Cachaça e Paixão.

Ele apenas tinha um copo vazio e um olhar torto. Não fixava a visão em lugar algum e sequer conseguia fixar a mente para se importar. Estava em seu mundo particular e nem mesmo percebera quando o dono do bar o guiara por duas quadras e o abandonou solene em um banco de praça. Seu corpo ardia, mas menos que seu peito. "Marta", era a única coisa que conseguia balbuciar. Não faziam nem cinco horas que encontrara Marta e menos de três horas que ela queimara suas coisas e o expulsara de casa. Uma áspera discussão, ápice de um casamento torpe e que há muitos anos já dera mais do que podia. Mas ele ainda a amava, no fundo mais profundo de seu coração ainda ardia a mesma paixão de dez anos atrás. E ele precisava tentar mais uma vez, apenas uma. Levantou-se trôpego, com o copo na mão esquerda e a garrafa vazia de Velho Barreiro na outra. Arrastou-se pelas quadras em busca de seu antigo lar, movido apenas pela vontade de rever Marta. Pouco a pouco conseguia juntar letras e formar palavras, e quando estava na porta de seu condomínio já conseguia até mesmo falar com o porteiro noturno. - Diaslslaskls, Marta! - Falou. - Boa noite pro senhor também. - Respondeu o perteiro, alheio ao idioma da cachaça. Pegou o elevador até o sétimo andar e após cinco tentativas frustradas conseguiu finalmente encontrar a porta de casa. Adentrou sorrateiramente, pelo menos achava, e caminhou pela sala. Não notou a presença de um capacete azul escuro e um estranho casaco de couro marrom sobre a mesa de jantar, mesmo esbarrando em ambos. Chegou até o quarto e viu Marta, dormindo nua sob os lençois. Ela tinha um sorriso satisfeito e nada lembrava a mulher que horas antes o expulsara de casa. Menos entorpecido escuta a voz de alguém cantando no banheiro. É uma voz familiar, mas que não reconhece mesclada ao som da água. Entra no banheiro e vê um homem tomando banho. Tomado de ciúme e cego de ódio ele abre subitamente a porta, ergue sua garrafa e golpeia o homem com a garrafa de Velho Barreiro. Uma. Duas. Cinco pancadas. O sangue escorre pelo chuveiro. Sangue, vidro e ossos do homem que agora está caído no banheiro com um rombo na nuca do tamanho de uma palma e o rosto completamente desfigurado pelos cacos do vidro da garrafa que se despedaçara na primeira pancada. Ainda tomado pela raiva cambaleia até o quarto de sua esposa e a acaricia. Ela blabucia seu nome, o que apenas aumenta ainda mais sua raiva. Marta desperta e a última visão que tem é a de seu amado. Em seguida tudo escurece enquanto as mãos fortes e raivosas agarram seu pescoço e a estrangulam. Sem mais nada a pensar e a fazer ele se ergue. As mãos maculadas pelo ódio tocam seu rosto e o sujam de sangue. Agora está completamente sóbrio, trazido do mundo da bebida pelo ardor da fúria. Caminha até a sala e finalmente nota o casaco marrom e o capacete. Uma carta cai do casaco. Ele a lê, e lágrimas escorrem de seu rosto. Em seguida pula do sétimo andar para a morte. A libertação. No dia seguinte jornais noticiam: - Matou esposa e filho, depois se suicidou. E caída no chão, estava um singelo pedaço de papel...
Pai, Como você não chegou a tempo, eu decidi escrever essa carta mesmo. Provavelmente quando acordar de manhã já terei pego minha moto e partido. Consegui finalmente me curar daquela terrível doença. O médico informou que não precisarei mais comparecer as sessões de quimioterapia e que se as coisas continuarem desse jeito me dará alta completa até o final da semana. Mamãe me contou da briga que tiveram, mas relaxe. Ela o ama, e conversei com ela a respeito. Amanhã espero que estejam bem melhor, não quero pensar que minha doença tenha acabado com o casamento de vocês. Não vai ser uma briguinha que vai acabar com um casamento de anos, ainda mais agora. Te amo, pai. Cuide bem da mãe.
Inserido a pedidos do Lestat.

