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Revelações de Jonas, Conspiração: Sexta Etapa do Plano

Revelações de Jonas: Conspiração
Sexta Etapa do Plano
Pesadelo

Fernando e Renato eram puros abraços e beijos quando chegaram finalmente ao apartamento deles, na Rua Siqueira Campos, em Copacabana. Renato estava maravilhado pelo amor de sua vida ter conseguido se safar desse problema terrível. "Nunca mais comerá um camarão sequer, nem mesmo o cheiro dele.", prometia a Fernando, entre um beijo e outro. A euforia de ambos, principalmente de Renato, era tão grande que nem mesmo repararam nos olhares preconceituosos de seus vizinhos quando passaram pela portaria do prédio deles trocando carinhos. Em poucos minutos estavam no apartamento deles. Roupas, sapatos, lençóis emaranhados e travesseiros voaram pelo quarto durante as horas românticas que se seguiram. Passado todo o momento de amor, Renato se levantou e foi tomar uma ducha quente para tirar o suor e o cheiro ruim que isso resultaria. Já bastava o cheiro de sexo deles.

– Vem tomar banho comigo? – Convidou Renato, beijando Fernando na testa.

– Não, vou ficar relaxando na cama um pouco... Preciso me acostumar. – Respondeu Fernando, pensativo.

– Se acostumar com o que?

– Em ser um milagre... Era pra eu estar morto, e estou aqui, ao seu lado, e acabamos de transar como não transamos há tempos.

– E que mal há nisso?

– Não sei...

– Então fica pensando aí, que eu vou tomar banho... Estou te esperando.


Renato deu mais um beijo em Fernando e foi direto para o banheiro. Fernando continuou parado, pensando que tinha algo de errado, ele não se sentia ele mesmo. Até mesmo de seu amor por Renato duvidava, ainda assim não conseguia compreender o porque de toda essa dúvida. Havia algo estranho naquele ambiente todo, não se sentia ali, não conseguia compreender o que estava faltando. Sem obter respostas além de escutar Renato contando feliz no banheiro, Fernando se levantou da cama e foi pegar um copo de água na cozinha.

O apartamento dos dois era um local extremamente confortável para duas pessoas jovens. Graças as condições financeiras dos familiares de ambos, conseguiram juntar dinheiro pra alugar aquele apartamento. Um quarto, uma sala, um banheiro com banheira ampla e uma cozinha não muito pequena, mas longe de ser grande, no estilo americano. Jonas foi direto pra geladeira e serviu-se de água, então ele escutou o som de um trovão. "Renato! Vai chover!", berrou, sem resposta. Estranhamente o som do chuveiro cessara depois do trovão, tudo estava silencioso demais. Fernando deixou o copo sobre a bancada da cozinha e quando saiu daquele local todas as luzes da casa se apagaram. "Agora falta luz... Deve ser alguma peça do Renato.", pensou, mas se deu conta que a caixa de força ficava na cozinha, logo, Renato dessa vez não tinha culpa.

Continuou caminhando desconfiado pela sala em direção a cozinha. Em paralelo, uma chuva de proporções absurdas começa a cair sobre a janela do apartamento, e vários trovões iluminavam todo o apartamento. De repente Fernando foi tomado pela sensação de não estar sozinho naquele lugar, e tinha certeza que não era Renato. Correu imediatamente para o banheiro, procurando por Renato. O banheiro era pequeno, no formato retangular, tinha quatro metros de profundidade e dois metros e meio de largura, Fernando conhecia essas medidas por ter sido ele a azulejá-lo todo quando vieram se mudar. Os azulejos eram brancos e iam do chão até o teto. Do lado a esquerda de quem entra ficava um pequeno armário com pia embutida, ao lado da pia ficava a janela basculante. Do lado oposto ficava a privada e no final do banheiro tinha um box amplo, pois os dois tinham o hábito de tomarem banho juntos. Quando Fernando chegou ao banheiro o chuveiro estava ligado e aparentemente Renato estava no box tomando banho. Por causa da temperatura da água, estava difícil ver alguma coisa entre a névoa, mas Fernando conseguia identificar que Renato estava lá. Porém, estranhamente sentiu um calafrio.

"Rê, tudo bem?", perguntou Fernando, sem resposta. A figura reagiu timidamente ao chamado, aparentemente ignorando. Determinado a dar um basta no seu medo, Fernando avança em direção do box e o abre. Não tem nada no box, nem mesmo o chuveiro está ligado, o som que escutava era da chuva que caía torrencialmente na janela do banheiro. De repente um som vem do quarto e Fernando leva mais um susto, parece o de algo caindo no chão. Ele corre até o quarto e não encontra nada. Cansado dessa brincadeira sem graça Fernando senta na cama e olha para a Janela. Uma palavra está escrita na janela, como se feita recentemente com dedos.


Uma palavra, um choque...


"SanoDji", balbucia Fernando, dando passos para longe da janela e sentando-se na cama. Ele continua repetindo o nome diversas vezes e uma dor de cabeça enorme começa de imediato. Ele não consegue se concentrar e nem esquecer essa palavra, que finalmente percebe não ser uma palavra, e sim um nome. SanoDji é um nome, mas Fernando consegue entender de onde sente tanta familiaridade e nem porque sente-se mal ao pronunciá-lo, uma preocupação enorme toma conta dele. Ele abaixa a cabeça para respirar e quando torna a levantar, dá de cara com uma enorme sombra negra. A sombra não parece ser de Fernando e permanece parada por segundos que parecem horas. Fernando sente-se compelido a levantar e a encarar ela de frente, e quando se levanta a sombra vem em sua direção e o chama de Jonas. Novamente Fernando escuta esse maldito nome. Ele não entende porque tantas vezes escutou esse nome e porque o persegue de tal forma, pois apesar de aparentemente causar certa repulsa escutá-lo, ao mesmo tempo causa certo saudosismo.

– Precisamos conversar... – Diz a Sombra, com uma voz serena e horripilante.


Um braço negro surge da sombra e estica até o pescoço de Fernando tão rápido que ele não tem reação. Fernando é comprimido contra a parede do quarto e se sente completamente acuado, então segura a mão negra da sombra e tenta afastá-la antes que o mate, quando faz isso leva um susto. Ele vê que suas mãos estão completamente brancas. E algo vem a sua mente, ele não era negro, ele era branco. Ele não era Fernando, era Jonas. Mas ele também é Fernando, e se não for Jonas, quem Fernando é? Imerso em desespero ele olha em volta procurando algo com que se separar da criatura e vê seu corpo desmaiado na cama... Se aquele é seu corpo, quem seria? A confusão é tão grande que Fernando grita desesperado. De repente violentos tapas atingem o rosto de Fernando. Sente-se abrindo os olhos e a primeira coisa que vê é Renato, ao seu lado, com um semblante preocupado.

– Tudo bem, Fê? – Pergunta Renato, enquanto Fernando se senta na cama. – Você estava gritando muito durante o sono...

– O que aconteceu? – Pergunta Fernando, ainda em choque.

– Quando fui tomar banho você apagou na cama, dormiu que nem um anjo... – Respondeu Renato, reparando que ao dizer "anjo", o rosto de Fernando fez uma careta. – Acho que teve um pesadelo dos brabos... Quem é Jonas?

– Heim? – Escutar esse nome pela segunda vez na noite dá um novo susto em Fernando, que desperta de vez. – Jonas?

– É, Jonas? Por acaso está pensando em outro? – Riu Renato, tentando descontrair o clima tenso que a menção do nome causara.

– De forma alguma... Só que desde que acordei no hospital, tenho escutado esse nome... Sei lá.

– Será que algum enfermeiro tinha esse nome e você escutou muitas vezes no coma? Pode ser isso... Você nunca foi de ter pesadelos.

– Nunca?

– Nunca, não se lembra...


A afirmação de Renato soou estranha para Fernando. De algum modo se lembrava de uma senhora nordestina lhe acudindo em diversas noites. Fernando chorava enrolado no lençol e essa senhora dizia-lhe para que fizesse uma prece que os sonhos ruins acabariam. Fernando sentia muita saudade dessa mulher, mas sequer conseguia lembrar seu nome ou de onde a conhecia, apenas sentia muita saudade. Renato, desistindo de tentar compreender seu namorado, levantou-se da cama e foi até a cozinha buscar copos de água para ambos, já Fernando permaneceu sentado na cama imerso em suas preocupações. Minutos depois Renato retornou com os copos d'água e depois de beberem, Fernando voltou a falar:

– Sabe, quando fui no neurologista, ele me disse que eu perderia a memória de determinadas coisas, mas não sabia quais... – Comentou Fernando. – Me lembrei agora de minha infância, e vi uma senhora nordestina cuidando de mim enquanto tinha pesadelos.

– Nordestina? Impossível... – Questionou Renato. – Não lembra? Foi criado por seus pais, e eles podiam ser tudo menos nordestinos. Nem babá você teve.

– Estranho, a memória é tão perfeita que só me falta saber o nome dela...

– Deixa disso, Fernando, vamos dormir.

– Do que me chamou?

– Fernando, ué.

– Mas meu nome é Jonas.


Renato levou um susto ao escutar essa frase. "Fernando está pirado...", pensou, enquanto corria em direção ao telefone. Bem que o médico os advertira que distúrbios desse tipo poderiam acontecer. Pegou o telefone sem fio na sala e voltou para o quarto. Fernando estava agora de pé, na janela, fazendo movimentos com os dedos no vidro. Renato parou o que estava começando a fazer e prestou muita atenção em Fernando, se algo estava errado precisava primeiro entender o que acontecia. Passados alguns segundos na janela, Fernando foi calmamente até a sala, sempre seguido de perto por Renato, pegou uma folha de caderno e uma caneta em uma mesa e sentou-se na mesma. Escreveu algo bem rápido por alguns minutos e voltou para o quarto. Renato, estranhando tudo aquilo, pegou a folha de caderno discretamente e foi até onde Fernando fora. Para surpresa de Renato, Fernando estava agora dormindo tranqüilamente, como se nada tivesse acontecido. "Sonambulismo, só me faltava essa...", pensou Renato, colocando a folha de caderno em cima do criado-mudo da cama e deixando pra ler o que Fernando escrevera no dia seguinte.

A noite terminou rápido, e na manhã seguinte a primeira coisa que Renato fez foi perguntar a Fernando se ele lembrava de alguma coisa da noite anterior. Fernando estranhou a pergunta e disse apenas que se lembrava de ter tido um pesadelo, ter sido acordado por Renato e de depois ter dormido normalmente. Imediatamente Renato sacou a folha escrita e lhe mostrou. Fernando observou a folha estupefato e novamente amaldiçoou esse nome Jonas, algo estava acontecendo com ele e não conseguia entender o que exatamente ocorria. Fernando leu a folha diversas vezes e compreendeu que era um recado, preocupante, para ele, mas ainda não entendia direito o que era Jonas. Fernando e Renato eram pessoas levemente descrentes para assuntos estranhos, como mensagens escritas durante ataques de sonambulismo, só que os últimos dias tinham sido demais para eles. De comum acordo decidiram que teriam que ir a algum lugar que pudesse ajudá-los nesse problema, mesmo que não fosse o hospital ainda.

Um recado simpático...


– Ótimo, temos um desejo, mas pra onde vamos? – Perguntou Fernando.

– Para o hospital? – Respondeu Renato.

– Não, e mesmo que fôssemos, o resultado final do exame só sai semana que vem... E haja dinheiro pra tanto hospital. – Afirmou Fernando.

– Não sei então, podemos ver com o porteiro, ele deve saber onde tem alguma coisa que saiba como nos ajudar... – Disse Renato, sem saber se estava correto.

– Ele não é crente?

– Não... Esqueceu? Tá vendo coisas de novo?

– Coisas?

– Sim, ontem você disse da nordestina, agora nosso porteiro macumbeiro virou crente...

– Nordestina? Como assim? – Nesse momento Fernando se lembrou da senhora, e teve uma revelação. – Lembrei!

– Lembrou do que?

– Essa senhora que você falou... É a mãe desse Jonas!


Renato silenciou-se de vez e saiu da cama. Precisava tomar um banho e relaxar, era o segundo devaneio de Fernando em menos de doze horas, e estava resistindo bravamente para não ligar pro Doutor Eduardo. "Talvez algumas pílulas de prozac resolvam essa crise... Ou uma caixa inteira.", pensava Renato enquanto ligava o chuveiro. Fernando percebeu que seu amado estava nitidamente preocupado com sua saúde mental e pensou em fazer-lhe algum agrado. Levantou-se da cama e ligou o rádio relógio, colocando-o em uma estação de rádio que tocava música clássica. Depois caminhou para o banheiro e sorriu maliciosamente para Renato, que já estava aos poucos se envolvendo com o clima.

