O Sorriso de Joana.

 Joana é uma menina especial. Daquelas que dizem que Deus jogou a forma fora ou esqueceu a receita.

Cabelos ruivos, tom de mel. Rosto moreno da raça e um sorriso que torna qualquer sorriso tradicional de todo brasileiro apenas algo fútil. É feliz apenas por despertar e ver no horizonte um pouco de esperança. Caminha satisfeita pelas ruas do centro do Rio de Janeiro. Pasta com documentos debaixo do braço esquerdo e um copo de café na mão direita.

Tem pressa. Como sempre, dormiu demais e não vai chegar ao trabalho na hora certa se enrolar mais. Ela conseguiu um belo emprego na Petrobrás. Trabalhava desde o início do ano no prédio da Petrobrás da Av. Chile.

Agora bate com orgulho no peito, afinal de contas, estudava desde pequena para seguir a carreira de engenharia química e aos vinte e cinco, recém formada, tudo se encaixava conforme o planejado.

Nada estragaria seu dia.

Consegue chegar na hora. O trabalho segue seu rumo tradicional, começando pelo tédio do começo da rotina, ao ritmo frenético sempre perto da hora do almoço e fechando com tranqüilidade nos últimos minutos. Pelo menos era dessa forma que Joana via o trabalho. Para muitos, no entanto, era um inferno da manhã até a hora de chegar na cama. Joana não era assim.

Ao sair da empresa seu celular toca.
- Marcos? - Atende Joana.
- Oi amor. - Responde a voz do outro lado.
- Tudo certo pra hoje?
- Claro, Joana. Comprei os ingressos para o cinema... Trouxe até o da pipoca. - Responde Marcos, com empolgação na voz. - Estou no centro já, me espera aí na empresa que te busco.
- Tá bom, de amo.
- Também te amo.

Joana desliga o celular e respira. Está radiante. Nada parece estragar seu dia. Em cinco minutos Marcos chegaria. Ela retorna para o prédio e entra no banheiro para se maquiar. Quatro minutos depois seu celular toca. Marcos já chegara. Ela corre para o lado de fora e vê do outro lado da rua o pálio de Marcos a aguardando. Ela acena para o amado e atravessa a rua.

Marcos buzina. Ela não entende e de repente seu mundo gira e escurece.

Marcos sai desesperado do carro e vai até ela. Um filete de sangue escorre de seu rosto enquanto um Honda Civic desaparece na avenida com o farol esquerdo quebrado. Marcos pega o celular e liga desesperadamente para uma ambulância. Amigos do trabalho e do prédio cercam-na, consternados com o que acontecera. Joana torna a abrir os olhos e sua mão trêmula procura o rosto de Marcos.

Ela não chora. Ela não lamenta. Apenas continua sorrindo.

Nada estragaria seu dia.

Nem a morte.

Nesse dia Joana partiu, mas sem perder o sorriso.

Cachaça e Paixão.

