Revelações de Jonas: Quarta Etapa da Viagem

Quarta Etapa da Viagem
A Chegada


Ainda era o dia 23 de outubro de 2005 quando Jonas acordou sem dor. Sentiu um súbito alívio ao se levantar e constatar que as marcas de bala haviam desaparecido. Estava novamente de pé, em pleno Largo dos Guimarães, sentindo-se bem como não se sentia há muito tempo. Mas a sensação passou ao escutar sirenes. Viu duas viaturas da polícia militar descerem a rua em alta velocidade e parando justamente no mesmo arbusto onde Jonas se lembrou que deveria estar. Muitas pessoas se aglomeravam em torno de algo que Jonas não conseguia ver, mas em seu íntimo sabia que não seria a melhor visão de todas.

Incapaz de resistir à própria tentação, Jonas se esgueirou entre as pessoas da multidão até se dar conta que não precisaria fazer isso, elas simplesmente o atravessavam. Antes que pudesse compreender em definitivo sua situação viu a si mesmo caído no chão. Seu corpo estava completamente parado e sem vida, os orifícios dos tiros que levava já tinham quase que coagulado e uma poça de sangue cobria o chão. Seu corpo segurava uma arma, de calibre 38, e ao seu lado estava seu executor, o Cavaleiro Negro. Jonas sentiu um novo calafrio quando se deu conta que o Cavaleiro Negro o conseguia ver, lhe olhava diretamente nos olhos.

"Desapareça", escutou em sua mente e de imediato obedeceu. Correu sem se preocupar com as condições físicas do local e foi atravessando inúmeras paredes até que de repente se chocou com algo sólido e caiu no chão devido à violência do impacto. Coçou os olhos por causa da dor e observou exatamente qual era o local onde havia se chocado. Era com uma casa de candomblé. Estranhou que não pudesse atravessar suas paredes e tateou procurando uma brecha, e a encontrou exatamente na porta do local. A atravessou curioso, e então foi tomado de assalto por uma visão estarrecedora.

O outro lado do muro daquela casa de candomblé dava para um pequeno pátio com bancos de madeira velha e algumas estátuas de santos da religião. Até aí, nenhuma surpresa, pois pessoas provavelmente iam naquele lugar procurando respostas ou algo semelhante. O que lhe causou a surpresa foi ver algumas pessoas que o viam e acenavam para ele, literalmente mescladas a outras que estavam sentadas nos bancos esperando atendimento. Outra pessoa, uma senhora negra aparentando quarenta anos vestindo túnicas brancas e de aparência bondosa, veio de dentro da casa e tocou Jonas.

– Eu sinto que esse não é seu lugar... – Disse a mulher. – Sente-se confuso?

– Como a senhora me vê? Onde estou? – Disse Jonas.

– No inferno! – Berrou um das pessoas mescladas a outras. – Só esqueceram de ligar a fornalha!

– Não meu jovem, ignore a revolta dele... Estamos do outro lado. – Interrompeu a mulher, tocando no ombro de Jonas e trazendo-o uma sensação profunda de paz.

– Outro lado de onde? Porque não consegui atravessar as paredes daqui?

– Estamos mortos, para os que dependem da matéria. E não atravessamos essa parede por força da fé.

– Fé! Outra vez essa palavra... – Praguejou Jonas, pensando seriamente em ir embora.

– Tenhas calma, jovem, quando vierem lhe buscar tudo vai se explicar...

– Quem?

– Nossos irmãos encarregados disso. Quando a luz aparecer caminhe em direção a ela e encontrará seu caminho. Não se torne como nossos irmãos aqui presentes que por falta de força de vontade não conseguiram se desgarrar de seus vínculos terrenos.

– Porque me agarraria?

– Fará, disso tenho a certeza, dado que quando encontrar sua família terrena e tiver plena consciência que jamais terá nada do que tem na terra...

– Nunca tive nada. – Praguejou novamente.

– Nunca? E o amor de seus pais? De seus amigos? Não pode levar a presença deles contigo... Ou mesmo apego por algum bem ou bens. Alguns estão agarrados a terra não por questões afetivas, mas por simples apego material. Uma moto que compraram, uma casa que se esforçaram pra construir, coisas mundanas. Sempre há algo que deixamos para trás na Terra.

As palavras da mulher bateram forte no coração de Jonas. Nesse exato momento deu-se conta de tudo que deixara para trás e das coisas que abandonara ainda em vida. Lembrou-se de toda a revolta que tinha dentro de seu coração pela situação financeira da família e de toda a inutilidade disso. Percebeu finalmente o esforço de seus pais em dar a ele condições mínimas de dignidade, quando na época em que receberam a indenização decidiram ao invés de comprar um carro – como Jonas queria, para curtir a vida. – optaram por um apartamento próximo do trabalho de seu pai. Percebeu o quanto fora ingrato em entrar na vida do crime ao invés de ter estudado e retribuído tudo que lhe fora dado de coração. E a pior coisa de todas, tinha completa noção que jamais poderia agradecê-los por isso, pois abraços seriam inúteis naquele momento. E Jonas chorou.

– Sinto alegria em ver que ao menos reconhece seus erros... Independente de quais foram eles. – Disse a mulher. – Meu nome é Glória, e o seu?

