O sol ardia as quinze horas da tarde daquele dia. Como sempre o trânsito do centro do Rio de Janeiro estava caótico e buzinas soavam famintas aumentando ainda mais a sensação de calor em todos os motoristas infelizes que tinham que passar por aquela região. Não haviam pessoas satisfeitas, não havia o sorriso lendário do rosto carioca. Apenas um ou outro conseguia sorrir, mas esses com certeza não eram motoristas...
- Odeio essa cidade. - Comenta Almeida, enquanto dirige seu santana preto de placa branca pela Av. 1° de Março.
- Mas adora as putas. - Responde Frederico, ou apenas Fred, seu companheiro.
- O que tem as putas a ver com isso? - Brada o homem.
- Nada, mas achei engraçado falar isso... Você tem menos de vinte e três anos e reclama como uma velha rabugenta! Já pensou o que vai fazer quando chegar aos trinta?
- Com certeza não vou dirigir aqui nessa merda de cidade...
- Sabe onde você deveria morar?
- Onde?
- Em Paquetá!
- Paquetá é meu ovo esquerdo Fred! - Grita Almeida, socando o volante. - Deus me livre voltar para àquele lugar! Onde já se viu? Aquilo fede a bosta de cavalo...
- Mas era lá que morava antes de entrarmos na Civil...
- Isso mesmo! Antes! E nunca mais ponho os pés ali!
Cinco horas da tarde Almeida e Fred estão em Paquetá. Saltam da Barca Charitas, que surpreendentemente fizera a viagem em uma hora acompanhados por repórteres e os mais diferentes tipos que se movimentam em busca de alguns minutos de fama. Fred sorria irônico para Almeida, lembrando do rádio dos superiores lhes mandando para Paquetá. Os dois saíram da barca de maneira discreta, subiram em um eco-táxi* e metros depois saltaram no hospital local, que ficava a menos de uma quadra da estação de Barcas.
- Porque me fez gastar dinheiro a toa, Almeida? - Reclama Fred, pagando ao eco-táxi pela viagem inútil.
- Foi divertido... Precisava reaver meu bom humor. Seis reais nem é tão caro assim.
- Vai te a...
A frase não se completou. Foram recebidos com fervor pelo Doutor Abreu, um legista de fora e conhecido dos dois policiais. Era um senhor de aparentemente quarenta anos mas cabelos grisalhos quase brancos. Vestia um avental branco com algumas gotas de sangue espalhada e no peito tinha um crachá com o logotipo do Instituto Médico Legal. Pela situação rara e inconveniente, para evitar mais disse-me-disse da Imprensa o próprio IML optou por fazer tudo em Paquetã.
- Que bom que vieram. - Comentou Dr. Abreu, estendendo a mão para Almeida, sem notar que ainda estava com a luva cirúrgica.
- Abreu, a luva. - Indicou Almeida, causando certo constrangimento a Dr. Abreu, que imediatamente se livrou da luva com os dentes e a descartou no chão do hospital sob olhares de reprovação de pessoas no local.
- Para que servem serventes? - Comentou, sem maldade. - Vieram ver a menina?
- Claro Abreu.. - Diz Frederico. - Porque mais estaríamos aqui a essa hora?
- Almeida não é daqui? - Pergunta Dr. Abreu.
- Pelo amor de deus! Eu saí daqui fazem dois anos! Agora moro em Copacabana! Co-pa-ca-ba-na! - Soletrou Almeida.
- Que seja! Venham comigo...
O hospital Manoel Artur Villaboim era um hospital simples. Possuia três entradas. A da emergência pela esquerda, a central que dava nos quartos e uma na direita levava aos consultórios. Abreu guiou os policiais pela entrada da emergência, que ficava um pouco mais para dentro do terreno do hospital. A ala de espera tinha apenas os familiares da vítima - que os policiais reconheceram pela tradicional face da perda, expressão já velha conhecida. - e uma mãe que parecia esperar um filho. Não havia ainda sinal da imprensa, por sorte.
No final e a esquerda da sala de espera estava a porta dupla que dava acesso ao interior do hospital. Dr. Abreu abriu a porta com já certa intimidade e avançou pelos corredores azulejados de azul até uma ou porta de madeira pintada de branco - mas mal conservada. - identificada como "CTI" ou algo parecido. Abreu fez o sinal da cruz em seu peito e entrou, sendo acompanhado pelos homens da lei.
