A Fã


Ana Clara adorava livros de vampiro. Desde os quinze anos, quando assistira pela primeira vez nos cinemas a segunda parte de Crepúsculo ela tinha certeza que nascera para ser uma nova Bella Swan.

Tinha todos os livros lançados em português, com e sem as capas do filme, canetas, cadernos, capas para celular, enfim, se algo tinha a foto de Bella ou do vampiro Edward ela implorava a seus pais para comprarem.
- Mas e daquele lobisomem, o Jacó? – Perguntava a mãe na papelaria, uma pergunta que sempre fazia.
- Jacob, mãe.
- Isso, isso... Caderno dele não pode?
- Jacob não é vampiro, é lobisomem e fedem como cachorro.

Seus amigos mais próximos, homens principalmente, inicialmente caçoavam de Ana Clara. Caçoavam a história de romance entre vampiro e humana rotulando quando não de afeminada demais, no mínimo como fraca. Ana Clara era superior a todos e não se deixava abalar.

Os anos passaram e com eles a paixão ao invés de diminuir, amadureceu. Enquanto pessoas normais com o passar dos anos diminuem o culto a suas celebridades, ou substituem por outra, Ana Clara manteve-se fiel a saga. Finalmente a saga acaba em 2012, quando Ana Clara no início de seus 18 anos.

Sentindo-se órfã, Ana Clara busca outros livros e aventuras de vampiros, mas nenhum deles parece saciar seu apetite pelo amor platônico que adquirira com o belo vampiro Edward. Eram demasiadamente velhos como o Drácula de Bram Stocker, complexos e demasiadamente reais em Vampiro a Máscara, ou cruéis e sádicos como os de Anne Rice.

Por fim seu corpo aquietou-se e dedicou-se aos estudos. Como gostava de ler, prestou vestibular para biblioteconomia na Universidade Federal Fluminense. No segundo período ficou encantada com os belos olhos marrom claro de Roberto Mendonça, professor de história do registro no turno da noite.

Roberto Mendonça tinha o corpo malhado, cabelos negros lisos, pele morena de sol e a uma barba bem cuidada, fisionomia que lembrava os tempos áureos de Fábio Júnior. Ele era viciado em história medieval, e sempre que podia trazia para as aulas elementos que permitiam ao aluno praticamente imergir na aula. Mas as meninas, principalmente Ana Clara, estavam flutuando em outros pensamentos.
- ...Eu sempre defendo que não existe leitura ruim, o que existe é leitura e não leitura. Por exemplo, aquele livro que foi moda anos atrás, Crepúsculo.
- Não vai criticar não. – Já pragueja Ana Clara, voltando a realidade invocada pelo termo favorito.
- Nem de longe, acredito que muitos só estejam fazendo esse curso porque esse livro despertou de alguma forma o interesse em leitura em alguns de vocês, como J. K. Rowling, Agatha Christie, Tolkien, Charles Dickens, Gregório de Mattos, e tantos outros autores populares fizeram em suas respectivas fases e épocas. Esse interesse pela leitura, levou ao amor pelo livros, pela leitura, que vejo como o sangue de nós, atuais e futuros bibliotecários.
- Verdade. – Concorda Ana Clara, voltando a reparar no professor.

Ana Clara, com reforçadas segundas intenções, passou a se aproximar da mesa do professor. Colocou em prática as táticas de conquista que aprendera nos livros de Crepúsculo. Com o passar das aulas se enturmara mais e mais com o professor. Ficava para depois da aula e o ajudava a levar o material até o carro, até que um dia o que parecia impossível aconteceu.
- Sabe professor, eu adoro suas aulas. É muito bom. Pena
- Que bom Ana Clara. – Falou Roberto, abrindo o carro, um Vectra.
- Bem, vou para casa, beijo.
- Ana Clara? – Roberto estica a mão e toca os dedos de Ana Clara, que sente um calafrio percorrer a espinha.
- Sim, prof.?
- Não quer uma carona para casa?

Ana aceita a carona. Senta-se no carona e ambos partem. Conversa vai e vem, por fim o carro atravessa a ponte Rio-Niterói e segue direto para o apartamento do professor no bairro do Flamengo. Transam a noite inteira.

No dia seguinte ao acordar Ana não encontra os braços de Roberto. O professor desaparecera, deixando apenas sobre o criado mudo um café da manhã farto e um recado escrito “a noite foi ótima. Precisei resolver um problema, quando sair bata a porta. R.”. A moça sente um incomodo na virilha e vai ao banheiro. Próxima a sua intimidade tem o que parecem ser duas feridas causadas por algum pelo encravado. Uma distante dois dedos da outra.

“Nossa, ainda bem que fizemos tudo no escuro.”, pensa enquanto prepara-se para tomar banho. Depois do banho toma do café da manhã e vai até a janela. Nota que as cortinas têm quatro camadas de blecaute além do forro e dos babados, ao fechá-las percebe o quarto mais escuro que a noite. E algo mais.

Atrás de uma penteadeira um pequeno facho de luz azul surge por uma fresta. Curiosa Ana vai até essa fresta e tateia. Encontra um quadro na parede com uma caricatura do professor ao lado de Santos Dumont. Tenta tirar o quadro e escuta um sonoro clique. A parede atrás do quadro recua, revelando um quarto secreto.

A parede desse quadro é repleta de diversos quadros com a figura de Roberto sempre posando ao lado de algumas celebridades históricas, ela identifica entre elas figuras como Dom Pedro II, Antonio Conselheiro e Machado de Assis. E no centro do quarto, um bloco de granito coberto de hieróglifos.

Toca o bloco e percebe que o tampo se arrasta com facilidade, em um mecanismo muito bem conservado que permite abri-lo. Dentro dele repousa Roberto Mendonça, com o rosto estático como o de um cadáver.

Pessoas normais correriam desesperadas, mas Ana Clara vê em Roberto Mendonça muito mais. Ela vê Edward. Anos de leitura de vampiros, anos de dedicação ao tema, anos de sonho. E ela agora fora premiada. Toca as duas marcas na virilha e lembra-se finalmente da noite anterior, do enorme prazer que sentira. E senta no chão, ansiosa e repleta de felicidade.

Na mesma noite Roberto volta a faculdade e leciona normalmente. Ana Clara nunca mais seria vista no curso.

Semanas depois encontram seu corpo em avançado estado de decomposição boiando na praia de Icaraí.

Roberto lambeu os beiços quando leu as notícias do caso na internet.

Quem mandou acreditar em vampiros bonzinhos?

Um comentário:

  1. Como diria Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, "Num creu neu, si finou-se".

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