– Jonas. – Disse, enxugando as lágrimas e com a voz embargada.

– Bonito nome... Bem, infelizmente não posso ser muito útil a você nesse momento. Como pode ver a nossa volta, tenho muitas pessoas em uma situação pior precisando de muita ajuda, e você é inteligente para resistir a tentação que aparece a cada minuto em seu peito.

– Tentação?

– Sim, de tentar abraçar e agradecer seus pais, independentemente de qualquer consequência.

– Não, dona Glória, desse mal não sofro mais...

– Graças a Deus.

Jonas sentiu certa inquietação ao escutar o nome de Deus naquele momento. Uma sensação de revolta tomou seu peito ao mesmo tempo em que dona Glória se afastava dele e voltava a seus afazeres. Perguntava-se onde estaria Deus naquele exato momento. Gostaria de encontrar com Ele e dizer-Lhe boas verdades. Entender por que deixara tudo aquilo acontecer com ele, toda aquela revolta e todo aquele sonho que lhe ampliara sua visão e reduzira seu discernimento. Cansado de ficar parado naquele lugar estranho, saiu porta a fora e começou a caminhar aborrecido.

Seguiu acompanhando a linha do bonde no sentido do centro da cidade até a Estação Covanca de Bondes, onde graças a uma ruela de pedestres localizada nas proximidades chegou a rua Cândido Mendes na Glória. Jonas já fizera esse caminho algumas vezes, quando ia tomar banho na praia do Flamengo, e dessa vez faria o mesmo. Descendo a rua Cândido Mendes atravessou a Rua da Glória e avançou reto, indo em direção as proximidades da Marina da Glória. Ali um pensamento esguio passou pela sua cabeça e foi direto até a ponta do píer mais próximo. "Se Ele pôde, porque eu não poderia?", pensou Jonas e colocou seu pé esquerdo nas águas turvas da Baia de Guanabara. Nada acontecera. Seus pés afundaram na água e se molharam, somente isso.

– Falta um pouco mais de desapego, jovem. – Disse um marinheiro, vestindo roupas típicas e antigas, saindo de dentro de um dos barcos.

– Você? – Espantou-se Jonas. – Como?

– Estou morto, oras... Que nem você! Vira e mexe vem algum espertinho e tenta repetir aquele trecho da bíblia aqui, e sempre acabam mais molhados que peixe. – Riu o velho, estendendo a mão para Jonas amigavelmente. – Prazer, meu nome é Adalberto, qual a sua graça?

– Jonas.

– Vejo que é jovem, pelo jeito foi mais uma morte trágica, não foi?

– Como sabe?

– Estou aqui nesse cais desde 1825 quando me afoguei bêbado depois de uma farra de marujos, acompanhei a evolução, opa, INvolução da raça humana nesse cais por mais de cem anos e hoje em dia tenho visto muitos jovens que nem você morrendo antes da hora, se é que existe hora certa pra morrer...

– E porque está aqui a tanto tempo? Apego?

– Opção. Preferi continuar na Terra, somos livres para fazermos o que quiser. Apesar dos conselhos de nossos conterrâneos, preferi evoluir aqui mesmo, cercado pelo meio em que sempre vivi... Acabei me tornando protetor dessas águas. Além da brincadeira com a água, o que lhe trouxe aqui, Jonas?

– Pensar na vida... Aliás, além vida. Senti muita raiva e agora queria extravasar um pouco mergulhando...

– Raiva de quem?

– De Deus... Sabe de algum modo sinto que Ele é o culpado por minha condição, ele deixou coisas acontecerem comigo e com aspectos que me cercam que...

– Desculpa interromper, mas você está redondamente enganado.

– Por que estou enganado?

– Porque está. Coloca uma coisa na sua cabeça, só uma palavra: livre-arbítrio.

– Heim?

– Isso mesmo, você fez suas escolhas, Deus deu algumas opções, e acredito que você sabe quais são, mas Ele não escolhe. Você escreveu seu destino, Deus apenas dá o livro e o lápis. Está escrito.

Jonas agradeceu ao marinheiro pela lição e sentou-se no cais para observar o horizonte. Sentia a brisa do mar e todo o conforto que ela trazia. Não estava mais com a raiva de antes e nem com sua tristeza, apenas um pequeno resquício de mágoa por ter constatado que somente a sua própria morte o fez perceber nuances de sua própria vida e a quantidade impressionante de erros que cometeu desde que despertara do coma, aliás, desde que ele e sua bicicleta se chocaram contra um caminhão. Passou todo o dia e a noite sentado, observando o horizonte, como se estivesse em transe de tão calmo. No dia seguinte sua serenidade foi interrompida por Adalberto, chamando-o com extremo interesse.

– Hei! Jonas vem correndo até os escritórios... Tenho que te mostrar algo rápido!



Jonas correu o mais rápido que conseguia, e isso era bem rápido, e foi até um pequeno escritório que ficava na parte administrativa da Marina da Glória. Duas mulheres, provavelmente que trabalhavam ali, discutiam a respeito da violência da cidade. Uma delas apontava para uma notícia e disse que tinha ouvido os tiros de perto, porque morava perto do Largo dos Guimarães. Imediatamente Jonas sentiu um arrepio na nuca e foi ver a página da internet mais de perto. Realmente, estavam justamente falando dele no jornal. Ao que parece Jonas havia ficado famoso do pior modo, morrendo de maneira trágica. Seu enterro, pelo que informava na notícia seria ainda nesse dia e até dizia o local. Algo palpitou na alma de Jonas.