- Desculpem a bagunça. - Comentou Dr. Abreu, enquanto cobria o cadáver de Isabela com um lençol, mas não antes que Almeida e Fred a vissem ainda com as víceras expostas.
A sala parecia bagunçada como Dr. Abreu comentou, mas era uma bagunça anterior a sua passagem e ainda assim mais arrumado do que a área do necrotério onde ele habitualmente estava. A primeira coisa que Almeida e Fred deram falta, e não lamentaram, foi do tradicional cheiro de pobre do IML, ausente naquele quarto. A única bagunça de Dr. Abreu podia ser constatada por uma mesa de instrumentos cirúrgicos ensopados de sangue e um pequeno coração acomodado em uma bacia de alumínio.
- Demoraram a chegar. - Comentou o médico, pegando um pequeno gravador.
- Soubemos depois da barca de 13:30, só pudemos vir na de 16:00. - Responde Almeida.
- Ainda bem que vim cedo e tirei fotos do lugar! A essa hora já deve ter se transformado em ponto turístico desse povo sádico. - Comenta o médico, enquanto coça a cabeça sem perceber que estava com a mão suja de sangue e sem luva. - Querem as fotos agora?
- Não. - Disse Fred, agradecendo com um gesto. - Manda por e-mail... Já era, espero apenas que a trilha esteja interditada.
- Ah, isso está sim. - Afirma Dr. Abreu, com veemência.- s pessoas podem conseguir pular muros, mas com apenas três entradas para a trilha do mirante sudoeste protegidas pelos GMs nada passa.
- Exiistem dois mirantes no Parque Darke. - Explica Almeida ao colega.
- Mas e o que sabe? - Questiona Fred, satisfeito com a curta explicação de Almeida.
- Bem, vamos começar pelos hematomas... Ela não apanhou, as marcas foram resultado de outros fatores. O suspeito provavelmente a arrastou pelo parque sem muido cuidado e a trouxe para o trono, enquanto a despia pelo caminho. Também não houve abuso sexual e ela morreu de afogamento.
- Afogamento?
- Sim, os pulmões dela estavam cheios do próprio sangue... - Falou Dr. Abreu, retirando o lençol de sobre a vítima e virando-a de costas. - Sangue que entrou por aqui!
Havia uma perfuração nas costas da menina exatamente na altura do pulmão esquerdo. Era um corte horizontal e profundo. Dr. Abreu fez questão de mostrar a perfeição do ato, que parecia possível apenas com aço cirúrgico ou algo muito afiado. Almeida e Fred observaram intrigados o ferimento, que parecia dizer muito mais do que apenas trasmitir a forma de assassinato. Dr. Abreu percebeu o espanto dos amigos policiais, cobriu novamente o corpo e com sarcasmo voltou a falar:
- Eu acho que ela foi a primeira. - Comenta o médico.
- Por que seria? - Questiona Almeida, temendo o ponto de vista do médico e amigo.
- Porque acharam mais um corpo... No outro mirante!
Continua...
* Bicicleta de turismo com três rodas, pilotada por um jovem de pernas fortes e que possui uma pequena área estofada na parte traseira onde duas pessoas se acomodam.
Outras Partes de "O Parque Sombrio":
- Parte 1;
- Parte 2;
- Parte 3;
- Parte 4;
- Parte 5 (novo);
O Parque Sombrio - 1
A Ilha de Paquetá é uma pequena ilha localizada no centro da Baía de Guanabara, estado do Rio de Janeiro, e ligada à cidade apenas através de barcas pegas na Praça XV de Novembro, na cidade do Rio de Janeiro. Um local bucólico e ao mesmo tempo belo, palco de ilustres visitantes como Dom João VI. Uma de suas principais atrações turísticas é o Parque Darke de Matos, um recanto de beleza sem igual situado ao sul da Ilha.
