Revelações de Jonas: Terceira Etapa da Viagem

Terceira Etapa da Viagem
A Revelação 


Como uma sombra...


"Comigo.", escutam ambos quando uma sombra negra se esgueira pelo chão e dele se ergue como uma massa disforme com dois olhos cintilantes em um branco calmo e ao mesmo tempo vazio de qualquer sentimento ou mesmo presença. O anjo faz menção de puxar sua espada e voar contra a massa negra, mas prefere optar pelo diálogo. Algo lhe diz para escutar as palavras da Sombra dessa vez, pelo menos por enquanto.

– Vejo que realmente vocês tiraram lições disso... Ele precisou ser humilhado e ver várias de Suas colônias dizimadas para aprender a olhar para baixo de vez em quando e se preocupar com as formigas do quintal... – Disse a Sombra, com uma voz suave e afiada. – Bom escutar isso de você, mesmo preferindo que outro o dissesse... Jonas, deve ter visto meu amigo por aqui, não?

– Quem? – Perguntou Jonas.

– Não se faça de rogado, me refiro ao cavaleiro negro... É, não foi uma ilusão de seus olhos o que viu, sua sanidade está perfeita. – Respondeu a Sombra.

– O que deseja aqui? Não vê que o momento não é propício... – Interrompeu o anjo, segurando no cabo de sua espada.

– Tenha calma, jovem Taniel... Não vou fazer mal algum a vocês, só vim dar uma informação útil a todos vocês do andar de cima. – Discursou a Sombra.

– Que tipo de informação?

– O Devorador de Almas se tornará meu contratado ao final desse ano terrestre, e, além disso, me tornarei seu mestre.

– Mas... Mas...

– Nada de "mas", você sabe no fundo de sua alma que seu amigo só possui dois caminhos agora, um leva a aniquilação total e outro o leva a meu caminho, a neutralidade. E a neutralidade a meu ver é menos destrutiva que qualquer outra coisa. E acrescento, meu servo irá bloquear os dons de seu amigo de comum acordo, até uma data por mim estipulada, e você será informado quando será esse limite. A mulher pensará que foi ela quem fez isso, deixemos a tola pensar assim.

– E o que você ganha com isso?

– Ora, que isso meu amigo... Até parece que não me conhece melhor que todos os papagaios de Deus... Ganho status quo, somente isso. Agora, quando o pai do Devorador de Almas vier em meu encalço terei os dois únicos que o feriram ao meu lado. Eles pela força de nosso acordo, me protegerão dele... Antes que pergunte, nunca te direi por que Mahl me quer, isso você vai ter que descobrir sozinho.

– E porque eu tenho que assistir isso? – Interrompeu Jonas, se colocando entre eles.

– Porque eu, tanto quanto o anjo sabemos que ninguém vai acreditar em você. E se insistir será tomado como louco e sofrerá por causa disso. – Afirmou a Sombra. – E, o melhor, ninguém pode culpá–lo por não querer dizer, ou melhor, se quiser esquecer tudo que viu hoje. Ninguém, pois você não pediu por isso. E mais, precisamos sempre de testemunhas, sempre. Senão, não terá acontecido.

– Então estou ouvindo tudo isso a toa?

– Sim e não. Depende do uso que fará do que ouviu... A informação é sua, mas o que fará com ela é que vai definir a utilidade disso, logo, garoto, boa sorte.


Antes que Jonas pudesse dizer algo mais a Sombra escorreu pelas pedras e desapareceu nas frestas do desfiladeiro. O anjo sentou–se sobre uma pedra e aquieceu–se. Jonas sentou ao seu lado e preferiu o silêncio. Sua cabeça latejava tentando entender tudo aquilo. O sonho a cada minuto estava se tornando lógico demais e ao mesmo tempo insólito. Era coisa demais para ele e esse pesadelo estava começando a perder a graça, "graça" que por sinal nunca teve. "Como eu acordo?", se perguntava cada vez mais. Então a imagem do rio cinzento brilhou forte em sua mente.

