante banho gelado, com o objetivo de esfriar ambas as cabeças. Uma pela provocação, e outra pela preocupação com relação a falha. Tirolez não admitia erros, e estava ansioso para saber quem eram seus novos alvos...

Muitas horas depois Fernando acorda. Está com uma profunda dor de cabeça e caído no meio da Praça Tiradentes com apenas a roupa do corpo, seus documentos, uma garrafa de cachaça vazia na mão e dinheiro suficiente apenas para ir embora. Pelo cheiro que sentia nele mesmo, provavelmente bebera muito, mas não se lembrava nem quando nem como isso acontecera. Por algum milagre do acaso, o dinheiro de Fernando estava intacto e junto as suas notas tinha a propaganda do vidente, quando pegou o papel levou um susto. Nele estava escrito um recado da Sombra, dizendo "desculpe o estado atual... não resisti.", e em seguida as ordens que Fernando deveria cumprir até o final daquele dia. As palavras finais da Sombra naquele local inóspito ainda martelavam em sua cabeça...

– ...Não se esqueça de ligar para esse número que está no seu bilhete. – Disse a Sombra. – De preferência, faça isso quando acordar e estiver preparado.

– Entendi, mas porque é tão importante assim ser hoje?

– Essa ligação é simplesmente a alma da missão, sem ela está tudo perdido... E não tolerarei falhas. – Instruiu a Sombra.

– E com quem falarei?

– Não se preocupe, quando tiver entrado em contato com eles, nos comunicaremos em seus sonhos... A partir de agora você dormirá para estar aqui. E lembre-se que precisará colocar em prática o que Daik-Haniah lhe ensinou.

– Lutar?

– Não, a manifestar a energia dos emplumados, a que eles dizem ser única...

– Precisarei? Eu não lembro se consegui fazer...

– Conseguiu por pouco tempo, e espero que consiga novamente, caso contrário terá problemas... E lembre-se, você é SanoDji, não é Jonas e muito menos é Fernando...



Além desse pequeno diálogo, Fernando lembrava-se apenas de coisas sem nexo, como se somente essas coisas específicas fossem importante. Apesar da recomendação da Sombra de realizar a ligação ao despertar, Fernando sabia que estava maltrapilho demais para causar qualquer espécie de boa impressão a quem quer que o visse naquele momento, portanto, retornaria em casa e colocaria trajes dignos. Ao menos sua partida repentina do prédio, mais cedo, seria justificada pela "depressão pós-toco", e ninguém desconfiaria de nada. E dado o preconceito dos vizinhos, ninguém sequer se importaria. Pensando nisso, Fernando seguiu caminho para o metrô e foi para casa usando o único dinheiro que tinha. Em menos de duas horas teria trocado de roupa e estaria voltando novamente para o centro da cidade.

Eram uma da tarde do dia 22 de maio, o dia seguinte a terrível discussão entre Fernando e Renato. Renato estava completamente transtornado com o comportamento de Fernando. Além de toda aquela confusão envolvendo as loucuras dele, agora Renato parecia partilhar delas, era demais até mesmo considerada toda a história de ambos. Uma coisa era ir contra o mundo, outra muito diferente era ir contra si próprio, e as atitudes de Fernando eram adversas demais para que Renato simplesmente ignorasse ou relevasse. Mesmo assim, o conteúdo da carta ainda doía um pouco no coração de Renato. Apesar de tudo que escrevera ali, no fundo não desejava abandoná-lo, mas ao mesmo tempo algo lhe dizia quase que gritando que devia fugir o quanto antes de perto de seu namorado. “Fernando não é mais aquele que amou”, dizia uma voz fraca em seus ouvidos na medida em que os minutos passavam.

“Tudo que preciso agora é uma viagem”, dizia a si mesmo enquanto observava com certa mágoa o bilhete de avião comprado na noite anterior com destino à Amsterdã, na Holanda. O avião partiria somente às oito horas da noite, mas mesmo assim ele chegara ali ainda no dia anterior e passara o dia e a noite inteiros vagando pelo Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, procurando clarear a mente. A única coisa que conseguiu foi pensar mais no assunto. E, finalmente, quando faltavam menos de seis horas para o check-in, Renato tomou a decisão mais importante de sua vida, voltar para o apartamento e conversar com Fernando uma última vez, mesmo que fosse para dizer adeus.

