Carlos Boneca

Era normal.

Todo dia pela manhã bem cedo se levantava e comprava seu jornal. Dava bom dia ao jornaleiro, ria de alguma piada sobre futebol. Seguia sua rotina voltando para casa passando pela padaria. Como no jornaleiro, dava bom dia a todos os funcionários, comprava seus pães, presunto e queijo (sempre prato, nunca muçarela).

Por volta das nove horas da manhã pegava sua bicicleta e descia pela Teodoro Sampaio até a Brigadeiro Faria Lima em direção ao trabalho, uma das muitas agências de publicidade de São Paulo. Era redator, ao menos era isso que os vizinhos sabiam. Trabalhava até as dezoito horas, quando voltava para casa.

Por sinal, morava em uma pequena vila, daquelas que ainda sobrevivem a especulação imobiáliaria e habitada em sua maioria por imigrantes italianos ou seus descendentes. Gente idosa em sua maioria. Carlos não era nem uma coisa nem outra.

A noite as luzes da casa se acendiam. Mas sem nenhum som. Apenas o brilho inconstante da televisão. Uma vez escutaram o som aumentar e diminuir repentinamente, em seguida Carlos saiu de casa e voltou horas depois com um novo fone de ouvido sem fio como viram os vizinhos.

Tudo era normal.


A Fã


Ana Clara adorava livros de vampiro. Desde os quinze anos, quando assistira pela primeira vez nos cinemas a segunda parte de Crepúsculo ela tinha certeza que nascera para ser uma nova Bella Swan.

Tinha todos os livros lançados em português, com e sem as capas do filme, canetas, cadernos, capas para celular, enfim, se algo tinha a foto de Bella ou do vampiro Edward ela implorava a seus pais para comprarem.
- Mas e daquele lobisomem, o Jacó? – Perguntava a mãe na papelaria, uma pergunta que sempre fazia.
- Jacob, mãe.
- Isso, isso... Caderno dele não pode?
- Jacob não é vampiro, é lobisomem e fedem como cachorro.

Cuma?

- Vamos, você consegue. Os olhos reviraram e procuraram uma saída. Não havia. Atrás dele cinco pessoas fortes, daquelas que o bíceps de um deles era seu torax. Do outro um pequeno muro, uma plaquinha simpática com a foto de um cachorro nadando em uma piscina de sangue.