O Parque Sombrio - 5

- Me dá mais uma da boa! - Berra Abreu, com o copo vazio de cerveja. Sentado em uma mesa do Bar do Zeca, um boteco local, o médico e legista Abreu não parece se incomodar muito em esperar dias na Ilha de Paquetá pelos resultados de testes de amostras retiradas das vítimas do Parque Darke. Ele está completamente embriagado e aos beijos com uma mulher que aparenta idade para ser sua mãe (sendo que ele tem quase cinqüenta anos). Naquele momento em específico ele faz aquilo que sabe fazer melhor: torrar dinheiro público. Não que Abreu seja corrupto, mas ele conta nos dedos quantos não se aproveitaram de esvaziar cofres públicos em diligências optando em comer em locais baratos ao invés de só usufruir do bom e do melhor. "Considerando nossas condições de trabalho, é nada mais que justo", respondia quando questionado sobre suas práticas onerosas dando a entender que o estado precário do IML era justificativa para seus atos. Quando chega quase uma hora da manhã Zeca, o dono do bar, de forma educada convida todos a se retirarem. Abreu, ainda abraçado da mulher, se levanta e pede apenas mais uma cerveja pra viagem, sendo atendido prontamente. Zeca preferia se livrar do bêbado do que manter um casco de vidro - pelo qual cobrou. Abreu retoma caminhada com sua parceira e caminham até a Praia da Guarda. Excitados pela bebedeira os dois se sentam um banco a beira da praia e começam carícias mais ardentes. Beijos e gemidos se manifestam e um seio já está a mostra quando escutam o som baixo da viatura de polícia. Imediatamente os dois se recompõe e se levantam ao mesmo tempo que a polícia passa e os ilumina com a lanterna. Um dos policiais reconhece o médico. - Vai São Jorge! - Berra o policial, gargalhando com o amigo. - Vamos para algum lugar mais íntimo? - Propõe a mulher, lambendo a orelha de Abreu. - O que sugere? - Pergunta, tomando em seguida um gole de cerveja. - Vamos pro Darke? - Fala a mulher, apontando para o Parque, completamente escurecido. - Mas... - To vendo que vai brochar, não é? - Nem pensar! Os únicos mortos que Abreu manipula são os do IML! Eu sou muito vivo! Vamos para lá... Você nunca vai se esquecer dessa noite! O casal cambaleia pela noite em direção ao Darke. Uma caminhada que levaria apenas cinco minutos de onde estavam leva quase quinze por seus estados físicos e mentais. No caminho Abreu propõe que se agarrem na praia, mas a rampeira insiste em fazerem tudo no parque. "Lá é mais gostoso porque é proibido.", provoca enquanto coloca a mão dentro da calça do legista. Com rapidez e experiência a moça pula o muro seguida por Abreu. Caminham pela área livre do parque até que chegam ao local onde o corpo de Isabela foi encontrado. Um pouco de náusea tomou Abreu enquanto continuavam e avançavam rumo a trilha que levava ao mirante. A trilha foi percorrida em menos de sete minutos, entre tropeços e gargalhadas bêbadas. Mal chegaram ao Mirante a blusa da rampeira foi tirada e Abreu já passeava entre seus seios. Foi um sexo selvagem e sem muita preocupação. Estavam completamente sós e as únicas testemunhas do ato eram animais e o céu estrelado daquela noite. De repente Abreu tem a impressão de escutar um galho se partindo. Retira a boca do ventre da mulher e olha para os lados. - Você escutou? - Pergunta o médico. - Escutei o que? - Responde, ofegante de prazer. - Um galho se partindo. - Está maluco doutor? Vamos continuar! Abreu retoma os afazeres e novamente escuta o som, dessa vez mais perto. Se levanta e procura por alguma arma entre suas coisas. "Merda! Esqueci o 38 no hotel!", pensa enquanto sua parceira se levante contrariada. "Tá chapado?", pergunta revoltada enquanto veste a calcinha. - Cala a boca e escuta! - Bronqueia Abreu, agarrando o braço dela e olhando nos olhos dela. - Escuta! Nenhum som. Nada. A mulher se afasta de Abreu e veste o resto da roupa. "Você é um filho da puta! E maluco! Tinha que ser doutor de defunto mesmo...", reclama a moça quando