– Vamos relaxar um pouco... – Disse Fernando, sentindo um misto de agonia e prazer estranho, mas que preferiu ignorar em prol de Renato.

Revelações de Jonas, Conspiração: Quinta Etapa do Plano


Revelações de Jonas: Conspiração
Quinta Etapa do Plano
Tirolez?

Albano era uma pessoa de poucas palavras... Que lembrava muito.

Era um homem magro, alto, com traços europeus. Isso contrastava nitidamente com seu sotaque nordestino, mais especificamente do litoral do Sergipe. Ele era descendente de uma família holandesa que se estabeleceu no país durante a invasão da Holanda ao nordeste. Acabou vindo morar no bairro do Leme, Rio de Janeiro, de um modo diferente do tradicional em virtude da profissão de seu pai. Seu pai era piloto de testes de aviões da FAB e por motivos de força maior teve que ser transferido para a base do III Comar, localizado na Praça XV. Esse fato aconteceu em fevereiro de 1985, quando Albano ainda tinha dez anos. A maior parte de sua infância aconteceu dentro do quartel, pois aficionado pela vida e imagem perfeita do pai, sempre o acompanhava no serviço.

Em virtude disso deu seu primeiro tiro aos doze anos com uma arma surrupiada de um soldado dorminhoco na base aérea. Seu pai soube de tudo na hora do disparo (não era surdo, assim como todos do quartel). Albano tinha dado um tiro certeiro em uma latinha de refrigerante a cem metros dele, que colocara numa mureta da base. A pontaria do jovem acabou salvando-o de uma bronca do pai e, por sua vez, dos superiores e garantindo-lhe uma vaga única na Academia de Tiro das forças armadas. E isso com apenas doze anos.

Quando completou quinze anos foi campeão brasileiro em uma competição não-oficial militar de tiro, nas categorias Alvo Estático e Alvo em Movimento. Ganhou de prêmio um curso de tiro profissional, pago pelo dinheiro arrecadado pelo concurso e foi realizá-lo nos Estados Unidos. Lá aprendeu a manejar diversos tipos de munições e os mais diversos tipos de situações que poderia passar tanto com armas manuais quanto com automáticas. Voltou com dezessete anos de sua viagem e fez prova para fuzileiro da força aérea. Foi quando seu mundo até então perfeito deu suas caras.

Seu pai havia sido deslocado, em função da idade, para funções burocráticas dentro da Força Aérea e sua mãe estava cada vez mais preocupada com ele. Albano não conseguia entender o que acontecia, em meio a volúpia adolescente, e deixou escapar diversos sinais de que algo estava errado. Primeiro seu pai adquirira o hábito de beber, e depois disso sua mãe começou a aparecer com diversas marcas pelo corpo que diziam ser provenientes de quedas as quais Albano nunca testemunhava. Mas sua mãe sempre lhe dizia para orar e para pedir proteção a Deus, pois enquanto tivesse fé, Deus os protegeria de tudo. E como um bom filho, Albano sempre acompanhava sua mãe na igreja e orava, estranhando apenas a ausência cada vez mais constante de seu pai. Era algo doentio, a fé de sua mãe aumentava na mesma proporção que a ausência de seu pai, e simultaneamente viu várias vezes sua mãe dando muitas somas de dinheiro nas mãos dos pastores da igreja para providenciar milagres que Albano não entendia quais eram.

Um dia Albano retornou de seu quartel, já com vinte anos de idade, e viu uma cena que o deixaria chocado. Sua mãe estava sentada no sofá com os olhos voltados pra cima. Em seu treinamento já tinha visto pessoas mortas antes e ele sabia o que estava acontecendo, mas nada o prepararia para chegar em casa e ver sua própria mãe nesse estado. Albano tentou ainda reanimá-la sem sucesso, foi quando percebeu que o pescoço dela tinha sido esmigalhado com muita força. Imediatamente pegou o telefone e ligou para a polícia, mas o telefone estava mudo. Sentindo uma péssima sensação, Albano se levantou e correu para a rua, tentando procurar algum vizinho. Foi ajudado pela vizinha do lado, que disse que tinha escutado uma violenta discussão entre os pais de Albano e que no final de tudo se silenciou e então o pai dele saiu apressado de carro.

Albano não queria acreditar nos fatos que socavam sua moral e sua integridade mental, e se levantou mentalmente. Pediu a vizinha para que o ajudasse chamando a polícia e disse que desconfiava de onde o pai estivesse, e que o traria para obter explicações. Pegou um táxi que o levou rapidamente para o local onde provavelmente seu pai estaria, o III Comar. Assim que chegou foi avisado pelos soldados que seu pai chegara perturbado e que estava dentro de um avião tucano que havia descido ali para fazer manutenção. Albano chegou no hangar correndo, mas só a tempo de ver o pequeno avião de acrobacias decolando rapidamente pela pista, sendo perseguido pelos mecânicos desesperados. Rapidamente Albano chegou até a torre de comando e solicitou a um dos controladores de vôo que tentasse falar com seu pai.

– Avião Tucano T-27, responda. – Disse o controlador. – Você decolou sem autorização da Torre, solicitamos retorno imediato ao local de origem. Câmbio.

– T-27 respondendo. – Disse o pai de Albano, do outro lado.

– Pai! Volte! – Berrou Albano, no microfone. – O que está fazendo? Enlouqueceu?

– Não filho, eu voltei ao normal... Um monstro como eu não pode viver em sociedade. – Informou seu pai. – Se você está aqui, viu o que fiz... Foi quando me dei conta do que deixei acontecer comigo mesmo. Deus me perdoe pelo que fiz, e pelo que farei. Câmbio, desligo!

Sem dar tempo de Albano falar mais nada, seu pai desligou o rádio em definitivo. Os radares do CINDACTA I ainda acompanharam a viagem do EMB-12 pelo radar até que ele desapareceu na imensidão das águas do oceano atlântico. Albano acompanhou tudo isso pelos radares com lágrimas nos olhos. Mesmo depois que o radar cessou de emitir informações sobre o tucano, Albano permaneceu parado no mesmo local, sem emitir reações. Preocupados com a saúde mental dos fuzileiros, os controladores de vôo chamaram uma equipe médica para ajudá-lo.

Dois meses de terapia se passaram no centro de saúde das forças armadas, em completa internação. Albano parecia ter se desligado do mundo nesse período, pois tudo aquilo que considerava mais sólido esfacelou-se como castelo de areia ao ser atingindo por uma onda do mar. Nessas semanas todas pensava na fé de sua mãe e de seu pai, em sua própria fé, e indagou-se onde estaria Deus nisso tudo. Sua resposta foi tão silenciosa quanto o que julgara ter percebido naquele fatídico dia. Exatamente no dia 19 de Julho de 1995, Albano recebeu alta do hospital psiquiátrico das forças armadas e foi levado para uma nova casa nos alojamentos da Vila Militar, com o objetivo que esquecesse as cenas horríveis que passara no Leme. E Albano permaneceu trancado naquele lugar, de licença médica, sem dizer uma única palavra por mais quase um ano.

Em março de 1996, uma pessoa foi a casa de Albano. Era um homem branco de cabelos loiros compridos, com aparência alemã, olhos azuis e uma voz sedosa. As mulheres da Vila Militar que moravam próximas de Albano ficaram encantadas pelo homem, que além de bonito era um verdadeiro cavalheiro. Ele tocou a campainha diversas vezes, sem resposta, até que um transeunte disse que a porta ficava sempre aberta e que Albano nunca saía de casa. O homem sorriu e abriu a porta. Como se conhecesse a casa, ele foi direto até o quarto de Albano, onde o militar licenciado assistia televisão.

– Bom dia, jovem Albano. – Disse o homem.

– ... – Silenciou Albano, apenas virando seu rosto na direção do desconhecido.

– Meu nome é Felipe, sei que é uma pessoa de poucas palavras, mas vim aqui oferecer um emprego... Uma forma de expurgar toda essa dor que sente em você.

– ...

– Bem... Eu represento uma firma de advogados que fica localizada nesse endereço da Avenida Presidente Vargas. – O homem entrega um envelope fechado na mão de Albano. – E temos para você uma nova possibilidade em emprego, algo que vai te tirar desse marasmo a que se submeteu quando aquele incidente trágico ocorreu.

– Quem lhe falou? – Perguntou Albano, falando pela primeira vez naquele mês.

– Temos nossas fontes... Se quiser saber mais, procure-nos.

O homem saiu do quarto de Albano e desapareceu em minutos, sem deixar qualquer vestígio de sua presença. Albano se levantou e foi até a janela de seu quarto, segurando o envelope. Com um canivete o abriu, e nele apenas tinha uma seqüencia de 12 números, divididos em três grupos de quatro algarismos cada. "Um telefone e um ramal, acredito.", indagou Albano. Ele foi até sua sala e discou os números na ordem em que apareciam, e uma voz eletrônica atendeu. "Somente recebemos ligações de celular", dizia a voz. Albano estranhou e se lembrou que o homem falara que o escritório ficava na avenida Presidente Vargas, e decidiu ir para lá. Horas depois estava na avenida Presidente Vargas, próximo a igreja da Candelária. Pegou seu celular e discou para o número. A voz eletrônica foi substituída por outra gravação, de uma mulher de voz sexy.

- Boa tarde, nosso endereço é Av. Presidente Vargas 1056, Sala 1304, obrigado. – Disse a gravação, repetindo diversas vezes.

Albano imediatamente caminhou até esse prédio. Era um prédio próximo a sede do DETRAN, com uma bela portaria e muita gente entrando e saindo. Parecia ser um simples prédio comercial, e por esse motivo não foi necessário se identificar com o porteiro. Depois de alguns minutos de espera na portaria, o elevador chegou e ele subiu até o décimo - terceiro andar, para a sala 04, que, aliás, era o último andar do prédio. Quando a porta automática do elevador abriu, Albano levou um susto, não havia corredor nesse andar, apenas uma sala pequena com as paredes cobertas por espelhos que davam a ilusão de ser um local maior que seus aproximadamente quatro metros quadrados. Do lado esquerdo da sala tinha um banco acolchoado com encosto, onde Albano se sentou, e uma câmera de segurança ficava apontada diretamente para o banco, na parede oposta. Assim que o elevador fechou suas portas, as luzes da sala se apagaram, deixando à mostra somente um ponto vermelho do sensor da Câmera de segurança.

A espera durou pouco tempo. Albano escutou um clique e uma pequena fresta de luz apareceu na quina da parede, revelando que uma das paredes era na verdade uma imensa porta corrediça coberta por um espelho. As luzes tornaram a acender e um homem baixinho vestindo um terno negro, oriental, veio até ele vindo por essa porta.

– Boa tarde, Senhor, em que posso serví-lo? – Perguntou o homem, com um leve sotaque que Albano não sabia de onde era.

Albano nada disse, apenas entregou o envelope que recebera. O homem sorriu gentilmente e pediu a Albano que o acompanhasse. Eles seguiram por um corredor com pelo menos cinco portas que ia dar em uma curva, nessa curva aparecia outro corredor com apenas uma enorme porta de madeira no final. O chão daquele lugar era todo acarpetado em vermelho, exceto quando estavam a uns dois metros dessa porta de madeira, onde o carpete vermelho acabou dando lugar a um carpete negro. O oriental parou de acompanhar Albano e disse a ele que abrisse a porta e aguardasse que seu anfitrião estava aguardando-o.

Ao entrar na sala Albano deu de cara com um imenso saguão cinzento. O saguão era do mesmo tamanho de uma sala de cinema. Todas as paredes eram adornadas por cortinas negras com detalhes em dourado mostrando diversas cruzes nas mais diversas posições. A uns três metros de altura, oposto a porta, tinha um maravilhoso vitral mostrando a figura de um anjo com uma asa de penas do lado direito e uma asa de dragão do esquerdo. Logo abaixo desse vitral tinha uma enorme mesa de escritório com um jogo de duas cadeiras para visitas e uma bela cadeira de diretor para o provável dono de tudo aquilo. Sob a mesa tinha um terminal de computador e algumas papeladas.

Na parede a esquerda de Albano tinha um altar com um livro aberto sobre ele. Ao lado do altar estava uma estátua de um anjo feita em puro mármore, segurando imponente uma tocha. O altar e a estátua eram iluminados por uma luz branca direta, que dava uma posição de destaque interessante a tudo aquilo. Na parede oposta tinha outro altar com outro livro sobre ele, um livro de páginas negras. Ao lado desse livro também tinha um estátua de um anjo, mas sua posição não era altiva como a da outra estátua. Ele estava de joelhos, com as mãos abertas tocando chão, e olhando para o alto com lágrimas no rosto, dando-lhe um olhar sofrido. Suas asas estavam danificadas, parecendo que tinham sido quase totalmente destroçadas, e suas mãos seguravam penas, e tinham dessas penas esculpidas por toda a base da estátua. Nesse local a iluminação provinha de uma luz azul escura dando um aspecto sombrio a essa parede.