A fama vem rápido... Infelizmente.


– Quando eu morri não tinha dessa parafernália não... Não fui citado nem nas fofocas das madames da corte... – Comentou Adalberto. – E olha que pra isso acontecer era difícil.

– Você acha que devo fazer isso? – Perguntou Jonas.

– Isso o que? Assistir seu enterro?

– Exato.

– Olha, se eu fosse aquelas madames que pregam o desapego da carne, te diria pra não ir, mas você me parece um menino porreta, vai resistir a abraçar seus pais. Sabe o que acontece se tentar abraçá-los, né?

– Tenho idéia...

– Olha, já vi muita gente boa se perder assim... Quando um de nós toca um vivo com quem tinha laços muito fortes que não tenha dons causa um troço que chamo de "grude", porque é isso mesmo que acontece, você gruda num vivo e pra sair é um Deus nos acuda.

– Eu vi? Mas não é voluntário? Pensei que pra sair fosse só sair...

– Não é assim não, você toca e se vicia nos sentimentos da carne. Toda aquela volúpia de sentimentos a seu respeito se eleva muito e você acaba ficando viciado em vida material, que nem uma droga. Só que o dono do corpo tá lá e você não tem como possuir e nem ele te expulsar na maioria das vezes. Geralmente sai com o tempo, pois a pessoa te supera e vice-versa, mas...

– Mas o quê?

– Se a pessoa não ia com a sua cara, se ela queria teu mal e você gostava muito dela sem saber dos reais sentimentos dela.... Bem, você pode ser tomado pelo sentimento de vingança e aí é um mal pior que qualquer outra coisa... Você fica louco, transtornado só querendo que ela sofra o que está sofrendo por se sentir enganado. É ruim demais isso.

– E como se escapa disso?

– Geralmente com ajuda... As vezes acontece de desistir e partir, mas pior é quando a pessoa vai na intenção. Assim que descobre que pode tudo decide se vingar nos seus inimigos. Haja força nesses casos... Mas aí estou entrando demais na história e você tem muito tempo pra aprender isso.

– Queria saber mais...

– Procure um professor, sou apenas um marinheiro... Agora, você vai ou não no seu enterro?

– Acha que devo?

– Você decide, és o senhor de seu destino.

– Irei... Temo cair na tentação, mas vou do mesmo jeito.

– Boa sorte, aqui nos separamos.

– Não vem comigo?

– Não saio desse lugar, por coisa alguma no mundo...

Jonas não procurou entender os motivos desse simpático fantasma e pegou carona em um ônibus até chegar ao Cemitério do Caju. Precisava ver seus pais uma última vez, nem que fosse para se despedir do jeito que desse, sem tocá-los. Sua experiência prévia com o Rio cinzento já lhe fazia temer suficiente tentações, e desse acontecimento nenhum de seus recém encontrados fantasmas parecia ter idéia. Jonas inicialmente pegou um ônibus que saltou na Praça 15 e depois pegou o 290 com destino ao Cemitério do Caju. O ônibus estava deserto, exceto pela presença do motorista e de uma funcionária da empresa de ônibus que durante a viagem toda reclamava de sentir calafrios sempre que olhava para o lugar onde Jonas se sentara. Jonas apenas riu da situação e dos comentários e deixou o tempo passar. Do mesmo modo que ocorrera na casa de candomblé, Jonas só conseguiu atravessar as portas do cemitério, suas paredes eram intransponíveis. E somado ao fato da área do cemitério do Caju ser gigantesca, ele somente conseguiu encontrar seus familiares e amigos depois de mais de três horas de procura.

A capela era pequena, algo bem típico dos cemitérios mais baratos. Apenas o espaço do caixão e bancos de cimento para os presentes ao enterro. O padre entrava na capela do mesmo modo que os demais, sem nenhuma entrada especial que fosse. A mãe de Jonas chorava copiosamente sobre o corpo de seu filho. Intercalava com essa tristeza momentos de profunda revolta, onde xingava de toda forma o sistema e a polícia, principalmente a polícia, que lhe arrancara seu filho. O pai de Jonas parecia mais controlado, mas por dentro estava completamente revoltado, e mais consigo mesmo, pois a seu ver falhara em dar ao filho condições morais para ter escolhido o caminho certo e não o errado. Jonas via tudo aquilo e falava sem sucesso com os pais. "Estou aqui! Pai! Mãe!", gritava sem sucesso, sendo ignorado e às vezes tendo a impressão de que sua mãe sofria mais quando ele falava. Por um instante pensou em abraçar a mãe, mas as palavras do velho marinheiro, muito mais eficientes que as de Glória, o fizeram parar antes que fizesse qualquer besteira.

Cansado de sofrer, Jonas saiu da capela e deixou sua família para trás, não fazia mais sentido tudo aquilo, nada daquilo. Foi quando se sentiu profundamente observado. Jonas correu as lápides e o terreno do cemitério com os olhos, deu pulos e subiu em caixões para ver se conseguia encontrar seu observador. Nada. Assim que desistiu de procurar escutou o som de algo escorrendo para próximo dele. Era a sombra.