O dia estava ensolarado naquela tarde de Janeiro em Paquetá. Pássaros cantavam e crianças brincavam no gramado do parque. Isabela completara dezesseis anos dois dias antes, e passeava exuberante no vestido de renda que ganhara da mãe. Religiosa e responsável costumava estudar nas tardes livres em um dos mirantes do Parque. "Ali me sinto mais perto de Jesus", dizia quando questionada.
Carregando seus livros de português perdeu a noção do tempo e não notou que os risos das crianças cessaram e que aos poucos os pássaros sumiam. Apenas percebeu o avançar da noite quando ficara difícil ler e voltou a realidade. Olhou seu celular e viu que já passavam das seis da tarde, e em muito pouco tempo escureceria. Assustada e com medo de ser encontrada por algum guarda municipal (não queria levar bronca), pegou suas coisas e desceu pela trilha que subira horas antes.
Enquanto corria sua respiração pesava mais e mais e sentia um nervosismo maior na medida em que escurecia cada vez mais rápido. Sem prestar atenção acabou tropeçando em um galho solto e caiu com as nádegas no chão. Riu consigo mesma pelo medo que sentia e levantou-se rápido, limpando com rapidez a terra de sua saia. "Estou em Paquetá! Deixa de ser nervosa... Rasguei o vestido...", diz para si mesma percebendo um pequeno furo na ponta da saia.
CRAC!
O som interrompe sua mente e a deixa preocupada. Não é algo normal para a hora. Seria um galho quebrado? Um lagarto? A dúvida assombra a mente de Isabela, que começa a caminhar mais rápido. Deixa para trás seu material de escola, com a mente ocupada pelo som.
CRAC!
Não foi um acidente. Foi proposital. Isabela retoma a corrida, agora mais assustada ainda. Não se dá conta do cenário a sua volta e nem se preocupa com mais nada além de correr. Novamente se desequilibra, mas consegue retomar o passo até que chega a uma bifurcação. Se estivesse em condições normais lembraria que o caminho da esquerda era o que a levaria para o final da trilha, o da direita a guiaria para uma parte dos túneis do Darke de Matos. Sua mente pensa em...
CRAC!
Escolher? Com o som mais proximo? Ela segue seu rumo natural (é destra) e chega até uma pequena clareira com três túneis parcialmente obstruídos pelo tempo. Lendas e causos Paquetaenses dão conta que eram antigos depósitos de corpos de escravos. Isabela está nervosa demais para se lembrar desses detalhes. Vira-se para tentar fugir quando algo lhe atinge a cabeça.
A última coisa que vê é a luz do luar quando seus olhos procuram o céu e a salvação por Cristo...
No dia seguinte seu corpo é encontrado no parque. Isabela foi abandonada em um pequeno palco que existe na parte central do Darke.. Está sentada em uma cadeira escavada na pedra. Completamente nua e com diversos hematomas que deixam claro que foi violentada, mas suas mãos estão encostadas e fechadas em formato de concha, com um pequeno papel mantido firme entre elas. Os policiais não se arriscam a tocá-la antes da chegada dos legistas, apenas se ocupando em manter curiosos distantes.
Os pais dela chegam e choram. Tentam tocá-la mas são impedidos pelas autoridades. Lágrimas escorrem, pois Isabela era querida por todos na Ilha, e agora nunca mais poderia realizar seu sonho: ser professora.
E Isabela não seria a última...
Continua.
Outras Partes de "O Parque Sombrio":
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- Parte 3;
- Parte 4;
- Parte 5 (novo);
Vinho e Corpos Ardentes.
Ela caminhava sem pensar no dia seguinte com algumas compras de natal. Seu corpo exaltava a beleza de seus vinte anos incompletos e seus longos cabelos bem cuidados ressaltavam ainda mais a rigidez de seus seios cobertos apenas por um vestido vermelho. Não havia rubor em seu rosto ou mesmo pensamentos maldosos em sua mente, na sua cabeça era apenas um vestido simples, vermelho liso que chegava até seus joelhos. Nos olhos de quem a observava era algo um pouco mais complexo.
Chegou em casa apressada. Não demoraria muito e sua novela favorita começaria. Eram apenas duas da tarde, a novela começava as nove da noite. Preencheria esse tempo dedicando-se a algumas conversas no computador e um pouco de cochilo. Jaqueline, ou simplesmente "Quel" como era chamada pelas amigas, curtia as primeiras férias em dois anos de trabalho duro em uma firma de administração de imóveis no centro de sua cidade.