Albano ficou curioso em saber o que continha em cada um dos livros e caminhou afoito em direção do livro mais bem iluminado. Assim que chegou nele se decepcionou, o livro estava completamente em branco. Folheou outras páginas, sem desmarcar a original e continuou sem encontrar nenhum palavra, e decidiu ver sua capa. Nela estava escrito "Livro das Revelações". de uma forma muito antiga, aliás, o livro parecia ser muito antigo, dado que pelo que Albano percebeu era todo costurado a mão e com a capa feita do couro de algum animal. Depois disso voltou sua atenção para a estátua do anjo. Tinha nela uma assinatura e uma explicação, ambas em Italiano, as quais teriam sido completamente indecifráveis por Albano não fosse uma placa de vidro salvadora na parede, mostrando a tradução do que estava escrito.

L'Angelo di Verità.
Elemento portante della luce Divine, quell'che porterà la verità e la vergogna.
Di Raffaello de Urbino


"Anjo da verdade. O portador da luz divina, aquele que trará a verdade e a vergonha.", leu Albano, intrigado. Enquanto caminhava para o outro lado da sala, escutou o som de uma porta se abrindo e de trás das cortinas da parede onde estava saiu uma pessoa. Era uma mulher de pelo menos um metro e oitenta, de cabelos negros perfeitamente lisos e usando um óculos escuros. Vestia um blazer preto que exaltava suas formas perfeitas e usava um perfume que mexia com os brios de Albano. Ela se dirigiu calmamente até a grande mesa de escritório e sentou-se na cadeira que parecia ser a ela reservada, a do chefe.

– Pelo que v, gosta de boa arte... – Disse a mulher, enquanto apertava um botão na mesa. – Tragam vinho para mim e um... O que deseja beber?

– Um copo de água, apenas. – Respondeu Albano.

– ....Água para nosso convidado. – Pediu a mulher, soltando o botão da mesa. – Bem, meu nome é Regina, o que é?

– Albano.

– Albano, tudo bem. O que o trouxe aqui?

– Um de seus funcionários, Felipe... – Ao ouvir Albano dizer o nome de seu contato, Regina rapidamente mexeu no mouse do computador e depois de dedilhar muito no teclado ela se virou novamente para Albano.

– Ah, sim... Estou com seu histórico aqui. Diga-me, qual sua posição a respeito de Deus?

– Heim? Porque a pergunta?

– Dependendo da sua resposta, tenho algo a lhe dizer ou não...

– Quer saber se acredito em Deus? Isso?

– Não, quero saber o que diria dele se fosse uma pessoa... Se não acreditar, não faz diferença para o que quero saber.

Albano silenciou, nunca escutara uma pergunta desse tipo antes, pelo menos não nessas circunstâncias. A mulher parecia ter muito dinheiro e transpirava seriedade, mesmo com toda sua sensualidade. Albano sentiu que suava frio por algum motivo que desconhecia e mesmo assim não conseguia pensar em uma resposta a esse questionamento. Aliás, ele tinha uma resposta sim, sempre se perguntava onde estava Deus enquanto seu pai estrangulara sua mãe, e onde esse mesmo Deus estava quando seu pai voou em direção a morte. ele sentia certa raiva dessa entidade misteriosa, mas nada que lhe dessa ódio, apenas indiferença.

– Sou indiferente com relação a Deus, se quer saber... Ele lá, eu aqui. – Respondeu Albano.

– Ótimo... Então vamos conversar...


O tempo passou, dias viraram semanas, semanas viraram meses e meses tornaram-se anos. Albano fazia parte da Organização desde 13 de Março de 1996, e agora, dez anos depois, dia 13 de março de 2006 era uma das pessoas mais respeitadas da Organização. Ele realizava pequenos trabalhos para a organização, que envolviam desde a ameaças simples a até queima de arquivo. Era, segundo Regina, o líder do setor dele. Desde que entrara na Organização, Albano nunca fez perguntas, ele sentia-se compelido a servir essa Organização sem perguntar por suas intenções, exatamente como aprendera no quartel. "Soldados não questionam ordens, soldados cumprem ordens.", dizia para si mesmo quando alguma dúvida aparecia. Esses serviços eram perfeitos para liberar a raiva que sentia de tudo que acontecera com sua família no passado, e até mesmo dentro da organização ele tinha um apelido por causa de sua eficácia e mudez completa. Era Tirolez. Porque esse nome? Ninguém sabia responder... Mas Albano gostava desse nome.

Revelações de Jonas, Conspiração: Quarta Etapa do Plano


Revelações de Jonas: Conspiração
Quarta Etapa do Plano
Nova vida

Fernando acorda como se estivesse em uma espécie de transe estranho. Olha para os lados e se vê entrevado numa cama de hospital. Não lembra exatamente como veio parar aqui e nem o que o trouxera para cá, mas tem certeza que quer se levantar. Sem muita precaução arranca com violência os tubos que até momentos atrás faziam a função que seus pulmões faziam antes, o que lhe dá profunda dor, pois parecia não fazer isso há muito tempo, simplesmente respirar. A seguir arranca de seu braço direito a agulha de onde vinha o soro e os remédios que lhe mantinham alimentado. Um esguicho de sangue saiu de sangue em resposta a violência de seu ato, sujando toda a maca e parte dos equipamentos. "Preciso saber que dia é hoje... Preciso saber...", pensa enquanto caminha em direção a um espelho.

Ele leva um susto. Ao olhar no espelho vê diante dele um jovem de cor branca com aproximadamente dezessete anos, de cabelos emaranhados e desnudo. A imagem dura até Fernando coçar os olhos e se ver novamente como é. Fernando é um rapaz negro no auge de seus vinte e cinco anos, físico atlético e medindo aproximadamente um metro e setenta e cinco de altura. Não possui cabelos, sempre os raspando pelo menos uma vez por semana, para manter sua cabeça sempre o mais lustrada possível. Recuperado da visão estranha que vira no espelho, Fernando sai de seu quarto no exato momento em que os enfermeiros do andar chegam para ver o que acontecera com o paciente, cujos sinais de vida subitamente desapareceram.

– Milagre! – Berra um dos enfermeiros ao ver Fernando de pé diante deles, saindo da sala.

– Heim? – Indaga Fernando. – Não estou entendendo nada...



Os enfermeiros ficam estáticos alguns segundos, na maioria do tempo se benzendo, e então, com a eficácia tradicional de quem trabalha naquele hospital, tratam do ferimento que Fernando fizera em si mesmo ao arrancar a agulha intravenosa. Um deles, uma senhora negra de aparentemente uns cinqüenta anos, corre até um terminal telefônico instalado no corredor e chama pelo médico de Fernando. "É um milagre doutor Eduardo... Ele está aqui no corredor, andando...", diz a mulher empolgada para alguém no fone, sendo escutada por Fernando. Depois disso ele não escuta mais nada, pois é guiado pelos demais enfermeiros de volta a sua cama de hospital. Com o cuidado tradicional eles limpam Fernando e colocam curativos nele, verificam também se quando ele retirou o respirador, se nada ficou dentro dele. Quando terminam todo o tratamento, é o tempo exato que leva para o Dr. Eduardo chegar correndo na sala.

– Oh, meu deus! – É a única coisa que Dr. Eduardo fala, ao ver Fernando sentado na maca.

– Boa... – Diz Fernando, dando uma pausa e olhando a janela, constatando que é o início da manhã. – Ops, bom dia doutor...

– Bom dia, Fernando. – Responde Dr. Eduardo, ainda chocado. – Como se sente?

– Confuso, não sei porque estou aqui e nem que dia é hoje...

– Hoje é dia 12 de maio de 2006, Fernando, e você está aqui por causa de um camarão que consumiu há pelo menos vinte e quatro horas atrás.



Imediatamente, como se pegasse no tranco, Fernando se lembra desse evento. Ele está na praia de Copacabana com amigos quando um deles lhe oferece um pedaço de seu salgado. Faminto, e como nunca nega comida mesmo sabendo dos males que comer na rua podem lhe causar, ele abocanha um bom pedaço da comida e engole sem mastigar muito. Em seguida bebe um bom gole de refrigerante e volta a conversar. "Muito bom... É o que?", pergunta ao amigo, gostando do sabor do salgado. "Risole de camarão, Fernando, gostou?", responde o amigo para seu desespero. Fernando é absolutamente alérgico a camarão, mesmo tocar seus dedos nele cru lhe dá ulcerações nas partes que tocaram o animal, um caso raro e perigoso de alergia. Fernando coloca o dedo na garganta tentando provocar o vômito enquanto os presentes que conhecem seu problema correm em seu auxílio. Sente uma dor horrível no estômago que passa rapidamente para o peito. Fecha os olhos e quando abre novamente vê o Dr. Eduardo falando com ele algo que não compreende, então simplesmente apaga.

– Foi uma situação complicada. – Diz o Dr. Eduardo. – Você chegou aqui com um choque anafilático dos mais complicados que já vi em minha carreira médica... E na dos demais especialistas daqui. Tivemos que reanimá-lo mais de quinze vezes durante o procedimento de retirada do alimento... Seu cérebro passou praticamente mais de quinze minutos sem oxigênio, é um milagre até que consiga falar algo que se compreenda.

– Nossa... – Balbuciou Fernando, olhando para uma imagem sacra no topo de seu quarto.

– Exato, e se tiver algum tipo de fé, aconselho-o a agradecer muito porque você teve muita sorte hoje.



Fernando comemorou por dentro, estava vivo e isso era maravilhoso. Uma morte ridícula dessas seria algo vergonhoso para ele, preferia morrer atropelado ou num assalto, mas por causa de um camarão... Dr. Eduardo aconselhou ele a passar mais dois dias no hospital para efetuarem alguns testes nele, mas o que Fernando mais queria era retornar para casa. Nesse momento teve um lapso de memória, não sabia porque queria voltar tanto para casa, mas queria voltar. Preocupado com isso, interrompeu Dr. Eduardo nos exames de praxe (como escutar o coração e a respiração) e começou a falar:

– Doutor, eu estou com a impressão de estar esquecendo algo... – Falou Fernando.

– Não se preocupe, esse problema é normal quando acontecem as coisas que te descrevi. – Respondeu o Dr. Eduardo – Amanhã o neurologista chefe do hospital vai examiná-lo antes de saber se levará alta ou não, até lá, descanse e relaxe, com o passar dos dias tudo vai voltar ao normal.



Algo no interior de Fernando gritava que as coisas jamais seriam normais para ele, mas ele preferiu ignorar essas impressões e relaxar um pouco. Com o término dos exames preliminares, Dr. Eduardo se despediu e saiu da sala, pedindo apenas a Fernando que mantivesse preso nele os eletrodos do monitor cardíaco, pois não queriam maiores problemas. Seguindo as orientações do médico, Fernando deixou as enfermeiras prenderem novamente o equipamento em seu peito e apesar do desconforto causado pelos fios, acabou cedendo ao tédio e adormecendo meia hora depois, pra querer acordar. Mal Fernando adormeceu começou a escutar vozes em volta dele, chamando por um nome que lhe era familiar, mas ao mesmo tempo sentia-se compelido a esquecê-lo. "Jonas! Jonas!", diziam diversas vozes, em torno de Fernando.

Incomodado com as vozes e uma sensação incômoda de estar sendo observado, Fernando abriu os olhos. Ele se viu cercado de muitas pessoas, com fisionomias as mais diversas, que olhavam ele com profundo pesar. Olhou para si mesmo e via que sua pele não era negra, mas branca. "Você não tem idéia do que fez Jonas.", disse uma senhora de aparentemente sessenta anos. "Seu egoísmo é terrível. Como pôde?", perguntou um senhor negro, com pelo menos trinta anos. "Não acreditamos que fosse capaz disso.", falou uma criança de no máximo doze anos. Fernando fechou os olhos e gritou que parassem de falar seu nome, que parassem de culpá-lo por algo que não entendia. Então sentiu mãos o sacudindo e abriu os olhos, era uma enfermeira.

– O senhor está bem? – Disse uma enfermeira, com olhar preocupado.

– Onde eles estão? – Perguntou Fernando, ainda grogue.

– Eles quem? – Respondeu a enfermeira. – Só estamos nós dois aqui... Deve ter sido um pesadelo, senhor.

– Pesadelo...?