– Precisamos conversar, Jonas... – Disse a Sombra.

Revelações de Jonas: Terceira Etapa da Viagem

Terceira Etapa da Viagem
A Revelação 


Como uma sombra...


"Comigo.", escutam ambos quando uma sombra negra se esgueira pelo chão e dele se ergue como uma massa disforme com dois olhos cintilantes em um branco calmo e ao mesmo tempo vazio de qualquer sentimento ou mesmo presença. O anjo faz menção de puxar sua espada e voar contra a massa negra, mas prefere optar pelo diálogo. Algo lhe diz para escutar as palavras da Sombra dessa vez, pelo menos por enquanto.

– Vejo que realmente vocês tiraram lições disso... Ele precisou ser humilhado e ver várias de Suas colônias dizimadas para aprender a olhar para baixo de vez em quando e se preocupar com as formigas do quintal... – Disse a Sombra, com uma voz suave e afiada. – Bom escutar isso de você, mesmo preferindo que outro o dissesse... Jonas, deve ter visto meu amigo por aqui, não?

– Quem? – Perguntou Jonas.

– Não se faça de rogado, me refiro ao cavaleiro negro... É, não foi uma ilusão de seus olhos o que viu, sua sanidade está perfeita. – Respondeu a Sombra.

– O que deseja aqui? Não vê que o momento não é propício... – Interrompeu o anjo, segurando no cabo de sua espada.

– Tenha calma, jovem Taniel... Não vou fazer mal algum a vocês, só vim dar uma informação útil a todos vocês do andar de cima. – Discursou a Sombra.

– Que tipo de informação?

– O Devorador de Almas se tornará meu contratado ao final desse ano terrestre, e, além disso, me tornarei seu mestre.

– Mas... Mas...

– Nada de "mas", você sabe no fundo de sua alma que seu amigo só possui dois caminhos agora, um leva a aniquilação total e outro o leva a meu caminho, a neutralidade. E a neutralidade a meu ver é menos destrutiva que qualquer outra coisa. E acrescento, meu servo irá bloquear os dons de seu amigo de comum acordo, até uma data por mim estipulada, e você será informado quando será esse limite. A mulher pensará que foi ela quem fez isso, deixemos a tola pensar assim.

– E o que você ganha com isso?

– Ora, que isso meu amigo... Até parece que não me conhece melhor que todos os papagaios de Deus... Ganho status quo, somente isso. Agora, quando o pai do Devorador de Almas vier em meu encalço terei os dois únicos que o feriram ao meu lado. Eles pela força de nosso acordo, me protegerão dele... Antes que pergunte, nunca te direi por que Mahl me quer, isso você vai ter que descobrir sozinho.

– E porque eu tenho que assistir isso? – Interrompeu Jonas, se colocando entre eles.

– Porque eu, tanto quanto o anjo sabemos que ninguém vai acreditar em você. E se insistir será tomado como louco e sofrerá por causa disso. – Afirmou a Sombra. – E, o melhor, ninguém pode culpá–lo por não querer dizer, ou melhor, se quiser esquecer tudo que viu hoje. Ninguém, pois você não pediu por isso. E mais, precisamos sempre de testemunhas, sempre. Senão, não terá acontecido.

– Então estou ouvindo tudo isso a toa?

– Sim e não. Depende do uso que fará do que ouviu... A informação é sua, mas o que fará com ela é que vai definir a utilidade disso, logo, garoto, boa sorte.


Antes que Jonas pudesse dizer algo mais a Sombra escorreu pelas pedras e desapareceu nas frestas do desfiladeiro. O anjo sentou–se sobre uma pedra e aquieceu–se. Jonas sentou ao seu lado e preferiu o silêncio. Sua cabeça latejava tentando entender tudo aquilo. O sonho a cada minuto estava se tornando lógico demais e ao mesmo tempo insólito. Era coisa demais para ele e esse pesadelo estava começando a perder a graça, "graça" que por sinal nunca teve. "Como eu acordo?", se perguntava cada vez mais. Então a imagem do rio cinzento brilhou forte em sua mente.

Cansado de tantos questionamentos e de toda aquela bagunça, Jonas se levantou e procurou por outra trilha de modo discreto, sem que o Anjo percebesse. Dificilmente o anjo perceberia, dado que estava imerso em seus próprios problemas. Assim que encontrou uma trilha desceu por ela o mais rápido que pôde. Tamanha foi a irresponsabilidade de Jonas que ele simplesmente despencou pela trilha, caindo a poucos metros da margem do rio. Enquanto caía escutou com nitidez o bater das asas do anjo, sabia que tinha pouco tempo antes que aquele anjo chamado Taniel viesse salvá–lo do rio, portanto, tinha que ser rápido. E foi, Jonas nem se levantou direito e pulou no Rio Cinzento.