Tirolez estava controlando os passos de Albano desde que Regina lhe informara sobre suas duas falhas que ainda falavam e corriam. Estava realmente ansioso por instruções em seu quarto, mas também tinha certeza que enquanto não tivesse todas as informações necessárias nada poderia fazer a não ser aguardar. E Tirolez era impaciente demais. Regina saíra de seu apartamento há apenas quinze minutos, com destino ao escritório do Centro, por volta do início da hora do rush, mas mesmo assim ele dizia a si mesmo que ela estava atrasada. Para Tirolez cada segundo que passava era um risco que aumentava. Meia hora depois, de repente, seu telefone tocou e Tirolez o atendeu tão rápido que sequer o aparelho teve tempo de complementar seu primeiro toque.

– Tiro... Albano falando. – Disse, deixando Albano se libertar para dialogar, pois o uso das palavras era com Albano, não com Tirolez.

– Não deu tempo nem de dar o toque... Fique calmo, agente. – Disse a voz de Regina, fria.

– Estou calmo.

– Percebo, e o som do telefone rachando por causa da pressão de sua mão sobre ele é apenas chiado... – Discordou a mulher, escutando perfeitamente bem o som do plástico sendo quase fragmentado. – Se continuar com esse derramamento de hormônios vamos precisar de outro telefone e de outra ligação, você quer isso?

– Não, continue senhora. – Respondeu Albano, imediatamente tomando todo o controle de Tirolez e passando a tocar no telefone de maneira mais delicada que uma moça com frescura.

– Bem, estamos enviado para seu Pocket Pc, via GSM, uma redução da capa e da matéria de hoje do jornal que falou sobre os sobreviventes e anexo a essas, o endereço dos dois sobreviventes, para sua sorte moram juntos.

– Universitários?

– Não, namorados.

Albano respirou fundo e silenciou, sem responder nada, não era exatamente o tipo de serviço que mais lhe agradava. Não que sentisse alguma espécie de piedade de casais, mas geralmente suas súplicas eram ridículas e tinham o péssimo hábito de demorar a morrer, o que obrigava Tirolez sempre a desperdiçar pelo menos dez balas na cabeça de cada.

– Creio que os alvos lhe agradaram... – Comentou Regina. – Sinta-se feliz, pois todos aqui curtem matar minorias, e você vai fazer isso do jeito que mais gosta, sozinho.

– Não existem minorias, existem apenas os vivos, mortos e os mortos por mim. – Falou Albano, revoltado em seu sentimento ser confundido com reles preconceito. – Você sabe que não ligo pra essas coisas.

– Eu sei apenas que você tem dois alvos, apresse-se somente e deixe-me livre de seus pensamentos.

Regina desligou o telefone. Albano não se importava mais com essa delicadeza dela, pois sabia que a Organização o mandaria matá-la se soubessem do envolvimento de ambos. E Tirolez obedeceria qualquer ordem vinda dos superiores, e se ordenassem até se deliciaria com a morte de Regina, independentemente de qualquer sentimento que nutrisse por ela. Esse era o modo de vida do soldado, e seu único mote, o qual levaria para o túmulo.

Os minutos seguintes foram de mais tensão para Albano, até que finalmente seu Pocket PC apitou e finalmente a mensagem tão esperada chegou. Eram dois arquivos de imagem de tamanho considerável e agregado a ele tinha um pequeno arquivo de texto contendo o endereço de ambos e seus nomes completos. Por algum motivo que somente Tirolez e Albano podiam entender, os nomes de ambos os sobreviventes abriram um sorriso no cruel assassino, Renato e Fernando. Seria até normal tal sorriso em outros assassinos, se ao menos ele sorrisse, mas pelo menos não tinha testemunhas de seu raro e, por sinal, único momento de estranha satisfação.

 
Mais uma vez: Capa de Jornal... Será ele participante de Reality Show?

Albano estudou friamente todo o material e depois o apagou por completo. As regras da organização eram claras a respeito de destruição de arquivos, e por esses motivos raramente carregavam consigo papéis com instruções, ficando essas armazenadas em computadores de bolso com todo o aparato necessário e em memórias removíveis, que podiam facilmente serem descartadas e destruídas em caso de problemas. Segurança da Informação era uma das dez prioridades da Organização, a Segunda Prioridade, que para Albano era mais que isso, era uma lei inquebrável que nem a Lei da Gravidade.