– É, o senhor dormiu algumas horas atrás e não faz cinco minutos que começou a gritar e se debater na cama, no início pensei que fosse algo mais sério, mas pelo jeito foi só um sonho ruim.

– Faz quanto tempo que dormi?

– Seis horas pelo menos, não era meu turno, mas me avisaram do milagre que aconteceu contigo... Graças a deus o senhor está bem.

– Obrigado.



Fernando sentiu uma vontade absurda de ir no banheiro e perguntou onde ficava o mictório, a enfermeira apontou rindo para uma porta bem em frente a maca. "Ah, obrigado de novo...", respondeu Fernando sem graça e caminhou para o banheiro. Depois de aliviar sua vontade, perguntou a enfermeira se ela tinha alguma idéia de quando seria liberado, e ela deu com os ombros, sem saber. Disse apenas que o Dr. Felix, neurologista, tinha avisado que o exame de ressonância magnética seria feito as quinze horas, e que já eram quase quatorze horas. A enfermeira perguntou a Fernando se ele não havia sentido falta de algo, e Fernando estranhou a pergunta, querendo entender o motivo de sua dúvida.

Novamente a enfermeira deu com os ombros e avisou que mesmo que fosse embora, provavelmente só poderia fazer acompanhado, e isso aconteceria as dezoito horas, durante o horário de visitas. Ao escutar a palavra "visitas", Fernando ficou empolgado e ansioso por esse horário, mas não conseguia lembrar porque ficava ansioso, sequer desconfiar do motivo. Parecia um bloqueio na sua cabeça. Desistiu de entender o que se passava consigo e decidiu aguardar a hora do exame. Enquanto o tempo passava, a enfermeira deixou a refeição de Fernando e voltou para a sala das enfermeiras. E Fernando assistiu televisão pra passar o tempo, sentia-se como se não fizesse isso há meses.

Finalmente chegou a hora do exame, Fernando estava ansioso por ele pois isso definiria se ele voltaria para casa naquele dia ou se demoraria ainda mais naquele hospital. O responsável por isso seria o neurocirurgião Felix Almeida, o chefe dos neurocirurgiões do hospital Copa D´or, e com certeza, da rede D´or. Fernando foi deitado em outra maca e levado de elevador até o andar onde ficava a sala de ressonância. Ao entrar na sala sentiu o cheiro de limpeza do local e um frio absurdo gelou-lhe da cabeça aos pés, e estar nu vestindo apenas a fina roupa de hospital não ajudava nada. "O equipamento é caro, não podemos deixá-lo pifar por causa do calor do Rio, daí a necessidade do frio excessivo... Mas você vai sair daqui rápido.", explicou o enfermeiro que empurrava a maca.


Máquina de Ressonância Magnética.


Fernando se levantou e deitou sob a superfície gelada do aparelho de ressonância. Seria um exame rápido, assim esperava, senão provavelmente teriam que tirá-lo com um quebrador de gelo. O Doutor Felix chegou segundos depois, apresentando-se educadamente e com um ar de ceticismo que deixava Fernando assombrado.

– Bom dia, senhor Fernando, meu nome é Dr. Félix, mas se quiser me chamar de Almeida não tem problema. – Disse o Dr. – Como pode ver, estamos diante de um aparelho dos mais modernos do mundo, e apesar de você estar nitidamente saudável para seus próprios padrões e para os dos demais funcionários do hospital, não sou tão crente quanto eles em milagres, apenas acredito no deus ciência. Se pode ver, essa mesa possui um sistema de rolamento igual a aqueles de caixas de supermercado que vão levá-lo até o interior do aparelho. – Enquanto falava, apontou para o buraco branco do aparelho de ressonância. – Lá dentro será bombardeado por íons e outras coisas mais que irão mapear toda sua cabeça, de forma tal a procurarmos eventuais problemas que podem a longo prazo transformar seu dito milagre em tragédia.

– Quanto tempo isso leva? – Perguntou Fernando.

– De cinco a dez minutos. Devo lembrá-lo que tem que tentar ficar o mais calmo possível, não é comprovado que isso interfira no resultado, mas como a atividade intensa altera o fluxo de sangue no músculo, e o cérebro é um músculo, quanto menos pensar melhor para o exame. Consegue passar algum tempo sem pensar? Se não conseguir, tente prestar atenção na música, que coloco propositalmente nos exames para acalmar os pacientes. E tente não se mexer, mas com o frio intenso sei que vai tremer. Ah sim, feche os olhos, a luz é forte. Boa sorte, senhor Fernando.



O Dr. Felix saiu da área do aparelho e foi para a sala de operações, onde um outro funcionário aguarda para dar início ao exame. Com um apertar de botão, o mecanismo de rolamento da máquina se ativou e Fernando entrou vagarosamente na máquina, ao mesmo tempo em que luz brancas muito fortes se acendiam. "O resultado do exame preliminar será imediato... Mas ainda assim analisaremos o material por mais alguns dias, logo, mesmo que vá embora hoje, provavelmente voltará aqui semana que vem para o resultado preciso.", avisou Dr. Felix a Fernando, falando alto de forma que pôde ser ouvido por Fernando de dentro do aparelho. Em seguida Fernando começou a deixar-se levar pela música e pelo frio, relaxando completamente.

Vinte minutos depois Fernando estava novamente na cama do hospital. Tudo estava aparentemente bem, seu cérebro não tinha nenhum coágulo ou problema similar. Era o que Fernando precisava saber para ir embora do hospital. A única resposta que não lhe agradou foi quando perguntou a respeito dos lapsos de memória e o Dr. Feliz disse que provavelmente era por causa da falta de oxigenação do cérebro quando teve as paradas cardíacas, e que eventualmente algumas memórias voltariam do mesmo modo que outras jamais viriam, pois estavam em áreas mortas do cérebro. O dia passou novamente diante da televisão até que o horário de visitas chegou e Fernando foi tomado por uma empolgação tão grande que chegou a estranhar. Nesse momento um rapaz de boa aparência, com no máximo vinte e dois anos de idade, de corpo malhado e bronzeado de praia entrou no quarto de Fernando trazendo flores.

– Fernando... – Disse o jovem, com lágrimas nos olhos.

– Renato... – Respondeu Fernando, de instinto e para seu estranho espanto ao lembrar desse nome.



E os dois jovens rapazes se beijaram apaixonados...

Revelações de Jonas, Conspiração: Terceira Etapa do Plano

Revelações de Jonas: Conspiração
Terceira Etapa do Plano
Partida



– Sombra Negra, precisamos conversar... – Disse Taniel, ao ver a Sombra chegar acompanhada de Jonas.

– Conversaremos então... – Falou a Sombra. – Com ou sem privacidade? – Perguntou na linguagem que Jonas não compreendia.

– Com privacidade... – Respondeu Taniel, na mesma língua.

– O que o fez descer dos céus para esse pequeno inferno, Taniel? – Afirmou a sombra, em seguida mudando para a língua comum. – Por acaso sente falta de seus semelhantes?

Jonas estranhou a mudança súbita de idioma da Sombra. Obviamente de propósito ela dera a ela uma informação que o levou a pensar que a Sombra assim como Taniel seria um anjo, ou pelo menos era um anjo caído do mesmo patamar de Mizovitan. As duas entidades continuaram a conversar por mais alguns minutos, sempre naquela estranha linguagem que Jonas sequer compreendia.

– Você realmente vai colocar em prática essa tática suicida? – Perguntou Taniel.

– Eu não irei me arriscar de modo algum, está vendo a jovem alma a seu lado? – Respondeu a Sombra. – Ela fará tudo sozinha...

– Mas ele é um espírito missionário... Não pertence as castas guerreiras.

– Não pertencia, quer dizer... Eu, Daik e Mizovitan o doutrinamos nos últimos meses de forma a prepará-lo para isso... E tenho orgulho de dizer que hoje ele sobreviveu a uma matilha de Vermes do Vazio e ao teste de Dragon.

– Você fez o quê? Deixou ele enfrentar Dragon... – Taniel silenciou por um tempo, e fitou Jonas detalhadamente, realmente sentia algo de diferente no jovem, diferente de quando o vira na única vez, ele estava forte. Não tinha nenhuma sabedoria que se ganhava com a experiência, mas era forte. Apenas forte.

– E então, gostou do que viu? – Interrompeu a Sombra.

– Ele é apenas força bruta, não vejo porque vocês o treinaram. É errado isso, você sabe.

– Errado é não tentar. Errado é se julgar acima de qualquer julgamento. Errado é subjugar os menos evoluídos com palavras de ordem sem olhar para o próprio umbigo. O que demos a essa alma foi um propósito, uma forma de resistir ao que virá... Ou de impedir.

– Você sabe que isso não vai dar certo...

– Não tenho nada a perder com isso.



A resposta da Sombra foi o suficiente para Taniel, que se calou e caminhou em direção de Jonas. A Sombra escondeu seu sorriso e observou atentamente seus passos. "Ao menos quero saber se é isso que ele quer.", afirmou Taniel, em linguagem comum. Taniel se aproximou de Jonas e viu que Daik-Haniah e Mizovitan estavam chegando. Talvez tivesse pouco tempo para conversar com o jovem, ou não, mas só tinha uma forma de saber.

– Jonas, é esse seu nome, não? – Perguntou Taniel. – Você está aqui realmente porque quer?

– Não exatamente, era isso ou ser destruído por Mizovitan. – Respondeu Jonas.

– Ah, então você está aqui por livre e espontânea pressão? Bonito isso... – Taniel imediatamente se volta para Mizovitan. – Porque fez isso, Mitzrael?

– Livre arbítrio. – Respondeu o anjo caído. – Eu escolhi matá-lo se não aceitasse trabalhar conosco...

– Sabe que não deixaria isso acontecer. – Avisou Taniel. – Independentemente de nossa amizade.

– Se chegasse a tempo, quem sabe... – Indagou Mizovitan, linguagem desconhecida.

– Com licença, uma pergunta, Taniel. – Interrompeu Jonas.

– Faça.

– Você é um anjo?

– O que você acha? Já viu anjos com asas tão lindas quanto essas?

– Isso... Suas asas são parecidas com as de Daik-Haniah, só agora pude perceber... Não é parecida com a de nenhum dos anjos que vi.

– Sim e não... O que importa saber é que todos nós aqui, a sua exceção e a de Daik-Haniah, somos de uma linhagem idêntica...

– Daik-Haniah?

– Bem, se não te explicaram até agora, não serei eu a explicar... E nem é necessário isso. Você deve saber o necessário somente, pois vejo pelos olhares a minha volta que falei demais.

– Com certeza falou demais. – Disse Daik-Haniah, novamente tornando a falar no idioma desconhecido. – Agora vamos conversar melhor...



Daik-Haniah, Taniel e Mizovitan saíram do ambiente, deixando Jonas e a Sombra sozinhos. Jonas pensou em perguntar a Sombra como uma criatura proveniente dos céus, mesmo não sendo um anjo, aparecia ali e conseguia lidar tão bem com tudo aquilo. A Sombra se antecipou e disse que a linhagem a que eles pertenciam dava-lhes tal capacidade. Eram todos eles capazes de sobreviver em locais onde espíritos comuns sucumbiriam a tentação, e sem aparentarem isso. Disse também que Daik-Haniah era de uma linhagem a parte, com ligação a algo semelhante ao Pai Celestial, mas sem entrar em detalhes. Jonas perguntou se haveria outro Deus, e a Sombra negou, dizendo que Deus apenas haveria um. E que todos eles se conheciam a mais tempo que o anjo mais antigo do céu. Essas explicações bastaram para satisfazer Jonas, que começou a se sentir confuso novamente com o excesso de informações e foi se sentar para descansar daquele dia agitado.

Os dias passaram. Já era madrugada do dia 12 de maio de 2006, os treinamentos seguiam sem interrupção, até que Jonas foi chamado pela Sombra para conversar. Ela aguardava Jonas na mesma caverna onde o jovem encontrara Daik-Haniah pela primeira vez. Jonas conseguia perceber que não estavam apenas eles dois no local, alguém mais os observava. Apesar de perguntar várias vezes o que a Sombra desejava, não conseguiu muito sucesso em sua resposta, a Sombra parecia estar em transe, distante dali. De repente ela retornou e praguejou muito, dizendo "Eles são idiotas... idiotas!" e outras frases de calão mais baixo. Passados alguns segundos, ela percebe as presenças na caverna e volta a sua frieza tradicional.

– Desculpem a triste cena, estava chocado com tamanha tolice... – Disse a Sombra, enquanto Jonas se aproximava, e da escuridão da caverna saía Dragon. – Temos que conversar rápido... Principalmente contigo, Jonas... Ou melhor, SanoDji.