Quando faltava menos de um metro para tocar a água do rio cinzento, os braços surgiram para buscá–lo. A princípio Jonas sentou o tocar delicado das mãos o erguendo sobre as águas, parecendo aqueles roqueiros em shows quando pulam no público e são carregados. Mas aí veio a dor. As mãos que o seguravam começaram a puxar partes de seu corpo em várias direções, desesperadas e sem soltar. Nenhuma parte de seu corpo era poupada e a dor era indescritível, parecia que seria completamente despedaçado e depois afundado. Sentiu quando seus braços e pernas foram deslocados pela força desses braços e quando estava quase desmaiando de dor viu o braço do anjo surgindo acima dele e erguendo–o velozmente para longe de rio. Estava salvo, completamente ferido e dolorido, mas estava salvo. O anjo depositou–o novamente no mesmo lugar onde estavam antes e fez menção que esbravejaria com Jonas, mas aparentemente desistiu e começou a voar novamente, mas dessa vez iria embora.

– Fique com Deus, Jonas... E cuide-se muito bem... Provavelmente não o verei mais. – Despediu–se o Anjo. – E desculpe-me pelo que assistiu hoje...

Jonas estranhou a atitude do anjo, quando percebeu que tinha algo errado com si próprio. Sua visão não estava, mas tão bem assim, não conseguia mais sentir do mesmo modo suas mãos e seus pés. Sentia cheiros pela primeira vez desde que chegara ali e escutava vozes ao longe, mas que se aproximavam mais. À medida que os segundos passavam, ele reconhecia nessas vozes os lamentos de sua mãe e seu pai. Reconhecia também pequenas agulhadas no braço. Então mais um flash, igual ao que vira no início de tudo. E voltava a se sentir naquela maca do hospital Souza Aguiar. Pela primeira vez estava grato de sentir o fedor daquele lugar. E para sua surpresa, conseguiu acordar.


Hospital Souza Aguiar, Centro - Rio de Janeiro, RJ.


Seu pai e sua mãe o abraçaram forte e o beijaram com muito carinho. Finalmente depois de três anos seu filho acordara. Já tinham perdido as esperanças, mas desde que a diretoria do hospital mudara dois meses antes, levando com ela os médicos corruptos que mantinham Jonas sedado, o jovem já demonstrara súbita melhora. Era dia vinte e quatro de Novembro de dois mil e dois, o incidente tinha acontecido em abril de dois mil e um, ou seja, Jonas sem perceber tinha passado quase um ano naquele lugar. E talvez nem se daria conta disso, pois ao despertar ele fez questão de considerar o ocorrido apenas como um sonho ruim e seguiu sua vida.

E seguiu sua vida. Seus pais processaram o hospital pelo ocorrido, pois foi descoberta a irregularidade dos médicos de Jonas, e conseguiram juntar dinheiro suficiente com a indenização para comprarem um apartamento em Santa Tereza. Considerando que antes eles moravam nos arredores de Nova Iguaçu, era uma ótima mudança, ainda mais que o pai de Jonas era porteiro em um prédio de Copacabana, isso acontecendo já em junho de dois mil e quatro. Mas para Jonas essas melhorias não foram suficientes. O sonho, mesmo sendo esquecido, deixou marcas na consciência de Jonas que o fizeram se revoltar com a vida que levava. Ainda eram pobres, apesar de possuírem casa própria, e, como se sabe, quando um adolescente pobre se revolta com a vida numa cidade como o Rio de Janeiro somente existem dois caminhos. E ele escolheu o do crime.

Dia vinte e três de Outubro de dois mil e cinco, Jonas e outros comparsas tinham acabado de assaltar um banco na Avenida Mem de Sá. Eram ele e mais quatro garotos, todos inexperientes. Tinham que roubar porque não faziam nem dois dias uma operação do Bope tinha levado embora toda a droga que eles tinham na boca de fumo, e agora tinham que pagar pelos produtos perdidos ou em dinheiro ou com a vida deles e de familiares. O próprio bandido do morro deu pra eles o serviço, era dia de pagamento dos funcionários das redondezas e nem precisariam entrar, só ficar na moita e esperar o office-boy responsável por depositar o dinheiro chegar para assaltá–lo.

Preferiram assaltar o banco e deu tudo errado. Os funcionários chamaram a polícia e sendo o batalhão muito perto dali, em poucos minutos o lugar estava repleto de policiais, todos dispostos a garantir que nenhum daqueles bandidos voltasse vivo pra casa. Jonas, aproveitando–se de sua cor de pele, conseguiu sair do cerco se passando por refém e correu para Santa Tereza. A farsa não durou muito, mas durou o suficiente para ele escapar da Mem de Sá e deixar pra trás seus companheiros, que foram mortos pouco depois na troca de tiros. Mas o que Jonas não sabia é que o destino conspirava contra ele.


Largo dos Guimarães, Santa Tereza - Rio de Janeiro, RJ.


Quando chegou a Santa Tereza, próximo ao Largo dos Guimarães, viu que estava sendo seguido por alguém muito rápido. Esgueirou-se por entre os becos e árvores do local até que julgou estar em segurança. Ficaria ali algumas horas até tudo se acalmar e passaria uns dias em outra cidade ou até mesmo em algum lugar distante até que esquecessem o crime. De repente escutou um disparo e sentiu uma dor forte na barriga. Tinha sido atingido. Seus olhos procuraram pela fonte e então viu o cavaleiro negro de seu sonho. Forçou os olhos com dor e viu um policial baixinho, de arma em punho, olhando para ele com muito ódio.