Cansado de tantos questionamentos e de toda aquela bagunça, Jonas se levantou e procurou por outra trilha de modo discreto, sem que o Anjo percebesse. Dificilmente o anjo perceberia, dado que estava imerso em seus próprios problemas. Assim que encontrou uma trilha desceu por ela o mais rápido que pôde. Tamanha foi a irresponsabilidade de Jonas que ele simplesmente despencou pela trilha, caindo a poucos metros da margem do rio. Enquanto caía escutou com nitidez o bater das asas do anjo, sabia que tinha pouco tempo antes que aquele anjo chamado Taniel viesse salvá–lo do rio, portanto, tinha que ser rápido. E foi, Jonas nem se levantou direito e pulou no Rio Cinzento.

Quando faltava menos de um metro para tocar a água do rio cinzento, os braços surgiram para buscá–lo. A princípio Jonas sentou o tocar delicado das mãos o erguendo sobre as águas, parecendo aqueles roqueiros em shows quando pulam no público e são carregados. Mas aí veio a dor. As mãos que o seguravam começaram a puxar partes de seu corpo em várias direções, desesperadas e sem soltar. Nenhuma parte de seu corpo era poupada e a dor era indescritível, parecia que seria completamente despedaçado e depois afundado. Sentiu quando seus braços e pernas foram deslocados pela força desses braços e quando estava quase desmaiando de dor viu o braço do anjo surgindo acima dele e erguendo–o velozmente para longe de rio. Estava salvo, completamente ferido e dolorido, mas estava salvo. O anjo depositou–o novamente no mesmo lugar onde estavam antes e fez menção que esbravejaria com Jonas, mas aparentemente desistiu e começou a voar novamente, mas dessa vez iria embora.

– Fique com Deus, Jonas... E cuide-se muito bem... Provavelmente não o verei mais. – Despediu–se o Anjo. – E desculpe-me pelo que assistiu hoje...

Jonas estranhou a atitude do anjo, quando percebeu que tinha algo errado com si próprio. Sua visão não estava, mas tão bem assim, não conseguia mais sentir do mesmo modo suas mãos e seus pés. Sentia cheiros pela primeira vez desde que chegara ali e escutava vozes ao longe, mas que se aproximavam mais. À medida que os segundos passavam, ele reconhecia nessas vozes os lamentos de sua mãe e seu pai. Reconhecia também pequenas agulhadas no braço. Então mais um flash, igual ao que vira no início de tudo. E voltava a se sentir naquela maca do hospital Souza Aguiar. Pela primeira vez estava grato de sentir o fedor daquele lugar. E para sua surpresa, conseguiu acordar.


Hospital Souza Aguiar, Centro - Rio de Janeiro, RJ.


Seu pai e sua mãe o abraçaram forte e o beijaram com muito carinho. Finalmente depois de três anos seu filho acordara. Já tinham perdido as esperanças, mas desde que a diretoria do hospital mudara dois meses antes, levando com ela os médicos corruptos que mantinham Jonas sedado, o jovem já demonstrara súbita melhora. Era dia vinte e quatro de Novembro de dois mil e dois, o incidente tinha acontecido em abril de dois mil e um, ou seja, Jonas sem perceber tinha passado quase um ano naquele lugar. E talvez nem se daria conta disso, pois ao despertar ele fez questão de considerar o ocorrido apenas como um sonho ruim e seguiu sua vida.

E seguiu sua vida. Seus pais processaram o hospital pelo ocorrido, pois foi descoberta a irregularidade dos médicos de Jonas, e conseguiram juntar dinheiro suficiente com a indenização para comprarem um apartamento em Santa Tereza. Considerando que antes eles moravam nos arredores de Nova Iguaçu, era uma ótima mudança, ainda mais que o pai de Jonas era porteiro em um prédio de Copacabana, isso acontecendo já em junho de dois mil e quatro. Mas para Jonas essas melhorias não foram suficientes. O sonho, mesmo sendo esquecido, deixou marcas na consciência de Jonas que o fizeram se revoltar com a vida que levava. Ainda eram pobres, apesar de possuírem casa própria, e, como se sabe, quando um adolescente pobre se revolta com a vida numa cidade como o Rio de Janeiro somente existem dois caminhos. E ele escolheu o do crime.