De posse do material e dos endereços, Albano saiu de seu quarto e foi até outro cômodo de seu enorme apartamento, que apelidava sutilmente de “cozinha do inferno”. Se fosse para descrever o cômodo, poderíamos chamar com outro nome, simplesmente de sala de armas, mas seria extremamente ridículo simplificar tanto algo que de simples não tinha nem mesmo o dono. Era uma sala com as paredes cobertas pelas mais variadas e possíveis armas que se pudesse imaginar. Desde simples venenos a até mesmo as cobiçadas munições radioativas do exército americano (responsáveis por matar sobreviventes das guerras árabes até anos depois da guerra ter terminado), passando por revólveres enferrujados a até mesmo um pequeno kit de destruição em massa, composto por um lança míssil, uma bazuca descartável, outra reutilizável e um conjunto de disparadores de granadas. Albano naquela manhã não desejaria nada de complexo, apenas seria simples, trivial e cirúrgico, sem alardes. Faria com que tudo parecesse com a cobrança de uma dívida de drogas, coisa comum em Copacabana, ainda mais entre os da classe desses alvos.

Albano então selecionou o aparato necessário para seu novo serviço e foi até seu carro. Colocou tudo em seu compartimento tradicional e foi embora. Como era um dia quente e não desejava criar suspeitas, Albano abandonou seu tradicional visual escuro e vestiu-se como um turista tradicional, carregando consigo uma bolsa de couro onde colocaria eventuais necessidades se precisasse. O tempo para realizar tal coisa era curto, e ele precisava ser o mais discreto possível, pois o endereço ficava em uma das principais ruas de Copacabana, a Siqueira Campos. Ainda ponderava se esperaria o cair da noite para agir ou se optaria por fazer logo e ir embora. Como Albano estava com pressa, optou por fazer logo. Para tanto, passou o dia inteiro na frente do prédio, observando o movimento do local.

Por causa disso, observou o momento exato em que Fernando saiu correndo, ainda de manhã, a caminho do centro e seu retorno quando eram por volta de onze horas, completamente bêbado e imundo. Quando Albano estava se preparando para entrar no prédio, Fernando saiu novamente, bem vestido, limpo, e desceu a rua apressado em direção ao metrô, já por volta de onze e meia. Calculando que Fernando vá demorar, Albano opta por entrar no prédio e aguardar pelos dois pombinhos dentro do apartamento deles. Para tirar mais informações a respeito dos dois, assim que um dos moradores sai para passear com seu poodle, pouco antes do meio dia, Albano o segue e o aborda.

– Bom dia. – Fala Albano, vendo que sua aproximação causara certo espanto a pessoa e fizera o cachorro latir.

– Bom dia. – Responde a pessoa, um homem de pelo menos sessenta anos e aparência que dava a entender ter sido militar.

– O senhor poderia me dar uma informação? – Pergunta Albano, exercitando ao máximo seu lado social.

– Que tipo de informação?

– Gostaria de saber se Fernando e Renato moram nesse prédio...

– As bichas do penúltimo andar?

– Isso, eles mesmo.

– Já respondi... Se é como ele, meus pêsames.

– Não é isso... Eu estou a paisana para averiguar uma denúncia de atentado ao pudor aqui nesse prédio, e estou colhendo informação para processá-los.

– Porque não disse antes? Eu fui um dos autores da denúncia, vamos até meu apartamento que vamos conversar a respeito desses trastes.


Se Albano tivesse algum tipo de fé, agradeceria a Deus por ter colocado aquele homem em seu caminho. Bastaram poucas palavras de preconceito para o homem cair na sua lábia, e sem nem mesmo precisar dar sua tradicional carteirada. O homem odiava tanto os dois que até mesmo deixou Albano entrar em seu apartamento sem sequer verificar sua autenticidade. Com relativa facilidade, Albano passou pelo porteiro e foi direto para o penúltimo andar do prédio, sempre acompanhado pelo homem, que se chamava Alceu. Alceu levou-o até seu apartamento, o qual fez questão de mostrar que ficava do lado do apartamento dos dois rapazes. Albano marcou bem o número do apartamento e acompanhou o senhor Alceu até em casa. Era um apartamento típico de homens na idade dele, com móveis velhos e o odor característico de mofo.

Como Albano não queria estar ali, no mesmo momento em que Alceu trancou a porta, Albano pediu para ir ao banheiro. Alceu indicou a ele o local, e Albano entrou rápido. Era um banheiro perfeito para Albano, com uma enorme banheira, exatamente o que ele precisaria nos próximos minutos. De sua bolsa de couro, Albano sacou um frasco de sonífero e molhou uma toalha com ele. Sem que Alceu se desse conta, pois estava envolvido demais em seu próprio preconceito, Albano o agarrou e o fez dormir com o produto. O cachorro imediatamente começou a latir, mas foi silenciado por vários chutes de Albano.