Ele apenas tinha um copo vazio e um olhar torto. Não fixava a visão em lugar algum e sequer conseguia fixar a mente para se importar. Estava em seu mundo particular e nem mesmo percebera quando o dono do bar o guiara por duas quadras e o abandonou solene em um banco de praça. Seu corpo ardia, mas menos que seu peito. "Marta", era a única coisa que conseguia balbuciar. Não faziam nem cinco horas que encontrara Marta e menos de três horas que ela queimara suas coisas e o expulsara de casa. Uma áspera discussão, ápice de um casamento torpe e que há muitos anos já dera mais do que podia. Mas ele ainda a amava, no fundo mais profundo de seu coração ainda ardia a mesma paixão de dez anos atrás. E ele precisava tentar mais uma vez, apenas uma. Levantou-se trôpego, com o copo na mão esquerda e a garrafa vazia de Velho Barreiro na outra. Arrastou-se pelas quadras em busca de seu antigo lar, movido apenas pela vontade de rever Marta. Pouco a pouco conseguia juntar letras e formar palavras, e quando estava na porta de seu condomínio já conseguia até mesmo falar com o porteiro noturno. - Diaslslaskls, Marta! - Falou. - Boa noite pro senhor também. - Respondeu o perteiro, alheio ao idioma da cachaça. Pegou o elevador até o sétimo andar e após cinco tentativas frustradas conseguiu finalmente encontrar a porta de casa. Adentrou sorrateiramente, pelo menos achava, e caminhou pela sala. Não notou a presença de um capacete azul escuro e um estranho casaco de couro marrom sobre a mesa de jantar, mesmo esbarrando em ambos. Chegou até o quarto e viu Marta, dormindo nua sob os lençois. Ela tinha um sorriso satisfeito e nada lembrava a mulher que horas antes o expulsara de casa. Menos entorpecido escuta a voz de alguém cantando no banheiro. É uma voz familiar, mas que não reconhece mesclada ao som da água. Entra no banheiro e vê um homem tomando banho. Tomado de ciúme e cego de ódio ele abre subitamente a porta, ergue sua garrafa e golpeia o homem com a garrafa de Velho Barreiro. Uma. Duas. Cinco pancadas. O sangue escorre pelo chuveiro. Sangue, vidro e ossos do homem que agora está caído no banheiro com um rombo na nuca do tamanho de uma palma e o rosto completamente desfigurado pelos cacos do vidro da garrafa que se despedaçara na primeira pancada. Ainda tomado pela raiva cambaleia até o quarto de sua esposa e a acaricia. Ela blabucia seu nome, o que apenas aumenta ainda mais sua raiva. Marta desperta e a última visão que tem é a de seu amado. Em seguida tudo escurece enquanto as mãos fortes e raivosas agarram seu pescoço e a estrangulam. Sem mais nada a pensar e a fazer ele se ergue. As mãos maculadas pelo ódio tocam seu rosto e o sujam de sangue. Agora está completamente sóbrio, trazido do mundo da bebida pelo ardor da fúria. Caminha até a sala e finalmente nota o casaco marrom e o capacete. Uma carta cai do casaco. Ele a lê, e lágrimas escorrem de seu rosto. Em seguida pula do sétimo andar para a morte. A libertação. No dia seguinte jornais noticiam: - Matou esposa e filho, depois se suicidou. E caída no chão, estava um singelo pedaço de papel...
Pai, Como você não chegou a tempo, eu decidi escrever essa carta mesmo. Provavelmente quando acordar de manhã já terei pego minha moto e partido. Consegui finalmente me curar daquela terrível doença. O médico informou que não precisarei mais comparecer as sessões de quimioterapia e que se as coisas continuarem desse jeito me dará alta completa até o final da semana. Mamãe me contou da briga que tiveram, mas relaxe. Ela o ama, e conversei com ela a respeito. Amanhã espero que estejam bem melhor, não quero pensar que minha doença tenha acabado com o casamento de vocês. Não vai ser uma briguinha que vai acabar com um casamento de anos, ainda mais agora. Te amo, pai. Cuide bem da mãe.
Inserido a pedidos do Lestat.