finalmente escuta o terceiro galho se partir. - Abreu? - Agora escutou sua puta! - Fala o médico, armando-se com a garrafa vazia de cerveja. - Eu disse que esse lugar era ruim, mas você me escutou? Claro que não. Me agarrou pelo pau e me trouxe aqui. Feliz agora? - O que é? - Sei lá o que é, mas está nos observando... Vamos sair daqui com cuidado, sem correr. Abreu começa a caminhar, seguido pela mulher. Atento e com o sangue frio de quem lida com o que há de mais bizarro na raça humana há anos ele parece tranquilo. A garrafa lhe dá uma falsa segurança, que reforça pegando no chão um galho grosso de alguma árvore. A rampeira o acompanha e quase o abraça enquanto descem a trilha com cuidado. Um novo som se escuta próximo deles e uma fruta atinge a mulher, que desesperada desvencilha-se de Abreu e corre pela trilha, desaparecendo aos bwerros. - Merda! - Reclama o legista, ficando só. O legista caminha atento, em parte nervoso pelo abandono e no fundo mais calmo por não ter nenhum empecilho ao lado. Ele não é incomodado por toda a descida. Apenas se dá conta que está completamente nu quando chega no fim da trilha. "Merda! No susto deixei as roupas lá em cima!", pensa enquanto decide se retorna ou não para buscar ao menos as calças. - Abreu! - Berra uma voz conhecida se aproximando. - Fred! - Reconhece Abreu, escondendo as partes íntimas com a garrafa semi-transparente, o que não é exatamente a melhor solução. - O que houve com você? - Pergunta o policial. - Estava comendo e escutei um barulho, fui conferir. - Comendo pelado? - O que se come pelado, Fred? E você, também veio comer? - Estava procurando evidências com o Almeida. Escutei um eco estranho vindo do Mirante e vim para cá, o Almeida ficou do outro lado, ele só precisa de uma ligação minha pra vir. - Aquela vadia berrava muito alto, parecia uma vaca no cio... - Responde o médico. - Eu estava comendo lá em cima. Pode me acompanhar até lá? Preciso pegar minhas coisas. O médico segue o caminho de volta acompanhado dessa vez de Fred. A presença do amigo transmite um pouco de segurança. Caminham silenciosos, até porque Abreu está completamente envergonhado por sua situação ridícula. Ele chega até o Mirante e suas roupas continuam no mesmo local, intocadas. Veste a cueca e as calças e se sente menos mal, Fred o tempo todo observa atentamente. - Pelo visto foi uma senhora noite. - Comenta Fred, sentindo o cheiro forte de cerveja e do alcóol. - Era uma boa mulher. - Pena que não a vi. - Como assim? Ela saiu correndo na minha frente... Você com certeza a viu correndo pelo parque até a saída. - Não vi mulher alguma sair da trilha. Por um instante Abreu gelou por dentro. Continua... Outras Partes de "O Parque Sombrio": - Parte 1; - Parte 2; - Parte 3; - Parte 4; - Parte 5 (novo);

O Parque Sombrio - 4

Dois corpos. Fred e Almeida observavam com espanto o segundo corpo no necrotério improvisado no hospital de Paquetá. Era um jovem de pele clara, cabelos negros lisos aparentando dezesseis anos. Nele tinha as mesmas marcas de hematomas da primeira vítima. O legista Abreu observa os amigos com o costume mórbido de quem há anos faz esse serviço, enquanto em paralelo termina com seu sanduíche. - Porque não nos falou dele antes? - Pergunta Almeida a Dr. Abreu. - Porque foi encontrado quando estavam na barca. - Responde. - Em uma hora e vinte muita coisa acontece. - Percebo. - Fala Fred. - Qual o nome dele? - Marcelo. - Responde Almeida, com lágrimas nos olhos. - Ele é meu amigo de infância. - Deus! - Brada Fred, assombrado. - Eu vou pegar esse filho da puta, parceiro... Vou lhe arrancar os bagos pela boca, eu prometo. Almeida afasta-se do corpo de Marcelo e apoia-se em uma pilastra. Fred o ampara, preocupado com o envolvimento de Almeida no caso. "Espero que consiga manter as estribeiras", pensa enquanto observa Dr. Abreu cobrir novamente o corpo. - Só existe uma diferença entre esse corpo e o outro. - Diz Abreu. - Qual? - Pergunta Fred. - Ele não tem