Quel caminhou perene até seu quarto e sentou-se na cama. Com calma despiu-se do vestido vermelho e olhou-se no espelho, como sempre fazia. Tocou seus seios ainda rijos da idade e sorriu marota para si mesma. Ela sentia o desejo querer escorrer por suas pernas, mas não tinha nada ou ninguém que lhe fizesse companhia. E nem teria.
Era dia 24 de dezembro, sua família morava toda em outro estado e esse ano, devido a escala de seu trabalho só viajaria no ano novo. Seria um natal solitário, ao menos por enquanto. Apenas vestida de calcinha caminhou até a sala e sacou da geladeira uma garrafa de vinho tinto. Não era a melhor marca do mercado, e particularmente lixava-se para valores sociais em casa. Se fosse Don Perignon ou apenas um Sangue de Boi beberia daquele que estivesse mais de acordo com seu humor.
Essa era a noite do "Boá". Pegou um copo de vidro sem requinte, encheu-o até a borda e tomou de um gole só. "Delícia!", comemorou enquanto sentia algumas gotas escorrerem por seu corpo. Tornou a encher o copo e foi para o computador. Não havia ninguém online, ao menos não interessante, apenas os mesmos colegas nerds incapazes de largar o computador pra se socializarem, mas nenhum eventual pretendente. A webcam lhe parecia cada vez mais ousada a cada gole.
O tempo passou rápido demais.
Já era noite quando saiu do computador sem conseguir mais do que conversar e bloquear em definitivo um qualquer que usava o nick "$$WARCRAFT É O PODER$$". Foi até a janela e observava de sua janela o vai e vem dos últimos carros transportando os atrasados do natal. Respirou fundo e lamentou que essa noite não teria nenhuma ave no natal. Caminhou até sua cama e deitou-se. Foi quando notou que não estava sozinha.
Sentiu uma estranha vibração nos pés parecida com dedos tocarem seus pés. Sentiu-se aflita, pois poderia estar muito mal. De repente os dedos continuaram a subir e um estranho vulto enegrecido formou-se diante de si. O vulto possuía braços com contornos femininos e uma leveza e suavidade no toque que transformavam o medo de Quel em prazer. Deixou-se dominar pela estranha força e não ofereceu resistência quando a sombra arrancou-lhe a única peça de roupa que vestia e transformava sua calcinha em meros fiapos espalhados pelo quarto.
Sentiu-se finalmente penetrada pelo vulto e seus olhos reviraram. Seus seios eram mordiscados com perfeição e cada espasmo a levava para mais alto. Seus olhos se reviravam, queria se contorcer ou berrar, mas o vulto a impedia de fazer qualquer movimento. E essa imobilidade apenas aumentava seu prazer.
De repente Quel sentiu-se extasiada e deu um berro de prazer. De repente tudo parou. Sua cama estava completamente encharcada por seu suor e seus fluidos. Não havia sinal algum da presença misteriosa, apenas via a garrafa abandonada de vinho no chão e os primeiros raios do sol penetrando por sua janela, iluminando seu corpo ainda rígido dos tórridos momentos.
Levantou-se decepcionada. Era bom demais para ser verdade. Ergueu-se nua e caminhou para o banheiro. Enquanto andava notou alguns sinais estranhos.
Sua calcinha estava realmente despedaçada no chão, ao seu lado na cama havia a silhueta de outra pessoa, que lembrava-se uma outra mulher. E seu maior susto ocorreu quando foi ao banheiro. Havia um forte vapor nele, como se alguém tivesse acabado de sair de um banho fervente. Sobre a mesa do banheiro flores brancas jaziam abandonadas e desenhado no vidro do espelho uma única mensagem:
"Foi ótimo."
E abaixo da mensagem nenhuma identificação, apenas um traço. E mais nenhum vestígio da presença de uma segunda pessoa, nenhuma pegada, nenhuma marca, nenhum sinal de arrombamento na porta. Nada. Apenas uma estranha sensação em Quel de que a observavam.
Quel dormiu fora de casa nas noites seguintes ao que foi seu melhor natal
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