Procuro mas não acho, ou acho que procuro.

Primeiro procurei na meia. Não estava lá, eu procurei, fucei, sacudi mas não te encontrei. Eu tinha certeza que estava ao lado daquela nota de cem reais que reservo na meia direita e que por ventura coloco na esquerda. Nem em uma nem em outra. Mas como todo bom brasileiro, se não sou insistente sou também teimoso como uma mula, logo, continuo a te procurar. Minha esposa dorme profundamente, mas mula não tem sentimentos, e a cutuco.

Ocaso do interior. (Tonho)


Um banco, uma praça e duas senhoras, ambas tricotando casacos.

- Sabe o Tonho?
- Que Tonho?
- O Tonho, filho de Maria, que casou com José, lá da mercearia?
- Ah, o Tonho. O que tem o Tonho?
- Que Tonho?
- O Tonho, filho de Maria, que casou com José, lá da mercearia.
- Ah sim, o Tonho.
- E então?
- O que foi?
- Você falou do Tonho, filho de Maria, que casou com José, lá da mercearia.
- Ah... Falei?
- Falou.
- Sabe que esqueci?
- Do quê?
- Do Tonho?
- Que Tonho?
- Tonho, filho de Maria, que casou com José, lá da mercearia.
- Ah sim, ele se casou.
- O Tonho.
- Não, José.
- José casou com quem?
- Tonho.
- Tonho ou José?
- Os dois, fugiram depois da missa. Foram para a cidade.
- Que horror.
- Tem linha pra continuar o casaco?
- Tenho.

Trocam linhas, casacos antes um azul e outro amarelo agora são azul-amarelo e amarelo-azul.
- Acho que as crianças vão gostar.
- Eu também acho.
- Mas do que falávamos?
- Tonho?
- Que Tonho?

E o ciclo recomeça.

O encontro de dois mundos.


No estúdio estavam os dois. Face a face, corpo a corpo.

De um lado, no auge de seus vinte anos, com apenas dois dentes na boca e as roupas velhas doadas por seu senhor feudal. Ele era a Idade Média. Ao seu lado estava sua esposa de quinze anos e na segunda tentativa de gerar um filho, já que o primeiro morrera de tifo. Ele observava com curiosidade o sofá e a textura do tecido, melhor que as acomodações de palha cobertas com couro da casa onde morava.

Do outro lado, no âmago de sua forma física um executivo do século XXI, o representante da Idade Contemporânea. Ele vestia um belo terno Giovani, acessava freneticamente seus e-mails corporativos de seu blackbarry e ao seu lado esta sua esposa, com quarenta anos e sem filhos.

- Boa tarde senhores. - Diz o cientista, que inventou a máquina que permitia tal situação.
- Tarde. - Responde a Idade Média.
- Boa tarde, meu senhor. - Diz a Idade Contemporânea.
- Hoje vamos apenas conversar, saber o que cada um pensa. Por quem podemos começar?
- Deixe o caipira começar. - Disse a Idade Contemporânea.
- Bem, vamos então...
- Eu sou a idade média. - Explica. - Vivemos muito bem em minha época, apesar de meu primeiro filho ter morrido de tifo...
- E o segundo morrerá de que? Peste bubônica? - Provoca a Idade Contemporânea, segurando o riso.
- Pelo menos meus porcos não espirram e me matam de medo.
- Medo? Com dinheiro eu compro o remédio.
- Eu não preciso de remédio, a fé funciona e é de graça. - Comemora a Idade Média, apalpando o bolso. - Aliás, nem de dinheiro preciso.
- Tenho carro e você não.
- Tenho cavalo. - Responde de imediato. - E não pago IPVA por ele.
- Temos saúde, chegamos até os cem anos com facilidade. - Gaba-se a Idade Contemporânea.
- Ah sim, apoiados em muletas e bancando filhos sangue-sugas.
- Vocês nem chegam aos quarenta.
- Pelo menos não temos crise de meia idade.
- Vocês pagam tributo ao seu senhor, que em geral é abusivo.
- Mas é apenas um tributo. - Diz a Idade Média, dessa vez se gabando. - Você tem mais siglas de impostos do que letras no seu nome, e para piorar, falam que é para saúde, segurança e educação. Não recebem nenhuma das três. E mais, se eu desconfiar de meu senhor posso simplesmente desafiá-lo para uma luta homem a homem e se vencer minha vontade prevalece porque há a lei da espada.
- Eu posso entrar na justiça! - Berra a Idade Contemporânea. - Temos advogados e leis claras!
- E esperar por anos para descobrir que nada mudou... Aliás, que você está errado e vai ter que pagar por estar certo.
- Como se fosse fácil brigar com seu senhor.
- Mais fácil que saber que é liderado por um crustáceo com um tentáculo a menos e que antes dele foi liderado por uma múmia e que nenhum deles jamais se importou com quem o escolheu. Essa tal de democracia. Pelo menos na idade média sabemos exatamente quem são nossos vilões.
- Como se seus reis e senhores fossem melhores que nossos políticos, com suas visões distorcidas da realidade e o clero que os subjuga e distorce a verdade.
- Quanto a isso me vieram siglas em resposta: IURD e Globo. - Responde a Idade Média. - Em nosso tempo apenas temos a Inquisição... Ah sim, concordo, políticos são um mal, digo mais.
- Você é banguela! - Provoca a Idade Contemporânea.
- Você está gordo de tanto fast food! - Responde de imediato a Idade Média. - Pessoas que nem Sarney seriam decapitadas ou tiradas por poder!
- Mentira, outro igual assumiria o poder. - Discorda a Idade Contemporânea.
- Ao menos se daria ao trabalho de fingir ser nobre. - Desdenha mais uma vez a Idade Média, cuspindo no sapato da Idade Contemporânea, que se revolta.
- Isso é um legítimo Mr. Cat! Tem idéia do preço! - Seu animal!
- Feio!
- Cara de mamão!
- Vou te mostrar quem é...

O cientista separa as duas idades antes que briguem como crianças imaturas.

Apesar de serem muito distantes, ainda assim eram muito próximas e parecidas demais.