– SanoDji? Que diabos é isso? – Perguntou Jonas.

– Seu nome de agora em diante... Pode continuar utilizando Jonas, se assim o quiser, mas eu e Dragon passaremos a chamá-lo de SanoDji, um nome mais de acordo com sua missão.

– Missão? – Espantou-se Jonas. – Mas eu ainda estou treinando...

– Estava. – Interrompeu, Dragon. – Descobrimos uma certa aceleração nos planos de meus pretensos aliados, logo, significa que seu treinamento acaba hoje.

– Espera... Mas eu não estou preparado! – Protestou Jonas.

– Pena, quando assinou seu contrato comigo, ele não incluía covardia... – Disse a Sombra. – Pensei realmente que o treinamento tivesse tirado isso de você. O que tem de curioso tem de covarde, mas não tenho como treinar alguém melhor, logo, ou vai ou racha.

– E os anjos, o que disseram a respeito disso? – Perguntou Dragon. – Eu sei que você foi avisá-los de parte de seus planos... Para dar validade a eles dentro das regras.

– Os idiotas... Ah que raiva... Eles disseram que preferiam não escutar minhas palavras, deram a autorização às cegas. Não querem saber do que vai acontecer porque se for a vontade de Deus, é inevitável... Às vezes a credulidade deles me irrita, principalmente quando armam as coisas debaixo do nariz deles e são incapazes de ouvir.

– E o Pai, o que acha disso?

– Ele disse que devo fazer como quiser, ele não vai interferir, pois sabe de minhas intenções e dos procedimentos... – Diz a Sombra, mudando rapidamente para a linguagem desconhecida. – Ele apenas se preocupa com SanoDji, considera tolice sacrificar uma de suas crias mesmo que em prol da Terra No fundo, acredito que Ele apenas esteja esperando o Dia do Juízo.

– Preocupado com o garoto... Era de se esperar Dele... Mas até onde sei não existem riscos para o jovem, pelo menos não imediatos. – Falou Dragon, na mesma língua. – O treinamento de vocês deve bastar... Ele ficou forte.

– Sim, mas Taniel descobriu uma possibilidade de falha que nós esquecemos de considerar...

– Que possibilidade?

– Experiência, SanoDji tem toda a teoria, não tem a prática, apenas força sem a sutileza... E ele está certo, sem prática as coisas podem dar errado.

– Então teremos que contar com a sorte. – Afirmou Dragon, voltando a falar na linguagem normal.

– Sorte? Como assim sorte? – Perguntou Jonas, tendo escutado o novo nome dele vezes demais na conversa misteriosa para saber que falavam dele.

– Você vai voltar para a Terra, Jonas. – Falou a Sombra. – Ainda hoje.

– Hoje? – Espantou-se Jonas. – Como assim?

– É, hoje levarei você de volta para o mundo dos vivos... De onde somente poderá voltar com a missão cumprida. Depois de estabelecido na Terra, o que deve levar pelo menos duas semanas, entrarei em contato com você para explicar melhor sua missão.

– Em duas semanas nem terei começado a engatinhar...

– De onde tirou a idéia que nascerá? Você voltará no corpo de uma Terra de Ninguém, já até escolhi o corpo que usará, para sua sorte ele está internado num hospital particular do Rio de Janeiro e selecionei alguém com condições financeiras das melhores, em duas semanas conseguirá se adaptar aos modos dele e suas lembranças se misturarão as dele, daí então receberá meu primeiro contato. Você saberá quando eu me manifestar.

– Poderei vir aqui, como Daik-Haniah e Mizovitan fazem?

– Não, não poderá fazer viagem astral até esse lugar, a não ser que eu o busque... O segredo é fundamental nessa etapa.

– E quando partirei?

– Agora...



A Sombra mais uma vez mostrou sua mão feminina e segurou Jonas firmemente. Dragon observava a tudo quieto, pois sabia o que esperava o jovem rapaz. Como da primeira vez, Jonas foi tragado pela Sombra e desapareceu do desfiladeiro vermelho. Em alguns segundos sentiu seus pés tocarem o chão novamente e sua alma sentiu o cheiro do Rio de Janeiro. A escuridão desapareceu e ele sentiu uma leve brisa no rosto. Ao abrir os olhos levou um susto. Estavam exatamente em cima dos pés da estátua do Cristo Redentor. Ainda era noite no Rio de Janeiro, e as luzes das casas estavam todas acesas. Jonas vislumbrou tudo aquilo com muita saudade e até mesmo felicidade, pois nunca em vida subira naquele ponto turístico, era caro demais chegar e se manter ali. Era mais lindo ao vivo que nas fotos.

"Bonito, eu também fico admirando a vista daqui... Mas era mais belo antes da intervenção humana.", falou a Sombra, dando um imenso salto na direção da cidade. Jonas a acompanhou. Era uma sensação fantástica planar sobre a cidade do Rio de Janeiro com a segurança da imortalidade da alma. A Sombra, muito mais experiente que ele, voava sublime, deixando-se levar pelos bolsões de ar quente para altitudes maiores. Jonas, menos experiente, era obrigado diversas vezes a se concentrar para flutuar, tornando a viagem por mais agradável que fosse, uma experiência cansativa. Enquanto voavam Jonas viu ao longe a Marina da Glória e sentiu saudade de Adalberto, seu amigo morto por Mizovitan. A culpa que sentia pela morte dele ainda doía profundamente no peito.

Seu vôo continua até o hospital Copa D'or, onde a Sombra pousa tranqüilamente na área reservada a helicópteros. Jonas chega segundos depois e seu pouso foi menos tranqüilo, chegando com muita velocidade e por muito pouco não caindo do prédio direto no meio da Rua Figueiredo. A Sombra esperou Jonas se recompor e afundou no interior do prédio passando pelos andares sem dificuldade. Jonas a seguiu, reparando que dentro do hospital haviam inúmeras almas vagando, em sua maioria pessoas como a Dona Glória, que ajudavam os espíritos na travessia dos mortos. Vez ou outra vira anjos, que também o viam e olhavam com desconfiança para ele.

A Sombra para de afundar no andar onde ficavam os quartos das Unidades de Terapia Intensiva, as UTIs, e esperou Jonas chegar. Quando chegaram, foram diretamente para o quarto 02, onde um rapaz de pele negra aparentemente dormia completamente tomado por aparelhos com as mais diversas funções. A Sombra Negra passou parte de sua essência sobre o rapaz e constatou o que queria saber. "Realmente minhas fontes estão corretas, é uma casca vazia...", e deixou aparecer um sorriso.

– Agora, SanoDji, você vai tocar a cabeça desse rapaz e se concentrar o máximo que puder em tornar-se parte desse corpo... No início irá doer muito, pois o corpo vai resistir bravamente a sua intrusão, mas não vai resistir por muito tempo porque o corpo não quer morrer e seu novo fio de prata servirá para isso. – Disse a Sombra.

– É seguro? Não tem dono? – Perguntou Jonas, preocupado.

– Nenhum dono... O corpo está completamente abandonado, garanto, tanto que os médicos já rifaram os órgãos dele e em três horas, ao amanhecer, virão fatiá-lo e dar esses órgãos a novos donos... A não ser que ocorra um milagre. Sim, um milagre chamado SanoDji... Entende?

– Quer dizer que depois disso terei que viver uma vida inteira?

– Não, quando cumprir sua missão eu mesmo cortarei o fio de prata e o levarei de volta... Pois eu o costurarei. Até lá estará preso a Terra, e não deseje falhar ou sequer fugir, não conseguirá... Estarei sempre por perto para lembrá-lo disso.

– Não se preocupe, não tentarei fugir.

– Tentará sim, pelo menos a carcaça tentará, pois terá duas semanas pra vencer o cérebro dela e a programação do espírito que a comandava antes... E essa será uma dura batalha.

– Está bem, que assim seja.

– Que assim seja.



Imediatamente a Sombra toca a cabeça de Jonas. De início Jonas olha para os lados sem nada perceber, então aos poucos tudo começa a escurecer e ele começa a sentir-se com sono, uma sensação que não tinha há muito tempo. Então uma forte dor toma conta de seu corpo todo e têm a impressão de estar atravessando uma grossa parede de pedra através de um pequeno buraco, então a dor cessa. Ele olha para suas mãos e se vê negro, sente-se em um lugar estranho e ao mesmo tempo tem a impressão de que ele não deveria estar ali, que a sensação estranha é que é estranha. Então um turbilhão de imagens e memórias invade seu cérebro, e em frações de segundo algo estranho acontece, Jonas sente desaparecer aos poucos, suas memórias de quando vivo se esvaindo como a areia de uma ampulheta sendo mescladas e ao mesmo tempo substituídas pelas do corpo. Seu nome cede lugar a outro, como se Jonas fosse sequer uma lembrança. Seu nome era Fernando...

Revelações de Jonas, Conspiração: Segunda Etapa do Plano

Revelações de Jonas: Conspiração
Segunda Etapa do Plano
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Se algum calendário existisse naquele lugar desolado, Jonas saberia que seu inferno durava apenas seis meses. Mas a falta de descanso, a falta de repouso e a falta de tempo para si mesmo faziam parecer serem anos. Os dias haviam se arrastado, apenas tinha idéia de dia e noite quando o Cavaleiro Negro e o Devorador de Almas retornavam a suas carcaças na Terra, pois desconfiava que estavam acordados. Ainda assim não tinha plena certeza de nada, dado que pelo que sabia de Daik-Haniah, os distúrbios de sono de seu corpo faziam com que pudesse aparecer a qualquer instante para continuar com o sofrimento.

A Sombra ocupava todo o restante do espaço livre. Ela aparecia sempre com muitos livros, em sua maioria documentos roubados de alguma colônia próxima, e obrigava Jonas a ler. Ela dizia que muitas vezes uma informação bem obtida e sustentada era mais fatal que o fio de uma espada. Jonas lia o tempo todo, muitas vezes era obrigado a ler e ao mesmo tempo desviar dos ataques de Daik-Haniah nos treinos de guerra, ou ter que ler e desvendar mistérios nos treinos do Cavaleiro Negro. Descobriu que os nomes Mizovitan e Mitzrael eram as alcunhas do Cavaleiro Negro, que preferia ser chamado de Mizovitan.

Descobriu também que Mitzrael era o que os humanos chamavam de anjo caído. Ele havia sido expulso da terra dos anjos anos antes, poucas semanas depois que a Sombra surgira e derrotara Deus. Ele parecia ter alguma informação importante que nunca ninguém soube qual era relativa a Sombra e a Deus, e por causa dessa foi desacreditado pelos seus semelhantes e então expulso. Estranhamente a sombra o procurou e contratou Mitzrael como seu principal subalterno. E outra informação a respeito de Mitzrael ele pôde descobrir, ele tinha sido o investigador dos céus, um título batizado de Sombra Azul. E esse cargo tinha sido com certeza sua derrocada, pensava Jonas, em acordo até mesmo com Daik-Haniah. Mizovitan não confirmava nem negava nada, apenas sorria e observava sua espada.

– O segredo da informação é que a sua importância é inversamente proporcional ao crédito que se dá a ela... – Dizia Mizovitan, durante o treinamento. – Em suma, quanto mais importante ela é, mais ridícula se torna.

– E como se aplica isso? – Perguntou Jonas.

– Você acreditava no demônio, quando vivo?

– Não, era ridículo isso...

– Bem, está aí a lógica de minha informação...



Daik-Haniah apenas o ensinava técnicas de combate. Eram coisas simples, as quais Jonas nunca tinha imaginado serem tão práticas. Disse-lhe que qualquer ser vivo sabia lutar, e dar sempre o melhor de si, mas a civilização e a doutrina tradicional haviam arrancado algo precioso de todos os espíritos, o instinto de sobrevivência. Ensinou Jonas a despertar seu animal dentro de si sem perder o controle. Ensinou que não basta apenas força de vontade para vencer uma Guerra, muitas vezes era preciso saber onde bater. Ensinou a Jonas como manipular a própria matéria da qual seu espírito era feito para criar armas como espadas e escudos. Descobriu então que Daik-Haniah assim como Mizovitan era um detetive, e que ele tinha sido candidato a Sombra Azul, mas os problemas que ocasionaram sua queda o tiraram da disputa.