Logo depois Albano pegou Alceu e o levou para dentro do banheiro. Pegou outros frascos dentro de sua bolsa e encheu a banheira. Quando a quantidade de água era suficiente para cobrir Alceu por completo, Albano esvaziou o conteúdo dos frascos na banheira e um odor ácido começou a invadir sua narina. Em seguida Albano vestiu duas grossas luvas de borracha e colocou o corpo de Alceu nesse estranho preparado. Imediatamente uma estranha reação química começou e a água começou a borbulhar com o toque do corpo de Alceu. O velho fez menção que acordaria com a dor, mas mal se mexeu foi desmaiado por um violento soco. Em seguida, Albano voltou a sala, pegou o cachorro e também o jogou naquele estranho líquido.

Enquanto esperava tudo terminar, Albano foi para a sala e ligou a televisão. Aproveitou para ver se tinha deixado alguma pista de sua presença, e mesmo sem achar nada fez uma ligação de seu celular para a Organização, avisando que provavelmente necessitaria de uma equipe de limpeza para eliminar as provas. Eram uma da tarde quando Albano considerou que já tivesse se passado tempo suficiente. Ele foi até o banheiro e viu que a mistura parara de borbulhar e havia assumido uma consistência pastosa. Com a luva de borracha, procurou pelo tampo do ralo e o abriu. Lentamente aquilo que até horas atrás eram dois corpos começou a descer vagarosamente em direção aos esgotos. Para eliminar odores ou manchas, Albano encheu a banheira duas vezes mais, até a borda e salpicou muitos produtos de limpeza para eliminar odores. Nada havia sobrado de Alceu e de seu cachorro que apenas mera lembrança, o restante descera ralo abaixo.

Depois disso Albano pegou seu kit de arrombamento de portas e sem muito trabalho invadiu a casa de Fernando e Renato. Colocou uma cadeira na janela e ficava o tempo todo sentado olhando para a rua e ao mesmo tempo para a porta da sala, e assim passou o tempo. Quando Albano já dava o dia como perdido, um táxi para em frente do prédio e dele sai seu segundo alvo, Renato. Sem dizer muita coisa, Albano se levanta e prepara uma nova dose de sonífero em outra toalha, e aguarda pela última vez...

Renato precisava dar um último adeus para Fernando, e daria a ele e a si próprio uma chance de se redimirem de suas discussões. Ele decide transferir sua viagem para o dia seguinte e pega um táxi na porta do aeroporto de volta para casa. Ainda eram duas da tarde, e independentemente do resultado da conversa, viajaria, com Fernando ou sem ele. Ao chegar a seu prédio, a primeira pessoa que vê no prédio é seu porteiro, que chama sempre de Severino, mesmo sem saber o nome real dele.

– Bom dia, Severino. – Diz Renato, cordial.

– Bom dia, filho. – Responde o bom homem, sem contraria o rapaz a respeito de seu nome, que na verdade é Emanuel.

– Sabe se o Fê está aí?

– Saiu agora a pouco, quase que você o pega aqui... Estão melhores? Ele saiu daqui hoje de manhã transtornado e voltou completamente doido.

– Doido?

– É, fedia a cachaça das brabas... Foi em casa, parece que tomou um banho e saiu, não foi encontrar contigo?

– Não... Bem, quando ele chegar vai ter uma surpresa, vou fazer um jantar para ele. Até mais, Severino!

Renato estranhou a narrativa do homem, e como Severino já dera versões estranhas a coisas simples, decidiu não se importar e foi direto a seu apartamento. Ao entrar estranhou a disposição de uma das cadeiras da sala, que estava próxima da janela, mas nem se importou muito. Reparou que Fernando passara ali rápido, como dito, e nem arrumara direito as roupas sujas que efetivamente fediam a bebida de baixa qualidade, deixando tudo amontoado de forma bagunçada no cesto de roupas sujas. Com carinho pegou as roupas e as colocou na máquina de lavar. De repente um braço forte o agarra pelo pescoço e outra mão enfia-lhe uma de suas toalhas no nariz. Renato até tenta algum tipo de esforço, mas é tarde demais, o sonífero começa a fazer efeito, e Renato apaga...