– Você é o cavaleiro negro... Você... – Balbuciou Jonas, sentindo muita dor.

– Então agora entendi porque algo me disse pra atirar sem perguntar... Eu me lembro de você. – Disse o policial.

– Porque atirou...?

– Porque você sabe demais, mesmo que apenas em sonho você vislumbrou coisas e descobriu coisas que te dariam outra vida que não essa de bandido, mas cada um faz suas escolhas... Ele pode não te matar pelo que sabe, mas eu sim por ter me reconhecido, antes ficasse de bico fechado... E quando chegar ao Inferno vou até você e destruirei sua alma. Você teve tudo e desperdiçou... É sempre assim.

– Por quê? Por quê?

– Porque quero! Ah... Cala a boca!

O policial deu mais três tiros no garoto. Enquanto a vida de Jonas escorria pelo chão e sua alma alçava vôo, o policial pegava seu celular e ligava para alguns amigos. Iam desovar o cadáver nas paineiras todo coberto de pó de pólvora. Se acaso alguém o encontrasse dariam como execução dos traficantes por causa do fracasso do roubo e só. Assim terminava a vida de Jonas, alguém que por algum tempo teve conhecimento e uma possibilidade que poderiam ter dado a ele outra vida, mas ele negou tudo. E como tal, pagou o preço em não ter feito uso do que sabia. Pois aqui se faz e aqui se paga.

Revelações de Jonas: Segunda Etapa da Viagem

Segunda Etapa da Viagem
A Folha de Parreira

Depois de muito esforço Jonas finalmente conseguiu chegar novamente a borda do desfiladeiro. Deixava para trás o rio cinzento de muitos braços e carregava consigo uma grande questão, se esse era um sonho ou algo mais. Jonas tornou a tatear o chão, buscando alteração no que percebia, para comprovar se era ou não um sonho, porém nada encontrou de diferente. Procurou a seguir por pontos de referência de quanto recém despertara. Se acaso tivessem mudado de lugar ou desaparecido, com certeza se tratava de apenas um sonho, ruim, mas ainda assim um sonho. Nada mudara, estava tudo igual. Ou esse era um sonho muito mais complexo que todos que tivera ou algo muito estranho estava acontecendo.

Foi então que percebeu que estava completamente só. Calculava que já tinham se passado pelo menos uma hora desde que acordara e ainda assim não tinha visto nenhuma pessoa, nenhum pássaro no céu ou mesmo tinha sentido uma brisa sequer, mas também não fazia calor. Simplesmente sentia nada, o lugar parecia completamente morto. O único som que escutava vinha da tentação do rio cinzento, do qual queria distância. Nunca tinha se dado conta do quanto à solidão era ruim até aquele momento, mesmo enfermo naquela cama de hospital Jonas ainda sentia a presença humana ou mesmo a presença irritante dos ratos que dividiam o espaço dos pacientes do Souza Aguiar. Naquele momento até mesmo a presença dos médicos que lhe faziam tanto mal seria bem vinda para o adolescente.

Jonas respirou fundo e seguiu seu caminho. Pensou em se guiar pela luz do sol, mas ao olhar para o céu viu apenas densas e pesadas nuvens em uma tonalidade também vermelha, mas muito próxima do negro. Amaldiçoou-se por não ter reparado nesse detalhe antes. Viu no horizonte uma montanha maior que as demais, parecendo até mesmo estar além do cânion. Tomou–a como direção a seguir e começou a caminhar. Jonas andou por horas nesse rumo fixo, sempre em linha reta até finalmente conseguir sair do cânion vermelho. Mas a montanha continuava distante e de agora em diante entre eles havia um deserto aparentemente sem fim, e completamente vermelho. Mas um vermelho mais escuro, mais enegrecido pelo tempo.


Vermelho... O tom predominante...


Completamente exausto da caminhada, Jonas sentou no chão e preparou–se para a grande caminhada que faria. Teve a estranha impressão de que algo estava errado. Olhou para trás e viu o caminho que percorrera, mas ainda assim não era o que lhe causava a sensação. Tornou a olhar em torno de si até que finalmente percebeu que o tempo não havia passado, pelo menos não no seu conceito de dia e noite. Apesar de caminhar por horas no desfiladeiro não havia acontecido nenhuma alteração no que dizia respeito à luminosidade do local. Tudo continuava sempre da mesma forma, a única alteração que existia no seu ponto de vista eram suas pegadas marcando o caminho de onde viera e mais nada.

Jonas se levantou, respirou fundo e recomeçou seu caminho. Ele precisava se focar em alguma coisa para não enlouquecer, a solidão estava começando a fazê–lo ver coisas. Pensava nisso porque alguns minutos antes de chegar ao deserto, podia jurar ter visto ao longe a figura de um cavaleiro negro montado em um corcel negro exatamente na divisória entre o cânion e o deserto. Era impossível que em pleno século vinte e um Jonas ainda avistasse cavaleiros, e realmente parecia ter sido, dado que o cavaleiro desapareceu sem deixar rastros quando Jonas coçou os olhos pra forçar a lucidez.