Entendeu finalmente o que haviam dito a respeito de cérebro e vulvas. Pelo que lhe contaram Daik-Haniah era um alto comandante das forças espirituais na Terra. Tinha a missão de observar e julgar a humanidade para quando a hora final chegasse. E junto com ele, vários de seus companheiros vieram. Porém o que nenhum dos amigos de Daik-Haniah sabiam era que um dos seus era um traidor, aliás, uma traidora e através da luxúria conseguiu destruir todos os planos das forças espirituais. Mizovitan os havia avisado, mas a vulva era mais forte e todos foram derrotados. Como conseqüência, uma a que nem mesmo a traidora esperava era que Daik-Haniah fosse quem é, o Devorador de Almas, e quando ela descobriu isso era tarde demais, nada podia ser feito e pelo menos 137 colônias pagaram por isso com suas existências. A colônia de Jonas era apenas uma delas. Da mulher nunca mais se soube, pois ela desapareceu e apenas recolheu seu pagamento. A Sombra dizia que ela se arrependera do que fizera, mas ninguém a procurou mais.

Da Sombra, Jonas nunca soube de nada. Era uma figura estranha. Em um dia elogiava as forças dos céus por sua perseverança e vontade de ferro, no dia seguinte os ofendia como se fossem cães infernais. E essa confusão mental nitidamente mascarava a real intenção da criatura. Por vezes perguntava aos demais instrutores de Jonas quando ele estaria pronto, e todos diziam que em breve. Jonas não sentia tanto avanço assim, mesmo percebendo que muita coisa do que pensava do universo já não eram mais as mesmas.

Era o dia 02 de maio de 2006, no calendário terrestre. Jonas ainda acompanhava o desenrolar dos dias pelos comentários de Mizovitan e Daik-Haniah quando eles apareciam. De certo modo, agradecia por não estar mais na Terra. Eram tão ruins as notícias da degradação de tudo que ele sentia-se cada vez melhor por estar apenas treinando. Seus professores pareciam mais nervosos de que costume. A Sombra ainda não aparecera desde a chegada deles, e isso não era algo comum, pois ela temia que um acidente nos treinos desse cabo de Jonas. Foi quando todos escutaram o eco de pessoas marchando se aproximando deles. Daik-Haniah e Mizovitan voaram em debandada, abandonando Jonas sozinho. "E agora, o que será?", preocupou-se Jonas em seus pensamentos.

Jonas caminhou cautelosamente por entre as pedras, procurando pela fonte dos sons. Quando estava em uma posição mais elevada viu uma quantidade impressionante de criaturas de pele queimada se arrastando pelas pedras. "Estou cercado", constatou vendo que o cerco se fechava contra ele. Jonas pela primeira vez utilizaria na prática o que aprendera com seus mestres, e se escondeu atrás de algumas pedras. As criaturas assemelhavam-se com seres humanos. Tinham baixa estatura, provavelmente não mais que um metro de quarenta, e pele completamente negra. Não possuíam cabelos e estavam sempre nuas, sendo tanto figuras masculinas quanto femininas e os seus olhos eram de uma coloração avermelhada muito escura.

Não demorou muito para que a primeira criatura farejasse Jonas escondido no desfiladeiro. Sem dar o alarme as suas semelhantes, ela saltou sobre Jonas esperando que fosse uma presa fácil. "Fede a espírito fraco...", pensou a mente limitada da criatura. O engano custou-lhe caro demais, no meio do salto viu Jonas sacar uma espada e cortá-la em duas metades perfeitas a partir do meio da cabeça. A criatura se desintegrou por completo, não dando nem tempo para que as outras percebessem o que acontecera. Jonas imediatamente teve uma idéia arriscada e desceu o desfiladeiro correndo. Quando avistou o rio cinzento, Jonas pé após pé se aproximou de suas margens. Tinha que fazer tudo perfeitamente calculado e caminhou até um ponto em que as mãos emergiram e começaram a chicotear umas contra as outras incapazes de tocar Jonas. O jovem sorriu e virou-se na direção das criaturas, e gritou o mais alto que pôde.

Como animais incontroláveis esses monstros correram vorazmente na direção de Jonas que esperou pacientemente o momento correto. Ele sorriu e cravou sua espada profundamente na margem do Rio, deixando praticamente apenas o cabo da arma livre. Faltavam pouco mais de dez segundos para eles chegarem, ele teria apenas uma chance e tinha que contar com a sorte. O plano era absurdamente arriscado e teria que contar com a ignorância das criaturas e a fome das mãos do Rio Cinzento. O primeiro monstro saltou na direção de Jonas. Ele faz uma pequena oração e segura a criatura pela cabeça e a desequilibra, a atirando ao Rio. As mãos seguram a criatura com violência e ela grita, completamente tomada pela dor de ser desmembrada e levada para as profundezas. "Funcionará...", diz Jonas para si mesmo. As demais criaturas chegam, um total de pelo dez seres, pelo que Jonas conta. Ele precisa ser cauteloso, não pode fazer o que planeja enquanto todas não ataquem ao mesmo tempo.

– Vamos, estou sozinho e minha espada está cravada até o cabo no chão... Estão com medo? – Provoca Jonas.



O insulto tem efeito. Mais animais que antes, as criaturas saltam violentamente sobre que Jonas, que toma uma atitude completamente arriscada. Ele segura suas mãos firmes na espada e se joga para trás, afundando até o pescoço no Rio. Ele sente quando as mãos começam a querer puxá-lo para suas profundezas, mas não dura muito. As criaturas caem em cima de Jonas de forma até mesmo cômica e uma a uma todas são agarradas pelas mãos que antes seguravam Jonas. O jovem aproveita seu segundo livre e sai do Rio Cinzento, deixando todas as criaturas sendo consumidas em dor. Ele cospe no Rio e se levanta, quando é atingido nas costas por uma criatura sobrevivente ao terminar de se erguer.

– Verme humano... – Diz a criatura. – Que aparentemente chegara atrasada a armadilha, e por isso escapara. – Você matar irmãos, mim matar humano...

– Vem! – Desafia Jonas, parecendo ignorar que deixara sua espada para trás.



A criatura salta sobre Jonas e os dois rolam no chão. Ambos trocam chutes e socos a esmo, na maior parte do tempo acertando mais o chão que um ao outro. A criatura morde o braço esquerdo de Jonas, quase no ombro, e um jato luminoso sai pela ferida aberta. É uma dor que percorre o corpo todo que se não fosse o treinamento teria incapacitado-o. Deixando-se levar por seus instintos Jonas segura a criatura pelo pescoço e pela virilha, e a joga contra a parede de pedra vermelha do desfiladeiro. Bate uma vez, duas vezes. A criatura se contorce de dor e em frenesi arranha o rosto de Jonas com suas unhas tentando escapar, mas o jovem não cede. Três pancadas... Quatro pancadas... Dez pancadas, a criatura parece estar cedendo ao cansaço. Jonas não para de bater, perde a conta de quantas vezes o corpo já inerte da criatura bate na parede do desfiladeiro. Até que a criatura finalmente se esfacela em suas mãos como pó, Jonas havia destruído esse ser. Satisfeito com o resultado da batalha Jonas urra o mais alto que pode, procurando espantar qualquer criatura restante que estivesse por ali. Mas seu urro atrai criaturas mais perigosas ainda.

– Sinto-me orgulhoso. – Diz a voz da Sombra, se aproximando sorrateira como sempre. – Meus dois discípulos anteriores não tiveram toda essa malícia, e, permita-me dizer, essa selvageria controlada...

– Porque me abandonaram? Para morrer? – Berra Jonas, voltando a sua espada e retirando-a do chão, para apontá-la na altura do que seria o pescoço da Sombra. – Passei seis longos meses nessa filial do inferno, ouvindo um monte de coisa e aprendendo sobre coisas que nem queria saber para de repente ser abandonado pra morrer assim?

– Você morreu? – Pergunta a Sombra, segurando delicadamente a ponta da espada e afastando-a de si. – Até onde vejo está bem inteiro diante de mim, mais audacioso do que nunca... Venha, tem alguém que deseja conhecer você.



Jonas hesita em acompanhar a Sombra, está cansado e frustrado. Tinha sido avisado sempre que um dia seria testado, e que belo detetive se saíra por não perceber quando seria o teste? Apesar disso, sentia que o teste era apenas para verificar as suas habilidades primordiais, e que o verdadeira prova seria quando voltasse ao topo do desfiladeiro. Ele e a Sombra caminharam rápido pelo desfiladeiro até o deserto vermelho, o último ponto conhecido por Jonas daquele mundo. Pensou se eles parariam ali para conversar, mas ao invés disso a Sombra continuou caminho, em direção a montanha para onde Jonas fora impedido de ir pelo anjo chamado Taniel. O treinamento nessas horas se mostrava eficaz, um caminho que antes levara horas fazendo fizeram em questão de menos de um minuto, desde escalar o desfiladeiro até atravessar o deserto e chegar ao topo da montanha. Ali tinha um homem vestindo manto negro aguardando sentado em uma pedra, a única parte do corpo do homem que Jonas conseguia ver eram seus olhos verdes cintilantes.

– Demoraram a chegar... Pensei que viesse sozinho. – Disse o homem, olhando para Jonas. – Você deve ser o jovem chamado Jonas. Meu nome é Dragon.

– Prazer... Mas de onde veio? – Perguntou Jonas.

– Do outro lado da montanha. Lá ficam minhas instalações há pelo menos cinco anos... Você já quase as visitou sem pedir, anos atrás, foi salvo por Taniel.

– Salvo?

– Sim, se tivesse alcançado a montanha aquelas criaturas teriam tomado você... Tomado seu corpo e teria acordado completamente perturbado, com sua alma dilacerada pelos desejos imundos dos Vermes do Vazio. Teria cometido altas atrocidades... Isso se eu não o matasse por ver demais e tivesse seu corpo transformado em Terra de Ninguém.

– Vermes do Vazio? Então o nome daquelas coisas que enfrentei eram esses... E o que é Terra de Ninguém?

– Corpos sem recheio... Carcaças na terra abandonadas por seus donos pelos mais diferentes motivos.

– Isso pode acontecer? Li a respeito, mas não acreditei muito nisso...

– Em geral existem três modos pelos quais um espírito retorna a Terra, um deles é encarnando, o segundo é possuindo um médium por um curto espaço de tempo e o terceiro, e proibido, é tomando uma Terra de Ninguém. Esse tipo de coisa acontece quando o espírito é arrancado de seu corpo de alguma forma não-voluntária ou mesmo voluntária e o corpo não morre. Geralmente na Terra confundem isso com morte cerebral. O fio-de-prata que ligava a alma ao corpo não existe, o que existe é apenas um monte de carne viva. Então um espírito vêm e se apodera da pessoa, passa a viver a vida que seria de outro, com todas as suas lembranças, mas com propósitos diferentes... Se tivesse chegado a montanha, não estaríamos conversando hoje aqui.

– Chega de lições... – Interrompe a Sombra. – Estamos aqui para terminar o último teste, Dragon, e então? O que me diz?

Dragon tira a mão do manto e diz algumas palavras em uma língua que Jonas não entende, mas compreende o que querem dizer. Imediatamente Dragon salta no ar e rodopia de espada em punho na direção de Jonas. O movimento é tão rápido que Jonas mal tem tempo para acompanhar Dragon com o olhar, porém sabe exatamente como proceder. Ele saca sua espada e auxiliado por uma sorte absurda consegue interceptar a lâmina de Dragon com sua espada no exato momento em que seria decapitado. "Bom.", diz Dragon, saltando para trás e preparando uma estocada na barriga de Jonas. O jovem espírito se joga para a esquerda desviando do ataque e consegue ter a malícia de deixar sua espada entre ele e a arma de Dragon, dificultando um novo ataque. Sem se dar conta do adversário, e preferindo não pensar mais nisso, Jonas avança contra Dragon quando este está trazendo de volta sua espada e faz um ataque simples. Dragon defende facilmente o ataque e se livra da espada de Jonas, porém não percebe que Jonas fizera isso de propósito, e aproveitando a guarda aberta de Dragon joga seu corpo contra ele e o derruba. Os dois rolam no chão e por muito pouco não rolam a montanha abaixo. Quando se levantam, Dragon ajeita seu manto negro e estende a mão para Jonas.

– Parabéns... Vejo que realmente está apto para o que lhe espera. – Conclui Dragon, voltando a se virar para a Sombra e falando na linguagem que Jonas desconhecia. – Então será daqui a duas semanas... Algum problema?

– Nenhum, prepararei Jonas para isso em breve... – Assentiu a Sombra. – Alguma observação?

– Sim, Jonas é um nome muito comum... Dê-lhe algo digno da posição que ele conquistou, se o rapaz quiser.

– Darei, pode deixar.

Dragon se despede de todos os presentes e desde a montanha. Jonas nesse momento repara que Dragon era muito mais do que aparentava, e se dá conta que só sobrevivera por sorte. "Ele era um anjo!", percebe Jonas, recebendo a afirmação da Sombra em um gesto ridículo, onde ela fazia uma pomba em sombras e em seguida uma borboleta, apontando sempre pra Dragon, este que se afastava alheio a tudo. Meia hora depois estavam de volta ao tradicional desfiladeiro onde Jonas treinava. Assim que chegaram, Jonas viu uma figura conhecida por ele e que há muito tempo não vira, o tal Anjo Taniel...