Dia vinte e três de Outubro de dois mil e cinco, Jonas e outros comparsas tinham acabado de assaltar um banco na Avenida Mem de Sá. Eram ele e mais quatro garotos, todos inexperientes. Tinham que roubar porque não faziam nem dois dias uma operação do Bope tinha levado embora toda a droga que eles tinham na boca de fumo, e agora tinham que pagar pelos produtos perdidos ou em dinheiro ou com a vida deles e de familiares. O próprio bandido do morro deu pra eles o serviço, era dia de pagamento dos funcionários das redondezas e nem precisariam entrar, só ficar na moita e esperar o office-boy responsável por depositar o dinheiro chegar para assaltá–lo.

Preferiram assaltar o banco e deu tudo errado. Os funcionários chamaram a polícia e sendo o batalhão muito perto dali, em poucos minutos o lugar estava repleto de policiais, todos dispostos a garantir que nenhum daqueles bandidos voltasse vivo pra casa. Jonas, aproveitando–se de sua cor de pele, conseguiu sair do cerco se passando por refém e correu para Santa Tereza. A farsa não durou muito, mas durou o suficiente para ele escapar da Mem de Sá e deixar pra trás seus companheiros, que foram mortos pouco depois na troca de tiros. Mas o que Jonas não sabia é que o destino conspirava contra ele.


Largo dos Guimarães, Santa Tereza - Rio de Janeiro, RJ.


Quando chegou a Santa Tereza, próximo ao Largo dos Guimarães, viu que estava sendo seguido por alguém muito rápido. Esgueirou-se por entre os becos e árvores do local até que julgou estar em segurança. Ficaria ali algumas horas até tudo se acalmar e passaria uns dias em outra cidade ou até mesmo em algum lugar distante até que esquecessem o crime. De repente escutou um disparo e sentiu uma dor forte na barriga. Tinha sido atingido. Seus olhos procuraram pela fonte e então viu o cavaleiro negro de seu sonho. Forçou os olhos com dor e viu um policial baixinho, de arma em punho, olhando para ele com muito ódio.

– Você é o cavaleiro negro... Você... – Balbuciou Jonas, sentindo muita dor.

– Então agora entendi porque algo me disse pra atirar sem perguntar... Eu me lembro de você. – Disse o policial.

– Porque atirou...?

– Porque você sabe demais, mesmo que apenas em sonho você vislumbrou coisas e descobriu coisas que te dariam outra vida que não essa de bandido, mas cada um faz suas escolhas... Ele pode não te matar pelo que sabe, mas eu sim por ter me reconhecido, antes ficasse de bico fechado... E quando chegar ao Inferno vou até você e destruirei sua alma. Você teve tudo e desperdiçou... É sempre assim.

– Por quê? Por quê?

– Porque quero! Ah... Cala a boca!

O policial deu mais três tiros no garoto. Enquanto a vida de Jonas escorria pelo chão e sua alma alçava vôo, o policial pegava seu celular e ligava para alguns amigos. Iam desovar o cadáver nas paineiras todo coberto de pó de pólvora. Se acaso alguém o encontrasse dariam como execução dos traficantes por causa do fracasso do roubo e só. Assim terminava a vida de Jonas, alguém que por algum tempo teve conhecimento e uma possibilidade que poderiam ter dado a ele outra vida, mas ele negou tudo. E como tal, pagou o preço em não ter feito uso do que sabia. Pois aqui se faz e aqui se paga.

2 comentários:

  1. Não entendi algumas coisas, mas foi lega... Por que ele se revoltou com a vida com o sonho, não deveria apreciá-la mais? Qual a outra possibilidade de que o cavaleiro negro estava falando? Quem eram a sombra e o cavaleiro negro?
    É claro, talvez essas dúvidas fossem respondidas se eu lembrasse o nome do seu livro e soubesse onde comprar...

    Por falar nisso, algum tempo atrás você disse que eramn três leitores, porque passou pra dois?

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  2. Ele se revolta com a vida vendo que independentemente do modo como aja não conseguiria fugir do que viu.

    Logo, se ao ver dele nada tivesse a ganhar na vida ou na morte - seu espiríto descobre que o lugar para onde irá ao morrer foi destruído -, porque se importaria com o que perderia?

    Sim, de fato eram 3, mas somente 2 realmente comentavam, agora a contagem volta a ser 3, a não ser que o anterior retorne ou volte a dar sinais de vida. =p

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