a marca nas costas. E pelo que vi, Marcelo sofreu violência sexual... - Um assassino gay? - Pergunta Fred. - Não tenho certeza, encontrei marcas de... bem... ferrugem. - Fala o médico, sem jeito de como falar do estado do amigo de Almeida. - Provavelmente o dano foi causado por um objeto irregular e enferrujado, um cano velho ou sei lá qual objeto, pois não tinha nenhum no local onde o encontramos. - E onde o encontraram? - No Darke, como disse há pouco, na trilha para o outro mirante. Estou esperando alguns testes chegarem do continente para confirmar algumas suspeitas minhas. - Quais seriam? - Questiona Almeida, quase recuperado. - Que temos dois assassinos, e não apenas um. - Uma ilhota de merda e dois assassinos? Deve ser coincidência, Abreu. Não tem como ser... - Fica calmo, ainda é apenas uma suspeita. Só saberei quando os resultados chegarem, até lá vou curtir uns dias em Paquetá às custas do estado. - Curtir? Você vai é se afogar em cachaça... - Isso também! Sem mais o que conversarem com Abreu eles saem da sala. Almeida e Fred fazem anotações em seus blocos e decidem juntos ir até o Darke de Mattos procurarem pistas. Almeida nesse momento se tornava um trunfo no caso, por ser antigo morador, e com a morte de um amigo de infância o crime deixara de ser apenas mais um caso e se tornara pessoal. O parque já estava fechado desde as dezessete horas, e chegando as dezoito horas não conseguiriam nem encontrar um funcionário no portão. "Não se preocupe, é só pular o muro.", comenta Almeida, enquanto caminha pelo entorno da entrada e encontra rapidamente uma parte do muro possível de pular. Fred reluta um pouco, mas acaba cedendo a curiosidade. Em poucos minutos os dois policiais invadem o parque e caminham com calma pela escuridão que a cada minuto fica mais forte. - Isso vai dar merda. - Sussurra Fred. - Porque? - Questiona Almeida. - Faço isso desde pirralho, e pelo menos metade dessa ilha foi fabricada aqui. O Darke a noite é um verdadeiro motel! - Mas nós somos policiais! Deveríamos ao menos ter pedido autorização ao administrador daqui. - Você o viu? - Não. - Nem eu, então vamos até a segunda trilha logo, procuramos pelo tal cano de ferro e vamos embora daqui. Trouxe lanterna? - Só celular. - Eu trouxe, então não atrapalhe, ok? - Almeida saca uma pequena lanterna de bolso e ilumina o rosto de forma sinistra. - Eu sou o assassino do Darke! Buuuuuuu! - Qual a sua idade Almeida? Dez anos? - Em cada perna. - Responde Almeida. - Fred, já te falei que você é muito babaca? - Hoje ainda não. Os policiais chegam sem serem pertubados rapidamente ao início da trilha do segundo mirante. Menos fanfarrão Almeida passa a utilizar a lanterna do jeito tradicional e segue a trilha deixada pelos policiais militares quando recolheram o corpo. Depois de alguns metros subindo chegam ao mirante e encontram a marca de giz no chão feita pelos primeiros peritos. - Consegue ver aqui no escuro? - Pergunta Almeida, sem saber se o ângulo da lanterna é bom para o amigo. - Consigo, além da lanterna a noite está clara por causa da lua. - É verdade... - Balbucia Almeida, observando a lua cheia sem dar muita importância. - Fred, onde você colocaria uma arma de crime? - Porque me pergunta isso? Eu não sou o assassino... - Mas você tem TOC, e loucura por loucura serve a sua... Depois de quase uma hora de procura minuciosa nada é encontrado. Nenhuma pista foi deixada pelo assassino, nenhum galho quebrado significativo e nem mesmo uma pegada existe que não as das botas policiais. "A pior merda que tem aqui nesse país é ser investigador! Proteger a cena do crime e nada são sinônimos...", reclama Fred enquanto sobe o mirante e observa o parque do alto. - O que seus olhos policiais podem ver? - Eu vejo... nada! - Eu... A frase de Almeida é interrompida pelo eco de uma gargalha sinistra. Os dois não estão sozinhos. Continua... Outras Partes de "O Parque Sombrio": - Parte 1; - Parte 2; - Parte 3; - Parte 4; - Parte 5 (novo);