Com o passar das horas caminhando, Jonas começou finalmente a sentir algo que tinha esquecido como era, sentiu sede. Por um segundo lamentou estar longe do rio cinzento, mas uma tapa na testa o fez deixar de lado essa maldita vontade. Caminhou até o topo da duna mais alta que conseguia distinguir e tentou procurar por algum oásis. Durante a procura viu que estava finalmente próximo de seu objetivo, a montanha, pelo menos era o que lhe parecia. Por mais que esforçasse a visão Jonas não viu sequer a ilusão de um oásis, e apenas sentia sua sede aumentar. Já tinha ouvido histórias, principalmente em quadrinhos, de pessoas que sobreviviam no deserto se alimentando de cactos. "Ótimo, posso comer cactos... Mas onde encontro um?", indagou Jonas, sem localizar nenhum no vazio do deserto. 



No topo... No alto...


Sem nenhuma esperança de encontra água, ou mesmo que fosse começar a chover, Jonas começou a descer lentamente a duna rumo à montanha. Se algo tinha que acontecer de bom, esperava que acontecesse naquele momento. Foi quando escutou o bater de asas sobre sua cabeça. Jonas olhou para o alto procurando pela fonte do som, mas nada encontrou. O que quer que esteja por ali, provavelmente estaria além das nuvens, ou oculto por elas. Sentiu medo e correu muito.

Não foi uma decisão sábia. Imerso em seu pavor pelo som que não cessava Jonas acabou se desequilibrando e rolou pela duna até chegar a sua base. Ainda assim, com muita dor e parecendo um bife empanado, Jonas se levantou e tornou a correr. E correu muito, mesmo sentindo o esforço de se locomover na areia desse deserto. Sem olhar para trás nem pôde perceber quando algo saiu das nuvens e deu um rasante em sua direção, e no final não conseguiu escapar de fortes mãos que agarraram seus ombros e levaram Jonas para o alto. Completamente apavorado, Jonas simplesmente desmaiou.

A consciência de Jonas tardou a voltar, mas quando voltou Jonas tentou fazer isso de modo que quem quer que o tenha pegado não percebesse. Escutava novamente o som de rio próximo, e com o canto do olho conseguiu ver que estava novamente no mesmo desfiladeiro de onde saíra. Tornou a passear pela área com seus olhos e viu dos pés descalços próximos a ele, e uma profunda sensação de paz percorreu todo seu corpo. Ergueu a cabeça confiante, procurando pelo dono dos pés e tamanho foi seu espanto que se levantou rápido. Era um anjo.

O anjo vestia um manto azul celeste brilhante e portava um cinturão dourado onde nele estava presa uma enorme espada cuja bainha arrastava no chão. Tinha dois pares de asas nas costas, sendo um par maior que o outro, dando alguma semelhança com o formato das asas de borboletas. Seu semblante parecia castigado por batalhas e no olho esquerdo tinha a cicatriz de algum corte, mas o olhar permanecia o mesmo, tranquilo e sereno. Seu cabelo era negro e comprido, mas completamente liso. Sua mão direita carregava um belo arco composto, ricamente detalhado e aparentemente feito de ouro mesclado a alguma madeira. A mochila de flechas provavelmente estaria nas costas do anjo, logo atrás das asas, como indicavam duas tiras douradas nos ombros do anjo. Imediatamente Jonas se deu conta de estar completamente nu e sem nenhuma vestimenta apropriada, tratou de esconder sua genitália com as mãos. Imediatamente o anjo o interpelou:

– Não há necessidade de folha de parreira nesses domínios, Jonas. – Disse o Anjo.

– Como? Como sabe o meu nome? – Perguntou Jonas, obedecendo ao anjo com receio e se enchendo de dúvidas.

– Não há nada que Ele não saiba, e como parte Dele... Apenas sei que sei.

– Se sabe tanto, onde eu estou? – Perguntou o jovem.

– Onde julgas estar?

– No inferno! Isso aqui não tem nada, apenas essa terra vermelha e aquele maldito rio que parece que quer me tragar pra suas profundezas! Eu sei que você é alucinação causada pela solidão...

– Se assim o diz, assim o é...

– Em? Está querendo insinuar que isso só é assim porque eu acredito que seja assim?

– Talvez sim, talvez não... Tudo é complexo demais para ser resumido numa simples cor ou mesmo em um rio, e ao mesmo tempo é mais simples do que supõe.

– Aonde quer chegar com essa filosofia? Eu não entendo...

– Lugar nenhum, apenas sempre quis dizer isso...

– Hã? Você disse isso tudo "apenas" porque sempre quis dizer?

– Onde está escrito na Bíblia que somos desprovidos de humor?

– ...

– Imaginava essa reação, vocês quando chegam sempre reagem dessa forma...

– E então, onde estou?

– Bem, apesar de toda essa desolação, este aqui é, ou melhor, deveria ser o seu lar. Já leu ou ouviu falar de Chico Xavier?

– Já, minha avó estava lendo coisa dele algum tempo atrás, quando meu avô morreu...

– Bem, em alguns dos livros dele ele descreve com certa perfeição, auxiliado claro, como é o mundo dos mortos.

– Então estou morto?