O Parque Sombrio - 5

- Me dá mais uma da boa! - Berra Abreu, com o copo vazio de cerveja. Sentado em uma mesa do Bar do Zeca, um boteco local, o médico e legista Abreu não parece se incomodar muito em esperar dias na Ilha de Paquetá pelos resultados de testes de amostras retiradas das vítimas do Parque Darke. Ele está completamente embriagado e aos beijos com uma mulher que aparenta idade para ser sua mãe (sendo que ele tem quase cinqüenta anos). Naquele momento em específico ele faz aquilo que sabe fazer melhor: torrar dinheiro público. Não que Abreu seja corrupto, mas ele conta nos dedos quantos não se aproveitaram de esvaziar cofres públicos em diligências optando em comer em locais baratos ao invés de só usufruir do bom e do melhor. "Considerando nossas condições de trabalho, é nada mais que justo", respondia quando questionado sobre suas práticas onerosas dando a entender que o estado precário do IML era justificativa para seus atos. Quando chega quase uma hora da manhã Zeca, o dono do bar, de forma educada convida todos a se retirarem. Abreu, ainda abraçado da mulher, se levanta e pede apenas mais uma cerveja pra viagem, sendo atendido prontamente. Zeca preferia se livrar do bêbado do que manter um casco de vidro - pelo qual cobrou. Abreu retoma caminhada com sua parceira e caminham até a Praia da Guarda. Excitados pela bebedeira os dois se sentam um banco a beira da praia e começam carícias mais ardentes. Beijos e gemidos se manifestam e um seio já está a mostra quando escutam o som baixo da viatura de polícia. Imediatamente os dois se recompõe e se levantam ao mesmo tempo que a polícia passa e os ilumina com a lanterna. Um dos policiais reconhece o médico. - Vai São Jorge! - Berra o policial, gargalhando com o amigo. - Vamos para algum lugar mais íntimo? - Propõe a mulher, lambendo a orelha de Abreu. - O que sugere? - Pergunta, tomando em seguida um gole de cerveja. - Vamos pro Darke? - Fala a mulher, apontando para o Parque, completamente escurecido. - Mas... - To vendo que vai brochar, não é? - Nem pensar! Os únicos mortos que Abreu manipula são os do IML! Eu sou muito vivo! Vamos para lá... Você nunca vai se esquecer dessa noite! O casal cambaleia pela noite em direção ao Darke. Uma caminhada que levaria apenas cinco minutos de onde estavam leva quase quinze por seus estados físicos e mentais. No caminho Abreu propõe que se agarrem na praia, mas a rampeira insiste em fazerem tudo no parque. "Lá é mais gostoso porque é proibido.", provoca enquanto coloca a mão dentro da calça do legista. Com rapidez e experiência a moça pula o muro seguida por Abreu. Caminham pela área livre do parque até que chegam ao local onde o corpo de Isabela foi encontrado. Um pouco de náusea tomou Abreu enquanto continuavam e avançavam rumo a trilha que levava ao mirante. A trilha foi percorrida em menos de sete minutos, entre tropeços e gargalhadas bêbadas. Mal chegaram ao Mirante a blusa da rampeira foi tirada e Abreu já passeava entre seus seios. Foi um sexo selvagem e sem muita preocupação. Estavam completamente sós e as únicas testemunhas do ato eram animais e o céu estrelado daquela noite. De repente Abreu tem a impressão de escutar um galho se partindo. Retira a boca do ventre da mulher e olha para os lados. - Você escutou? - Pergunta o médico. - Escutei o que? - Responde, ofegante de prazer. - Um galho se partindo. - Está maluco doutor? Vamos continuar! Abreu retoma os afazeres e novamente escuta o som, dessa vez mais perto. Se levanta e procura por alguma arma entre suas coisas. "Merda! Esqueci o 38 no hotel!", pensa enquanto sua parceira se levante contrariada. "Tá chapado?", pergunta revoltada enquanto veste a calcinha. - Cala a boca e escuta! - Bronqueia Abreu, agarrando o braço dela e olhando nos olhos dela. - Escuta! Nenhum som. Nada. A mulher se afasta de Abreu e veste o resto da roupa. "Você é um filho da puta! E maluco! Tinha que ser doutor de defunto mesmo...", reclama a moça quando finalmente escuta o terceiro galho se partir. - Abreu? - Agora escutou sua puta! - Fala o médico, armando-se com a garrafa vazia de cerveja. - Eu disse que esse lugar era ruim, mas você me escutou? Claro que não. Me agarrou pelo pau e me trouxe aqui. Feliz agora? - O que é? - Sei lá o que é, mas está nos observando... Vamos sair daqui com cuidado, sem correr. Abreu começa a caminhar, seguido pela mulher. Atento e com o sangue frio de quem lida com o que há de mais bizarro na raça humana há anos ele parece tranquilo. A garrafa lhe dá uma falsa segurança, que reforça pegando no chão um galho grosso de alguma árvore. A rampeira o acompanha e quase o abraça enquanto descem a trilha com cuidado. Um novo som se escuta próximo deles e uma fruta atinge a mulher, que desesperada desvencilha-se de Abreu e corre pela trilha, desaparecendo aos bwerros. - Merda! - Reclama o legista, ficando só. O legista caminha atento, em parte nervoso pelo abandono e no fundo mais calmo por não ter nenhum empecilho ao lado. Ele não é incomodado por toda a descida. Apenas se dá conta que está completamente nu quando chega no fim da trilha. "Merda! No susto deixei as roupas lá em cima!", pensa enquanto decide se retorna ou não para buscar ao menos as calças. - Abreu! - Berra uma voz conhecida se aproximando. - Fred! - Reconhece Abreu, escondendo as partes íntimas com a garrafa semi-transparente, o que não é exatamente a melhor solução. - O que houve com você? - Pergunta o policial. - Estava comendo e escutei um barulho, fui conferir. - Comendo pelado? - O que se come pelado, Fred? E você, também veio comer? - Estava procurando evidências com o Almeida. Escutei um eco estranho vindo do Mirante e vim para cá, o Almeida ficou do outro lado, ele só precisa de uma ligação minha pra vir. - Aquela vadia berrava muito alto, parecia uma vaca no cio... - Responde o médico. - Eu estava comendo lá em cima. Pode me acompanhar até lá? Preciso pegar minhas coisas. O médico segue o caminho de volta acompanhado dessa vez de Fred. A presença do amigo transmite um pouco de segurança. Caminham silenciosos, até porque Abreu está completamente envergonhado por sua situação ridícula. Ele chega até o Mirante e suas roupas continuam no mesmo local, intocadas. Veste a cueca e as calças e se sente menos mal, Fred o tempo todo observa atentamente. - Pelo visto foi uma senhora noite. - Comenta Fred, sentindo o cheiro forte de cerveja e do alcóol. - Era uma boa mulher. - Pena que não a vi. - Como assim? Ela saiu correndo na minha frente... Você com certeza a viu correndo pelo parque até a saída. - Não vi mulher alguma sair da trilha. Por um instante Abreu gelou por dentro. Continua... Outras Partes de "O Parque Sombrio": - Parte 1; - Parte 2; - Parte 3; - Parte 4; - Parte 5 (novo);