Revelações de Jonas - Conspiração: Primeira Etapa do Plano

Revelações de Jonas: Conspiração
Primeira Etapa do Plano
Nomes e professores


Jonas esperou por alguma espécie de explicação por parte da sombra sobre o que estavam fazendo novamente naquele local. Sentia-se mal por depois de tudo que passara ainda ter que encarar o motivo de sua desgraça mais uma vez. A Sombra o ignorava solenemente e conversava com seu Cavaleiro Negro ignorando completamente todos os apelos de Jonas. Jonas sentia próximo deles mais uma vez o Rio Cinzento, e se perguntava se em algum momento aquele anjo que vira da primeira vez apareceria.

– Não, Taniel não aparecerá aqui, e é provável que nunca mais o veja... – Disse a Sombra, retornando a seu diálogo com o Cavaleiro.



Desistindo de esperar qualquer tipo de manifestação por parte daqueles dois, Jonas se afastou e começou a caminhar pelas redondezas. "Me encontrarão se quiserem", admitiu enquanto andava. Ao menos dessa vez não esta nu como da outra vez e apesar de algo lhe dizer que era evidente que não estava usando roupas também naquele momento, estar vendo com seus olhos os trapos que vestia na hora que morreu lhe davam certo conforto. Sentia falta de Adalberto, apesar de tê-lo visto tão pouco sua curta convivência abrandou um pouco o ódio que sentira. Intimamente desejava se vingar a todo custo do Cavaleiro Negro, e conseguiria isso de alguma forma.

De repente, Jonas se deparou com algo inusitado em suas andanças pelo desfiladeiro. Viu a uns trezentos metros de onde estava uma caverna. A princípio não deu muita importância a ela, mas quando escutou um gemido e o som de correntes batendo umas as outras, levou um susto absurdo e foi tomado por sua curiosidade. Pensou muito se deveria ou não entrar naquela caverna para ver o que estava ali dentro, mas não tempo o suficiente para desistir. Acabou entrando na caverna.

Era uma caverna escura e úmida. Gostas de água vermelha caiam do teto e parecia ser uma formação bem antiga pela presença de muitas estalagmites e estalactites. Era escuro, mas por alguma razão que Jonas ainda não compreendia, conseguia enxergar perfeitamente bem ali dentro, detalhe por detalhe. "Que bom... pelo menos mortos não usam lanterna.", pensou Jonas. Apesar de curioso, Jonas estava cauteloso, não queria para ele o mesmo cruel destino de Adalberto, pois saber que almas não eram indestrutíveis era algo novo e aterrador para ele. Foi quando viu chumbado no chão o começo de uma grossa corrente. Era uma corrente negra e seus elos eram do mesmo tamanho dos elos de correntes que prendiam as âncoras de navios petroleiros, pareciam pesadas demais e balançavam um pouco.

Jonas acompanhou a corrente até sua fonte e levou um susto. Ela dava em uma câmara completamente lisa da caverna onde no meio dela jazia um homem nu, preso por um total de quatro correntes idênticas, contando com a que Jonas seguira. Elas estavam dispostas de forma tal que o homem não conseguiria avançar mais que dois passos daquele lugar. Mas o estado deplorável do homem era suficiente para mostrar que sequer meio passo daria. O único traço marcante e presente no homem era que ele possuía cabelos loiros lisos e completamente em pé, lembrando alguns cortes militares. Sua pele estava toda coberta de hematomas e ele parecia dormir. Foi quando Jonas, como se hipnotizado pela presença estranha dessa pessoa, chutou uma pedra que foi quicando sonoramente até chegar a essa figura.

De sobressalto Jonas se escondeu atrás de uma saliência nas paredes da caverna e esperou, completamente apavorado. Não sabia com o que se apavorara, era um medo que teve a certeza de ser antigo. Imediatamente sua mente foi tomada com lembranças de outras vidas, outras mortes, de um mal presságio anterior até mesmo a existência do planeta Terra. E Jonas decidiu voltar o quanto antes. Ele saiu da saliência da caverna e pé ante pé foi se afastando de tudo aquilo, quando sentiu um arrepio e olhou para o homem. O homem levantara a cabeça e olhava fixamente para Jonas. O jovem sentiu um novo arrepio começando na ponta dos cabelos e indo até a ponta das unhas do pé. "Seus olhos são vermelho sangue... E bifurcados...", constatou Jonas a si mesmo. O homem levantou-se tomado de uma fúria aparentemente incontrolável e agitou as correntes. Jonas não teve nenhuma curiosidade e começou a correr.



Ele vira o invasor. Era impressionante como ele nunca tinha paz. Sempre, por mais isolado e imerso em sua dor estivesse e o quanto nas profundezas estivesse, sempre apareceria alguém para perturbá-lo em seus pensamentos. Era jovem o invasor, provavelmente algum curioso, amedrontado demais para entender o tamanho do problema em que se metera. Ele se levanta em meio as correntes que o prendem e escolhe a corrente que está na mesma direção aonde o jovem corre. E puxa forte a corrente, fazendo um estrondo que poderia ser ouvido a quilômetros dali. Com a força de sua mente poderosa a corrente se contrai e se molda a sua vontade, agarrando desprevenido seu invasor e trazendo-o até ele. "Será divertido", pensa, enquanto os gritos de pavor de seu invasor se aproximam mais e mais.



Jonas não soube o que o antigo. Estava tão preocupado correndo que não viu quando as correntes enrolaram seus pés e o derrubaram no chão. Escutou o barulho ensurdecedor a sua frente, mas isso não tinha sido o suficiente. Agora as correntes o amarravam da cabeça aos pés e seu corpo era arrastado pelo chão de volta para a câmara 0nde aquele homem estava. Sua cabeça batia violentamente nas sinuosidades da caverna, provavelmente se estivesse vivo sangraria.

Mais uma vez via um lado bom em estar morto. Ele chegou rápido ao local onde o homem agora estava de pé o aguardando. Mas o homem não estava mais nu, ele vestia uma armadura negra e dois pares de asas negras lhe adornavam as costas. Ao contrário do Cavaleiro Negro, não usava capacete, apenas uma espécie de tiara que deixava seu cabelo a mostra e seu rosto assombroso idem. As correntes giraram e se prenderam ao teto da caverna, se enrolando nas estalactites. Jonas ficou então dependurado de cabeça para baixo, face a face com o misterioso ser de olhos bifurcados, que agora brilhavam.

– Invasor... – Disse o homem, com sua voz parecendo um rosnado de leão, com o rosto tão próximo de Jonas que dava para sentir sua respiração.

– Não... Eu escutei um barulho e vim ver... – Balbuciou Jonas, apavorado. – Foi sem querer... Foi...

– Se não quisesse não teria entrado. – Falou o homem, apertando mais as correntes. – Agora, como gostaria de morrer? Como uma passa ou pelo fio da espada?

– Não... Não...



O homem se irritou com o medo de Jonas e socou-o como se fosse um saco de pancadas. Jonas bateu várias vezes contra o teto da caverna, levantando muita poeira. Apesar disso as correntes não se soltaram. Com um gesto do homem as correntes pararam de balançar e ele voltou-se novamente para Jonas.

– Já decidiu? – Perguntou o homem, segurando a cabeça de Jonas, que para seu pavor viu que os dedos do homem tinham garras invertidas na armadura.

– Não haverá mortes hoje, pelo menos de nenhum Jonas. – Disse uma voz sombria vindo pela caverna. Era a Sombra, que finalmente chegara para salvar Jonas de mais um problema. O homem reagiu com raiva a misteriosa chegada.

– Ah, é você... – Falou o homem, acalmando-se por completo. Até mesmo seus olhos bifurcados tornaram-se olhos normais e de um azul completamente sereno, um contraste com os últimos segundos. – Por acaso esse infeliz é coisa sua?

– Sim e não... Se ele está aqui é por SUA causa. – Disse a Sombra, dando ênfase a culpa do homem. – Daik-Haniah, não sente nele o cheiro dos habitantes locais daqui?

– Sinto...

– Então, ele apareceu aqui anos atrás, logo depois do que VOCÊ fez a essa colônia, e escutou uma conversa minha com seu amigo Taniel... Bem, pra resumir tudo, no final, por causa do que sabia, ou ele seria destruído ou se juntaria a nós.

– Você? Destruindo alguém?

– Não exatamente, Mizovitan o viu... E sabe como ele reage a intrusos nesses locais...

– É... Então posso soltar esse moleque.



Jonas não entendia muito bem a situação toda, mas entendeu bem o que queria dizer a respeito de soltar, e ao invés de desabar no chão como fruta podre conseguiu cair de maneira menos vergonhosa. Ergueu-se desastrado limpando a poeira e então finalmente entrou em sua cabeça quem era aquele homem diante dele, o destruidor daquele local.

– Você! Você fez tudo isso aqui... – Falou Jonas.

– Sim, ou acaso é surdo? – Questionou o homem. – Acabamos de falar sobre minha culpa...

– Você é o destrinchador de mundos?

– Não, " destrinchador" não, "devorador"... Daik-Haniah, meu real nome. Diga-me jovem, qual seu nome?

– Jonas.

– Bem, Jonas, a mancha negra já disse a você por que recrutou uma pessoa como você para trabalhar com ele?

– Não.

– Então... – O homem olhou para a Sombra. – Não me incomodo de saber, mas diga isso em português, acredito que ele não esteja familiarizado com nosso idioma.

– Bem, como bem devem saber não existe força no universo que possa superar os anjos. – Falou a Sombra. – Que eles são os mais próximos de Deus e todo aquele blábláblá que corre nisso... O tal do Graal.

– Mas eu, você e Mitzrael superamos... – Interrompeu o homem.

– Não é bem assim... Nós somos diferentes... – disse a Sombra, dando continuidade. – E como tal, a força de fé manifestada pelos anjos, o Graal, é considerada a força suprema. Nenhum habitante das profundezas ou desse parâmetro são capazes de superar. Até aí acredito que todos saibam... – Jonas assentiu com a cabeça, estranhando saber disso mesmo sem ter escutado nunca em sua vida na Terra... provavelmente informações de outras vidas. – Bem, Jonas pertence a uma classe de seres que entre os anjos é dado como certo que jamais conseguirão superá-los em relação ao Graal... Alegam que Anjos são perfeitos e crias diretas do Pai Celestial, diferentes dos espíritos comuns, que no máximo conseguirão arranhar a couraça de um anjo.

– E onde eu me encaixo? – Perguntou Jonas.

– Você é uma experiência que quero há muito tempo fazer... Eu há algum tempo atrás desafiei o Pai Celestial para um embate justo e o ganhei. Tal vitória, legítima, foi contestada pelos anjos e por todos que souberam disso...

– Você enfrentou Deus... E Ganhou? – indagou Jonas. – É impossível...

– NADA é impossível... Basta ter fé. – Afirmou a Sombra, vendo que o uso da palavra "fé", causara espanto a Jonas. – Bem, não vem ao caso... Desde então planejei treinar um espírito dos mais fracos em todos os aspectos para provar aos anjos que eles não são os seres supremos... Literalmente, quebrar seus salto-altos divinos.

– E esse espírito fraco seria eu? – Perguntou Jonas.

– Exato, o terceiro pra ser mais preciso... Os dois anteriores não sobreviveram ao treinamento... Mas foi há muito tempo atrás, antes da queda do Devorador de Almas e do Cavaleiro Negro. E agora vou treiná-lo junto com meus dois asseclas, o Cavaleiro Negro e o Devorador de Almas.



Um arrepio passou pela nuca de Jonas. Ele escutou que seria treinado pela Sombra, pelo Cavaleiro Negro e pelo Devorador de Almas. Um trio estranho e assombroso demais para seus padrões, aliás, nem sabia se sobreviveria a isso. Por um momento pensou em se forçar a acordar desse pesadelo, mas tinha certeza que não estava em coma como da outra vez. Era uma realidade confusa e cheia de informação com a qual jamais entenderia sem muito esforço.

– E porque a necessidade de nós três? – Indagou Daik-Haniah.

– Individualmente somos os mais poderosos em nossas categorias... Subterfúgio, Investigação e Guerra, um triunvirato difícil de superar senão por você-sabe-quem, quando treinei os dois anteriores, falhei porque por mais perfeitos que fossem no meu quesito, nos demais eram insuficientes e eram destruídos na hora da prática. Com vocês dois auxiliando, criaremos um ser mais equilibrado, capaz de sobreviver ao que planejo para ele, e vocês sabem o que é.