– Ainda não... Diria que em um profundo coma... Continuando, decerto sabe algo sobre colônias para onde os espíritos vão quando desencarnam e tudo o mais. Bem, essa aqui é a sua colônia, para onde deverá ir quando morrer. Ou melhor, deveria, já que pelo que podemos ver ela não está exatamente do jeito que você esperava. Lembra que nos livros de Xavier diziam que as colônias tinham suas proteções contra invasões de outros seres? Pois bem, se olhar em volta vai ver o que acontece quando tudo dá errado. Ah sim, já olhou bastante.

“Deve estar se perguntando como tudo isso aconteceu? Bem, faz alguns anos que isso aconteceu e de certa forma tenho que admitir que foi um erro puramente nosso. Quando digo nosso, me refiro a nós, o que chama de "anjos". Por muitos anos nossos narizes estiveram mais erguidos que até mesmo a divindade e quando isso acontece, quando cremos sermos perfeitos, é quando cometemos os maiores erros. E esse ano cometemos o pior de todos. Enviamos para seu mundo diversos espíritos que tinham uma profunda responsabilidade sobre o que viria a acontecer na Terra, e que ainda há de acontecer. Demos a eles treinamento e um sentido para viver, deixamos eles informados de tudo a nosso respeito, demos a eles as memórias necessárias e a esse grupo foram acrescentados alguns de nossos melhores Arcanjos, e para resumir, enviamos com eles a Voz e a Justiça.”

“Mas fomos soberbos e subestimamos nossos inimigos. Acreditávamos tanto em nossa superioridade que não percebemos que nossos irmãos tinham sido enviados para a derrota total. Erramos em julgar que poderíamos realmente fazer diferente do que está escrito no apocalipse de João. Tentamos fazer antes o que tem momento certo de acontecer, e nossos irmãos pagaram o preço. E nós também.”

“Certos da vitória, deixamos que o Primogênito de Mahl, conhecido como o 'Devorador de Almas' encarnasse. Ele surgiu de uma parte de todo o mal que existe, sua cria direta, mas há eras havia abandonado a causa de seu criador e se tornado uma das forças do bem maior, adotando Deus em seu coração. Porém subestimamos o planeta Terra e as regras da encarnação. E encarnado o filho de Mahl era presa fácil para que outros encarnados, associados a espíritos malignos, instigassem-no até despertar novamente seu mal. Quando isso aconteceu o Filho de Mahl voltou seu ódio contra todos nós.” 


O Mal Em Tudo Que Existe.


“Essa colônia estava em seu caminho. O filho de Mahl, mesmo preso a Terra, conseguiu manifestar tamanha força que sozinho destruiu todo esse mundo, deixando dele apenas as cinzas dos espíritos que aqui residiam. O rio cinzento que viu é formado pelos restos das energias provenientes do desespero dos espíritos ao serem devorados. E sempre que alguém se aproxima de seu leito os vestígios tentam desesperadamente buscar ajuda e acabam com isso destruindo todos que tocam. Teve sorte, ou habilidade, para escapar do Rio. Agora estamos tentando descobrir o que fazer para contê–lo e não temos nenhuma ideia de como e nem quando faremos. Até lá a esperança será substituída pelo desespero. E pela culpa de nosso erro.”

– E porque está me contando tudo isso? – Perguntou Jonas.

– Nunca teve desejo de desabafar um pouco? No fundo, somos todos iguais... Precisava disso, e sei que é seguro contar tudo a você.

– Porque é seguro?

– Quem, no mundo onde você vive, vai tomar como verdadeiras as palavras de um jovem que despertou de um coma profundo depois de dois anos sendo sedado pelos médicos? Considerarão como devaneios resultantes do coma e das inúmeras vezes que escutava pessoas rezando pelas almas de seus entes queridos nas camas daquele hospital.

– Mas tem sempre alguém que acredita...

– Mas a maioria das pessoas da Terra é incrédula. Até mesmo você não está acreditando no que digo, eu sinto isso, e apenas deve julgar ser resultado dos sedativos nesse exato instante... O que não deixa de ser verdade... Mesmo que eu lhe diga isso com todas as letras, que isso que lhe passo é real, você e as demais pessoas têm uma visão muito romantizada do além para crerem que as coisas estão indo mal.

– Você fala como se a culpa fosse nossa...

– E é. Se existe alguma culpa pelo despertar do Devorador de Almas essa culpa é também da humanidade. Vocês deixaram o mundo ficar do jeito que está. Nós, anjos, apesar de nossa soberba, não tivemos nenhuma participação nisso desde o Pacto das Águas. Entenda, Deus não interfere na Terra desde que deu a vocês o livre arbítrio. Nós apenas tentamos proteger vocês de ameaças externas, mas de vocês mesmos nunca mais os protegemos, exceto quando vêem a nós com suas súplicas. Quando enviamos o Devorador das Almas e seus guardiões para a Terra não esperávamos que a mesma tática que destruiu Adão fosse usada novamente por vocês.

– Como assim? O que Adão tem a ver com isso?

– O Devorador das Almas foi enganado por uma mulher em sua busca, mulher essa que aceitou fazer o que fez em troca de uma enorme recompensa. Ela fez o que fez sem ter noção das consequências e quando essas apareceram, ela pegou sua recompensa e partiu sem olhar para trás. Deixando ele sozinho.

– E agora? Onde ele está?