Daik-Haniah se afastou e sentou em uma pedra da caverna. Pensou por um tempo e abriu um largo sorriso. Havia lógica naquilo que a Sombra falava. Ele e Mitzrael eram exemplos vivos disso, assim como seu amigo Taniel. Eram seres completamente inferiores nos patamares locais, e por sua vez desprezados, que conseguiram em um curto espaço de tempo superar todos os adversários no quesito prático. Tudo bem que como no conto de Sansão, uma mulher derrotou os dois e outros usando dois músculos mais desenvolvidos que os punhos, o cérebro e a vulva, mas era passado, somente os ferira e com o tempo ficariam mais fortes que antes. Jonas tinha potencial, todos tinham... Daik-Haniah não era cria do Pai Celestial, mas reconhecia a capacidade de evoluir da linhagem de Taniel, e isso podia ser transmitido, mesmo que demorasse, a alguém da linhagem de Jonas. Daria trabalho? Muito, mas compensaria.

– Perfeito, começamos agora... – Falou Daik-Haniah, olhando para Jonas e sorrindo. – Se você achava que sofreu muito... Prepare-se...

Revelações de Jonas: Sexta Etapa da Viagem

Sexta Etapa da Viagem
Vendido!
 
 
Cavaleiro Negro... (Fonte)


Jonas saltou violentamente em cima do Cavaleiro Negro, que apenas riu e deu dois galopes para trás, deixando Jonas cair no chão. Jonas se levantou novamente e tentou pegar uma pedra para golpear o Cavaleiro. Esforço inútil, pois suas mãos atravessaram a pedra. "Mortos geralmente não erguem pedras, garoto.", disse o Cavaleiro. Com muito mais raiva Jonas chutou a perna do cavalo. Tentativa inútil, sua perna bateu em cheio nas proteções do animal para derrubá-lo, mas quem tombou com dor foi Jonas. "Humano demais...", disse o cavaleiro, enquanto erguia seu cavalo pelas rédeas e tentava acertar Jonas com um coice. Jonas consegue rolar pelo chão milésimos de segundo antes de o cavalo esmagar o lugar onde estava sua cabeça, mas quando tenta se levantar é subitamente preso ao chão pela pata dianteira esquerda do cavalo.

– Moleque idiota, se eu quisesse matá-lo teria feito isso agora... – Bradou o cavaleiro negro, imobilizando Jonas com a pata do cavalo e tocando sua testa com a ponta da espada. Jonas sente uma leve dor na testa.

– Então o que quer? – Pergunta Jonas, olhando em volta dele procurando por alguma espécie de arma.

– Esperar.

– Esperar pelo quê?

– Por mim. – Diz uma voz completamente familiar, a voz da Sombra. Ela se esgueira pelo chão noturno com suavidade e completamente despercebida, não fosse ter se anunciado. – Meu velho amigo aguarda somente uma resposta sua...

– Resposta? É desse modo que vai me dar livre arbítrio pra escolher?

– Você é realmente um completo imbecil... – Interrompe o Cavaleiro Negro. – Ele vale para todos, ou melhor, quase todos e você tem a opção de viver sob as regras da Sombra ou morrer pela minha espada... Se escolher o lado dos anjos está escolhendo por morrer pelas minhas mãos. Olhe a sua volte e procure pelo seu anjo da guarda? Onde ele está?

– Estou aqui. – Diz uma voz sublime, que vêem acompanhada de uma luz forte que cobre todo o ambiente, exceto nos locais que a Sombra e o Cavaleiro tocam. – Vim buscá-lo, Jonas, tive dificuldades em encontrá-lo, mas agora podemos partir...

– Nem pensar, borboleta. – Interrompe, dessa vez, a Sombra. – Essa jovem criatura de Deus tem uma resposta a me dar e antes de qualquer "pití" seu, espero que se lembre das regras...

– Não preciso de sua ajuda para lembrar-me. – Responde o anjo, olhando piedosamente para Jonas a seguir. – O que desejas nesse momento?



Se Jonas estivesse vivo, suaria frio. Mas ele não estava e todo esse nervosismo exalava de sua aura. Ele estava caído no chão, mantido nele pelos cascos do cavalo do Cavaleiro. Não faziam nem três minutos e seu novo, aliás, único amigo naquela nova situação estava morto em definitivo e nem sequer se acostumado com tudo aquilo. Diante dele naquele momento estavam um anjo, a Sombra e o Cavaleiro Negro. E todos eles queriam uma decisão dele. Apenas uma decisão.

– Chega! – Berrou Jonas. – Eu não faço a menor idéia de quem ou quê vocês são... Chego até mesmo a duvidar de meu estado atual... E vocês querem que eu tome uma decisão que envolve até onde vi minha própria destruição... Vocês são malucos por acaso e querem compartilhar comigo sua loucura? Ou me tomam por completo imbecil?

– Eu tomo-lhe por imbecil. – Respondeu o Cavaleiro Negro.

– Quieto meu fiel ajudante. – Interrompeu a Sombra. – O que o rapaz deseja apenas é informação, acredito que nosso amigo emplumado seja capaz de fornecer... Ou estaria enganado?

– ... – Silenciou o anjo.

– Então, jovem Jonas, vamos começar da maneira mais simples de todas, você me pergunta e eu respondo, se for para a borboleta dos céus, ela responde. – Falou a Sombra, aparentemente sentando em uma cadeira feita de si mesma. – É justo, concorda, pombo?

– Isso não me agrada, mas se assim poderei salvar sua alma... Deixemos ele em paz. – Assentiu o Anjo.

– Pra começar, o que está acontecendo? – Perguntou Jonas.

– Essa eu respondo. – Disse a Sombra. – Simples, você morreu! "Pou! Pou! Pou!", vários tiros certeiros em você que espalharam pedaços seus por toda a calçada próxima daquele arbusto do Largo dos Guimarães. Agora você tem a possibilidade de escolher qual lado decidir... E quer saber porquê? – Perguntou a Sombra, sabendo que sua insinuação obrigaria o anjo a ver respondidas questões que Jonas não estivesse disposto a entender.

– Diga, se já está falando... – Respondeu Jonas.

– Bem, quando você esteve em coma ouviu conversas e situações que não são dadas a um espírito de sua categoria. Foi testemunha de fatos que provavelmente apenas um grupo mínimo de pessoas na Terra, e até mesmo fora dela, foi capaz de escutar. E de posse disso nada fez, tanto para o bem quanto para o mal... Mas em compensação a revolta que a desolação trouxe a sua alma foi grande o suficiente para abalar sua noção de certo e errado na Terra. E deu no que deu... O Primeiro Tiro.

– E no que isso interfere em decisão?

– Em nada, mas me interessei por você em especial... Por causa da sua informação, não quero ela de posse de qualquer um.

– Quer dizer que estou passando por isso tudo só pro causa de segredinhos?

– Sim, e por gosto pessoal meu, mas acontece que quando você morreu o meu lacaio decidiu dar cabo definitivo de você... E não gostaria de ver algo ruim acontecer a um espírito tão novo quanto você. Ele sempre destrói suas vítimas na Terra, pra evitar aumentar o Carma dele... O "Aqui se Faz, Aqui se Paga"... Inteligente até, se não tem cobradores não tem dívida, apenas a consciência dele e ele não é o tipo de ser que se culpa muito... – Quando a Sombra falou isso, Jonas observou para o Cavaleiro Negro e teve a certeza de que ele sorria com tudo aquilo. – Em suma, se está até agora aqui existindo, é porque eu pedi a ele que o mantivesse vivo.

– E porque esse interesse súbito por minha pessoa? Não seria mais fácil me matar simplesmente?

– Porque vi que seria algo bem interessante... Demais, mas não posso falar até você aceitar minha oferta. Entenda, você só terá significado até o momento que disser "sim" ou "não", depois disso é consequência de suas escolhas, e entenda uma coisa: um "não" será desagradável, pois não poderei conter meu fiel amigo...

– Eu o conterei. – Interrompe o anjo. – Escolha com seu coração, não com seu medo. Estou aqui para protegê-lo de qualquer coisa, tenho Ele a meu lado...

– "Ele" não está aqui... – Fala a Sombra, devolvendo a interrupção. – E nós dois sabemos o que vai acontecer se vocês entrarem em conflito.

– Sei, e nada tenho a temer com Ele a meu lado... – Disse o anjo.



O Cavaleiro Negro embainhou sua espada novamente, observando atentamente Jonas a medida que deixava o jovem livre para se levantar. "Ótimo, civilizadamente...", disse a Sombra, irônica. O anjo se postou entre o Cavaleiro Negro e o jovem, deixando bem claro, sem uso de palavras, que o Cavaleiro Negro teria que passar por ele para conseguir algo. Jonas apenas ficava mais desnorteado com isso tudo.

– Isso vai me enlouquecer... – Balbuciou Jonas, já em pé.

– Não, a não ser que deseje isso... – Disse a Sombra, em seu ouvido. – Bem, se não tem mais perguntas, gostaria de uma resposta, não tenho toda a eternidade a sua disposição... E a espada de meu amigo quer aplacar a fome de sangue... Ops, você não tem mais sangue.

– Eu não posso escolher ser deixado em paz e longe de tudo isso? – Perguntou Jonas.

– Não de minha parte. – Disse o Cavaleiro Negro. – Só uma palavra e atravesso a cabeça de seu protetor e depois arranco a sua.



Jonas travou. Sabia que estava em uma encruzilhada e algo dentro de si garantia que apesar de toda a balela a respeito de livre arbítrio na realidade não tinha escolha alguma. Fitava o anjo e teve uma estranha impressão a respeito dele. Apesar de toda a aparência pomposa do ser divino, seu semblante mascarava algum sentimento diferente em relação à aquele momento, soava-lhe como se o anjo soubesse de algo ou tivesse alguma ordem que era segredo a senão todos ali, mas com certeza a Jonas.

– Diga-me, uma coisa, anjo. – Falou Jonas. – Você me responderia qualquer pergunta, qualquer coisa que lhe perguntasse, não?

– Sim. – Respondeu o anjo, com semblante mais preocupado ainda.

– Bem, gostaria de saber o motivo de tamanha preocupação... Existe algo que eu deveria não saber?

– Como assim?

– Exato, existe algo que se eu perguntar a você serei desviado da linha de pensamento e forçado a tomar conclusões erradas?

– Não. – Respondeu, demonstrando total sinceridade em suas palavras.

– Então se não é isso, do que se trata então?

– ... – Silenciou o anjo e Jonas teve certeza, existia algo mais.



Naquele instante Jonas teve certeza que muito mais estava em jogo do que simplesmente sua existência. "Adalberto morrera e nenhum anjo aparecera para salvá-lo", pensou, "porque então para mim teria?". Essa dúvida assombrou-lhe de tal forma que sentiu-se então satisfeito com apenas uma coisa. Se queria saber o que a Sombra planejava, jamais obteria tal informação da parte do anjo. Ele provavelmente o levaria para um lugar bem longe de onde jamais saberia porque tudo aquilo aconteceu. E Jonas, como dito no início de tudo, era tudo menos sensato. E ele tinha curiosidade em saber.

– Sombra, eu aceito sua proposta. – Afirmou.


O anjo deu de ombros e voou sem se despedir. Apenas desejou sorte a Jonas em sua decisão e que lembrasse sempre de Deus. Jonas não se importava mais com nada. A sombra pela primeira vez deixava transparecer algo em sua escuridão além de seus olhos brancos, deixou aparecer um largo sorriso. Ela pela primeira vez fez aparecer sua mão, uma mão feminina e delicada, estendeu-a até Jonas e os dois fecharam o acordo com um aperto de mãos. "Agora, precisamos apenas tornar oficial isso...", disse a Sombra enquanto ela mesma recobria o corpo todo de Jonas e deixava-o com uma pequena marca no braço direito, era um risco negro, semelhante a uma tatuagem. Começava grosso de um lado e afinava até desaparecer do outro. "Minha assinatura, todos os meus contratados possuem...".

– Marcado como gado... – Disse Jonas.

– Não, você tem toda a sua liberdade, contanto que me acate quando sua liberdade interferir em meus interesses durante nossos trabalhos.

Jonas apenas assentiu com um gesto com a cabeça. Sem dar tempo de processar a informação a sombra cresceu de tamanho e envolveu Jonas e o cavaleiro em uma completa escuridão. Jonas teve a sensação de voar muito rápido e quando a escuridão cessou ele, acompanhado da Sombra e do Cavaleiro, estava novamente onde tudo começara, naquele mesmo desfiladeiro vermelho...

 
De volta... ao início de tudo... Fim das Revelações.
 
Próxima parte: Conspiração.